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Matérias / Arte

A reação da restauradora ao se deparar com a obra 'A Última Ceia' pela primeira vez

Pinin Brambilla foi a restauradora mais famosa da Itália, que se impressionou ao ver o péssimo estado em que a pintura de Da Vinci se encontrava

Eduardo Lima, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 11/04/2023, às 11h51 - Atualizado em 18/04/2023, às 09h54

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A restauradora de arte Pinin Brambilla e o afresco de Leonardo Da Vinci, "A Última Ceia" - Domínio Público/Creative Commons e Reprodução/Vídeo/Youtube/FAIchannel
A restauradora de arte Pinin Brambilla e o afresco de Leonardo Da Vinci, "A Última Ceia" - Domínio Público/Creative Commons e Reprodução/Vídeo/Youtube/FAIchannel

"A Última Ceia" é uma das obras mais famosas do pintor da Renascença Leonardo Da Vinci. A pintura, um enorme afresco (obra realizada direto na parede) de 4,6 metros de altura por 8,8 metros de comprimento, retrata a derradeira refeição de Jesus com seus discípulos, antes de sua crucificação.

Quando a restauradora italiana Pinin Brambilla se deparou com a obra, em 1977, ficou chocada com o que encontrou. A especialista em restauração de afrescos renascentistas percebeu que não era possível ver a pintura original, ofuscada por camadas de gesso e mais pintura.

O estado da obra, quando a vi pela primeira vez, era inacreditável. Não dava para ver a pintura original, estava toda coberta de gesso e mais pintura. Tinha cinco ou seis camadas por cima. Tive que me perguntar se era um Leonardo ou não, porque estava completamente irreconhecível", disse a restauradora à BBC em 2016.

Brambilla encarou o desafio que outros já tentaram, mas, sem sucesso: restaurar "A Última Ceia" de Da Vinci. Um afresco, obra pintada diretamente em uma parede, é difícil de se conservar, se desgastando com o tempo.

Isso é ainda mais verdadeiro neste caso, já que, dispensando a técnica tradicional para realizar esse tipo de arte, o pintor não passou uma camada de argamassa de cal, que ajudaria a fixar o pigmento, mas o forçaria a trabalhar mais rápido.

Assim, "A Última Ceia" começou a descamar assim que foi terminada. Restaria a Brambilla e sua equipe salvarem o mural encomendado pelo duque de Milão, Ludovico Sforza, e terminado em 1498, ainda hoje decorando uma parede do refeitório do mosteiro da Igreja de Santa Maria delle Grazie, na cidade do duque.

Restaurações passadas

Antes de Brambilla, seis restauradores tentaram salvar "A Última Ceia" da deterioração. Porém, como ela explicou em entrevista ao jornalista da BBCMike Lanchin em 2016, "cada um deles mudou a fisionomia, as características e as expressões dos apóstolos".

"Última Ceia", de Leonardo Da Vinci - Domínio Público/Creative Commons

No decorrer das tentativas de restauração, o jovem discípulo Mateus ficou mais velho, com cabelo escuro e pescoço pequeno. O próprio Jesus Cristo, no centro do afresco, tinha perdido um certo quê de humanidade e beleza, na opinião da restauradora italiana. O que ela e a equipe dela se dedicaram a fazer, então, foi "resgatar o caráter de cada indivíduo". E, nas palavras da própria, "isso foi muito emocionante".

O time de Brambilla encontrou diversos motivos para a deterioração do afresco de Da Vinci. A parede onde o mural foi pintado absorveu a umidade de um pequeno rio subterrâneo que passava debaixo do mosteiro. Como a pintura estava no refeitório do mosteiro, próximo à cozinha, ela também recebeu muita fumaça e vapor com o tempo.

Durante a História, o exército de Napoleãousou o prédio do mosteiro como estábulo, e o convento foi atingido por uma bomba aliada durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, nenhuma dessas influências externas foi tão maligna para a conservação da pintura quanto as tentativas de restauro durante os séculos.

Salvando o mural

A sala foi vedada, andaimes foram instalados em frente ao afresco, e Pinin Brambilla e um grupo pequeno de assistentes começaram o processo de restauração da "Última Ceia". O primeiro passo foi realizar pequenos furos na parede e instalar câmeras minúsculas, que iriam revelar quantas camadas de tinta estavam cobrindo a pintura original de Da Vinci.

O trabalho foi longo e cuidadoso, restaurando pequenos fragmentos de cada vez para preservar a frágil pintura original, que estava embaixo de outras camadas muito mais robustas de restaurações anteriores. Instrumentos que possibilitavam precisão cirúrgica e muita paciência foram essenciais para o processo, que foi revelando as cores originais da obra.

Pinin Brambilla trabalhando em uma restauração de afresco - Domínio Público/Creative Commons

O processo de restauração levou mais de duas décadas. Iniciado em 1977, Brambilla só declarou o projeto encerrado em 1999. A restauradora conta que isso afetou sua vida familiar, e que muitas vezes trabalhava sozinha e aos fins de semana para completar sua obsessão.

Restauração completa

Ao fim de seu trabalho de restauro, expressões complexas voltaram aos rostos dos apóstolos, dobras na toalha e comidas na mesa se tornaram identificáveis e, segundo alguns críticos de arte, o afresco está praticamente como Leonardo Da Vinci o deixou.

Ao completar o trabalho de uma vida, Brambilla não estava exatamente comemorando. "Quando terminei de trabalhar na pintura, fiquei triste porque teria que abandoná-la [...] A cada obra que restauro, uma parte fica comigo, algo do artista. Me distanciar é sempre difícil. É como se você perdesse uma parte de si mesmo."

Essa parte de si, que Pinin Brambilla deixou no seu trabalho de restauração do afresco "A Última Ceia", é um enorme presente para a história da arte, levando uma pintura clássica, destinada à destruição com o tempo, a um patamar mais próximo de seu original. A restauradora morreu aos 95 anos, em 2020.