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Curiosidades / Entretenimento

Conheça o historiador que reconstrói navios de guerra — em um game

Confira uma entrevista exclusiva com Sergey Gornoestav, que deixou para trás a Universidade Estatal de São Petersburgo para se dedicar aos jogos eletrônicos

Théo Azevedo Publicado em 08/07/2020, às 12h00

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World of Warships é gratuito para jogar e está disponível em português do Brasil, incluindo dublagem - Divulgação/Sergey Gornoestav
World of Warships é gratuito para jogar e está disponível em português do Brasil, incluindo dublagem - Divulgação/Sergey Gornoestav

Filho e neto de marinheiros mercantes, Sergey Gornoestav, historiador especialista em museus e relações militares, trabalhava na Universidade Estatal de São Petersburgo quando decidiu mudar de rumo: o russo, que sempre gostou de jogos eletrônicos de guerra, deixou a universidade para trabalhar na Wargaming, premiada desenvolvedora e distribuidora de jogos de combate militar online.

Na Wargaming, Sergey passou a atuar como historiador em World of Warships, jogo de combate naval com mais de 38 milhões de jogadores em todo o mundo. Ele gerencia a cooperação global da Wargaming com museus navais, arquivos e comunidades marítimas profissionais ao redor do mundo. Tudo para obter as informações que a equipe de desenvolvimento precisa para reconstruir navios históricos que protagonizam as realistas batalhas online do jogo.

Entenda como funciona o trabalho de Sergey:

Sergey Gornoestav / Crédito: Divulgação/Sergey Gornoestav

O que leva um profissional como você a trocar a carreira acadêmica por um emprego na indústria de jogos eletrônicos?

Sergey: Bem, essa é a pergunta mais fácil de responder: até historiadores gostam de jogar e, como sou apaixonado por games de estratégia e guerra, decidi trocar a carreira acadêmica pela oportunidade de atuar com jogos e contribuir com minhas habilidades e conhecimentos para World of Warships. O que faço agora como funcionário da Wargaming é muito semelhante ao que fazia na Universidade Estatal de São Petersburgo. Além disso, a história da minha família está ligada à marinha e à marinha mercante, então trabalhar no World of Warships é uma boa maneira de contribuir com essa tradição.

Como são selecionados os navios para fazer parte do World of Warships?

Sergey: Temos alguns parâmetros fundamentais que servem de base para selecionar os navios de guerra do jogo. Primeiramente, há o período, de 1900 a 1953, que marca o fim dos navios de aço e dos chamados "Dreadnoughts", e o surgimento dos navios de artilharia. Além disso, temos apenas quatro classes de navios no jogo: contratorpedeiros, cruzadores, navios de guerra e porta-aviões — em breve adicionaremos alguns submarinos. Estas classes se subdividem em dez ramos, e cada um representa um certo período histórico, que influencia na estrutura de armaduras, armas e velocidade. Levamos em conta os parâmetros técnicos dos navios — o número de canhões, calibre, armadura, velocidade e armas secundárias, como lançadores de torpedos. Há também navios especiais que os jogadores podem desbloquear ganhando experiência ou cumprindo objetivos. E navios Premium, que podem ser comprados com dinheiro real ou com a moeda do jogo.

Como é o processo de reconstrução de um navio em World of Warships?

Sergey: Depois que decidimos quais navios vamos incluir em World of Warships, organizamos viagens de expedição, ocasião em que visitamos arquivos, museus e, especialmente, museus navais. Coletamos projetos, fotografias históricas, modelos profissionais, fotografias de navios originais e, por fim, documentos escritos ou qualquer outra informação, se forem “navios de papel" (que existiram somente em projeto). Como museólogo sênior e especialista militar, meu objetivo é achar pontos de interesse — quaisquer instituições aonde possam ser encontradas referências ou pessoas para compartilhar experiências trabalhando com arquivos ou livros. Depois de reunir as referências necessárias, nossos modeladores 3D começam a construir o navio no jogo, processo que leva de três a seis meses.

E o que acontece no caso de navios afundados muito cedo e que não possuem muito material disponível?

Sergey: Bem, para citar um exemplo, há navios alemães no jogo e, como se sabe, a Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial, então a frota do Kaiser se tornou um espólio de guerra a ser dividido pelos Aliados. No entanto, os alemães afundaram no Scapa Flow em 21 de junho de 1919. Em World of Warships temos os navios Kaiser, Konig e Bayern. É óbvio que eles não foram modernizados após a guerra, nem possuíam armas antiaéreas e outros equipamentos para combater os navios Aliados que temos no jogo. Para alcançar o equilíbrio, assumimos que os navios haviam sobrevivido e realizamos a modernização necessária, mudamos a aparência deles e acrescentamos armas. Quando adicionamos essas mudanças à aparência histórica, usamos exemplos autênticos de modernização feitos pelos próprios alemães em navios da Primeira Guerra Mundial.

Cena do jogo War of Warships / Crédito: Divulgação/Sergey Gornoestav

Qual a precisão das batalhas históricas recriadas no World of Warships?

Sergey: Os mapas do jogo são inspirados em batalhas famosas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, mas nosso foco é recriar as capacidades técnicas dos navios de guerra, e não as batalhas em si. Isso dá ao World of Warships algo único, que é permitir aos aficcionados pela História que simulem conflitos no jogo, com navios históricos lendários. Se você está interessado nas marinhas do mundo, também se interessa em quem era melhor — Bismarck" ou Iowa, Iowa ou Yamato.

Qual navio foi o maior desafio para recriar?

Sergey: Utilizamos uma grande variedade de referências para recriar navios que existiram no passado. Para os chamados “navios de papel”, ou seja, aqueles que nunca chegaram ser construídos, geralmente temos dados escassos. O que falta, calculamos e fazemos por conta própria, o que transforma nossos designers em verdadeiros engenheiros de expedição. Quando eles completam o projeto de um “navio de papel", ele pode ser feito no mundo real também. Mas, às vezes, é impossível encontrar dados suficientes. Por exemplo, encontramos um problema na construção dos navios soviéticos Sovjetski Sojuz e Kronstadt. A construção de ambos foi iniciada no mundo real, mas interrompida pela guerra. O local onde finalmente encontramos os materiais foi inesperado: os arquivos estatais da Federação Russa. Eles estavam na coleção de documentos do Comitê de Defesa Soviético, que era ativo na década de 1930 e formado por pessoas do mais alto escalão da URSS. Estes planos foram preparados por Stalin e, em seguida, armazenados. Portanto, permaneceram intactos por mais de 60 anos, até que os encontrássemos. Então, na verdade, fomos os primeiros a ver esses planos depois de Stalin.