Palhaço estava prestes a entrar em cena quando o incêndio começou - Francisco Moreira da Costa/Revista Flagrante
Brasil

Neste dia, em 1961, o pior incêndio do Brasil causava a morte de 503 pessoas

A tragédia do Gran Circo resultou no dobro de vítimas fatais dos incêndios do edifício Joelma e da boate Kiss

Thiago Lincolins Publicado em 17/12/2019, às 10h36

Era uma tarde quente em Niterói, 17 de dezembro de 1961. Instalado na Praça do Expedicionário, o Gran Circo Norte-Americano, autoproclamado maior da América Latina, recebia mais de 3 mil visitantes.

No panfleto convocando o respeitável público, anunciaram orgulhosamente terem uma tenda do mais moderno material — nylon. Coberto por parafina para impermeabilizar.

Parafina, a matéria-prima das velas. Muitas seriam acesas por esse deslize. Estava para começar o pior desastre circense de toda a História, em todo o planeta. E o pior incêndio do Brasil, com mais de o dobro das 189 vítimas do Joelma, em 1974, e as 242 da boate Kiss, em 2013.

Vingança

Dois dias antes, uma figura soturna rodeava o circo. Era Adílson Marcelino Alves, mais conhecido por Dequinha. Fora um dos 50 trabalhadores que o dono, Danilo Stevanovich, havia contratado para realizar a montagem da estrutura. Tinha a ficha suja por furto, aparentava problemas mentais e terminou demitido após apenas dois dias.

Na véspera do incêndio, Dequinha fora agredido por Maciel Felizardo, funcionário do circo, após bater boca com ele, acusando-o de ser responsável por sua demissão. Na fatídica tarde, seu ódio acabou multiplicado ao ser barrado na porta por tentar entrar de graça.

Circo em chamas

O circo havia atingido sua lotação máxima. Três mil pessoas assistiam ao espetáculo. Faltando apenas 20 minutos para o fim, o pânico foi instantâneo: a lona incendiou-se ruidosamente e seus pedaços começaram a cair sobre as pessoas, que se empurraram em desespero, até que algumas delas não pudessem mais respirar no aperto.

Os destroços após o grande incêndio / Crédito: Jorge Peter/Revista Flagrante

 

A elefanta saiu em disparada, atropelando quem estivesse no caminho — mas abrindo uma saída, porque não havia nenhum plano de emergência. Em pouco mais de 5 minutos, a lona foi totalmente consumida pelo fogo. De imediato, 372 pessoas jaziam mortas. As outras, num total oficial de 503 vítmas, morreriam depois.

Era homicídio, foi a conclusão da polícia. Após ser barrado na entrada, Dequinha havia reunido dois comparsas — José dos Santos, o "Pardal", e Walter Rosa dos Santos, o "Bigode", — para começar sua vingança. Que era simples: jogaram gasolina na lona e acenderam.

Não exatamente mestres do crime, todos iriam presos antes do final de dezembro. Em outubro de 1962, Dequinha foi condenado a 16 anos de prisão. Terminaria assassinado ao tentar fugir, em 1973 — nunca ficou claro por que e por quem. Bigode foi condenado a 16 anos de prisão e Pardal, a 14 anos.

O então presidente João Goulart imediatamente foi para Niterói acompanhar a situação. Voluntários fizeram fila para doar sangue. O caso causou comoção mundial, com doações vindas dos EUA até o Vaticano.

Uma das vítimas da tragédia / Crédito: LABHOI UFF

 

O cirurgião Ivo Pintaguy tornou-se uma celebridade então, ao atender dezenas de vítimas e notar que cirurgia plástica não era apenas vaidade. Com as técnicas desenvolvidas por ele, a cirurgia plástica no Brasil muito deveria à tragédia de 1961.

Não fosse a abismal escolha do nylon e parafina, talvez ninguém teria morrido. Mas a polícia, a imprensa e o governo, considerando a origem criminosa, não responsabilizaram Stevanovich. Nisso, o Brasil perdia a chance de aprender uma séria lição — como se veria nos dois outros desastres já citados, causados por negligência no uso de material inflamável em construções.

A história terminaria basicamente apagada. Nada marca o lugar. E há uma clínica militar onde um dia se passou o, de longe, pior incêndio da História do Brasil.


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