Leonardo da Vinci - Getty Images
Personagem

Artes inacabadas e fama de herege, a verdade por trás das obras de Leonardo da Vinci

O artista inovou técnicas de pintura, e foi o responsável por inovações tecnológicas e científicas

Carlo Cauti Publicado em 28/12/2019, às 12h00

O que está comprovado na carreira artística de Da Vinci é certa descontinuidade. “Várias de suas obras ficaram inacabadas ou foram recusadas pelos clientes, tornando-o famoso por completar poucos trabalhos que começou”, afirma Marco Cianchi, professor da Academia da Galeria de Florença e um dos maiores estudiosos de Leonardo da Vinci do mundo.

Por falta de documentos, ao longo dos séculos, a literatura transformou esses estranhos “fracassos” em uma sina que teria acompanhado o pintor no decorrer da sua vida: a suposta “maldição Da Vinci”. Esse “azar” provavelmente estava mais relacionado com o fato de o artista ser inovador demais para o seu tempo.

“Leonardo pensava, idealizava, desenhava e criava coisas muito além do seu tempo. Teve intuições incríveis para um homem nascido no século 15, como o escafandro ou o paraquedas, obras que foram compreendidas, de fato, somente no século 20. É óbvio que um gênio tão além do seu tempo teria encontrado dificuldades para ser entendido por seus contemporâneos”, diz Vezzosi.

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A boa notícia é que na Florença de Lourenço, o Magnífico, esses dotes não passaram despercebidos. Esse soberano da cidade, da família dos Médici, era extremamente culto, um humanista que amava se cercar de artistas, pintores e intelectuais. Entre eles, estava Verrocchio, que introduziu Leonardo na corte. E foi graças a isso que, por volta de 1479, sua carreira deu uma grande virada.

Da Vinci se tornou consultor militar e de engenharia de Lourenço, que gostava cada vez mais dele. Um rabisco da época mostra essa ligação: Leonardo desenhou em seu caderno o cadáver enforcado de um dos responsáveis pela Conspiração dos Pazzi, Bernardo di Bandino Baroncelli, que havia matado o irmão de Lourenço.

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“Além de misturar arte e ciência para criar obras-primas, Leonardo desenvolvia técnicas de pintura revolucionárias, como as chamadas sfumato ou chiaroscuro”, explica o professor Mazzocco.

Em 1482, Leonardo tinha conquistado tanta confiança dos Médici que foi enviado para Milão como embaixador cultural de Florença. A cidade italiana naquele momento histórico era a capital do mundo não somente por sua potência econômica e política, mas também por ser o maior centro de artes e cultura do planeta. Por isso, os Médici enviavam artistas florentinos em missões diplomáticas às cortes de toda a Europa para realizar obras de arte in loco.

Certa vez, Leonardo teve de levar para o Duque de Milão, Ludovico, o Mouro, uma homenagem: uma lira inteiramente de prata esculpida por ele mesmo com a forma de uma cabeça de cavalo. Um objeto, aliás, que só o próprio Leonardo sabia tocar. Grande músico, Da Vinci ficou em primeiro lugar em uma competição musical, ganhando de todos os milaneses e conquistando de uma vez a simpatia do duque.

Em Milão, Leonardo percebeu uma alta produtividade e abertura mental para as inovações tecnológicas e científicas que não existia em Florença — ainda muito ligada às artes clássicas e ao neoplatonismo. Assim, entendeu que naquela cidade do norte da Itália havia uma oportunidade profissional.

Sem perder tempo, apresentou para o duque uma carta de emprego, uma espécie de currículo da época, oferecendo-se para permanecer em Milão a serviço da corte dos Sforza. No documento, Leonardo descreveu suas habilidades como engenheiro, principalmente de estruturas militares e obras hidráulicas, além de arquiteto, mecânico, músico, poeta e figurinista, deixando por último sua aptidão como pintor e escultor — uma ironia em se tratando daquele que se tornaria o autor da pintura mais famosa do mundo, a Mona Lisa.

Ludovico o contratou. Não apenas porque precisava de um homem com tantas habilidades para ajudá-lo em suas contínuas guerras, mas também porque estava interessado na produção de uma enorme estátua equestre em bronze de Francesco Sforza, seu pai, que Leonardo prometeu fundir.

A estátua, porém, nunca saiu do papel, pois todo o bronze disponível era destinado à produção dos canhões. De todo modo, o artista ficou em Milão por 20 anos, projetando sistemas de irrigação, pintando retratos, desenhando máquinas militares, estudando, mas, principalmente, preparando cenografia para as festas na corte dos Sforza.

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Isso mostra, mais uma vez, a versatilidade do gênio, que passava da criação de um protótipo de tanque de guerra à do salão de festas do palácio de Milão, e até à da cozinha, naturalmente. 

Só que o artista se sentia explorado pelos Sforza. Em 1485, escreveu uma carta reclamando formalmente com o duque por ter recebido apenas 50 ducados como salário. Muito pouco para sustentar “seis bocas”: a sua, de três ajudantes do ateliê, de um funcionário e de uma empregada chamada Caterina.

Segundo alguns estudiosos, essa Caterina poderia ser sua misteriosa mãe, que teria ido morar com ele em Milão, já que o filho parecia ter alcançado uma vida boa — não que Leonardo tenha deixado qualquer texto que possa confirmar essa identidade. Entre os ajudantes, estava o inseparável Salaì, que o acompanhou por 24 anos em suas viagens.

Foi em Milão que Leonardo pintou uma das suas obras mais famosas, A Última Ceia, um afresco no convento dominicano de Santa Maria delle Grazie que revela bem o caráter do artista: uma excessiva vontade de experimentar e certa falta de compromisso com os clientes.

Da Vinci trabalhou nessa obra entre 1495 e 1498, mas não seguiu as regras artísticas da época, escolhendo pintar em cima de uma argamassa seca, ao invés de úmida, como de costume. O problema é que a umidade da parede comprometeu a obra e a imagem começou a se deteriorar rapidamente.

Além disso, os frades foram até o duque reclamar que o artista. “Nunca aparecia por lá para trabalhar. Ele era assim: procrastinava tudo para seguir seus próprios interesses. A questão é que essa não era a melhor forma de conquistar clientes”, afirma o professor Mazzocco.

E, se A Última Ceia acabou estragando, pelo menos a fama da obra permaneceu inviolada pelos séculos. Em livros de ficção histórica como O Código da Vinci, de Dan Brown, e A Ceia Secreta, de Javier Serra, por exemplo, Leonardo leva a fama de herege por causa da obra.

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Para alguns, a pintura teria símbolos da heresia cátara (presente na Europa entre os séculos 10 e 13); para outros, estaria clara a sua predileção pela figura de São João Batista, um indício de adesão à seita dos jonitas, a mesma dos Templários e da Ordem de Malta.

O próprio Vasari, o biógrafo, escreveu que Leonardo, como um bom homem de ciência, não tinha particular simpatia pela religião. Mas não existem evidências que permitam reconstruir seu pensamento em relação à doutrina católica.

“Não podemos dizer que Leonardo foi ateu, pois ele acabou indo até Roma, morou no palácio do papa, pintou cenas religiosas e escreveu sobre os rituais católicos. Mas ele era um homem livre, tinha um comportamento contrário à modéstia exigida pela Igreja e provavelmente não aguentava a pressão dos textos sagrados. Queria ser intelectualmente livre. E, disso, a sociedade da época não gostava”, explica o professor Cianchi.

A certeza é que Da Vinci morreu religiosíssimo, pois deixou em seu testamento o número detalhado de padres que ele queria no velório e de missas que ele contratou (e pagou) para relembrá-lo após sua morte. Nenhum ateu ou agnóstico teria tido tanta atenção para cerimônias funerárias.


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