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Matérias / Idade Média

AH Entrevista: Historiador debate sobre a existência da mulher que foi papa

Conversamos com Michael E. Habicht sobre uma das maiores lendas da Idade Média. Afinal, a papisa Joana existiu?

Alana Sousa e Letícia Yazbek Publicado em 17/08/2019, às 01h00

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Crédito: Divulgação
Crédito: Divulgação

Essa história aparece na crônica de vários autores medievais. Disfarçada de homem, ela conseguiu subir na hierarquia católica e ser eleita papa. As datas são precisas: reinou entre 855 e 857, como João (Iohanes, em latim) VIII, conhecido também por Iohannes Anglicus. 

Um dia, enquanto liderava uma procissão na cidade, a verdade veio à tona. O papa João sentiu-se mal. Teve de parar tudo. E deu à luz no meio da rua. Causando indignação, foi aprisionada e, os relatos divergem, pode ou não ter sido executada.

Seja como for, ela teve seu nome removido de todos os documentos da Igreja. Oficialmente, o papa João VIII foi o que reinou entre 872–882. Pela lista oficial, Leão IV teria reinado até 855, sucedido por Bento III, que foi até 858. 

Essa história foi muito comentada na Idade Média, quando era vista como real. Hoje, a maioria dos historiadores acredita ser pura lenda. A primeira menção à papisa é de mais de 300 anos depois, no início do século 13, pelo dominicano Jean de Mailly. Ele não deu o nome oficial do papa mulher e situou a história em 1099. Foram cronistas posteriores que trouxeram os detalhes. Porém, seria possível rastrear através das fontes, provas da realidade da primeira papa mulher.

Um estudo de 2018 indica que moedas podem provar finalmente a existência da papisa. Esses objetos fazem parte de uma série de moedas francas, feitas de prata, que traziam imagens de papas e imperadores.

Segundo Michael E. Habicht, autor de Papisa Joana: O Pontificado Encoberto de uma Mulher ou uma Lenda? “as peças são uma forte evidência de que a papisa Joana realmente existiu”. Confira entrevista exclusiva concedia à AH.

Há muitas versões sobre a vida de Joana, alguma pode ser considerada mais próxima da verdade?

Essa questão é difícil de responder. Um relato de um papa não identificado, no livro Liber Pontificalis (biografia dos papas), possui vários elementos que se assemelham fortemente aos relatos da papisa Joana. Estudiosos provaram que uma manipulação feita na tradução impressa pode ter omitido linhas a respeito da vida de Joana.

Posteriormente a remoção da vida da papisa Joana foi admitida em uma publicação oficial. No século 17, houve até uma reclamação pública sobre a falsificação católica do Liber Pontificalis, retirando Johannes Anglicus (Joana).

O Liber Pontificalis também dá uma descrição do papa sem nome, descrevendo o pontífice como bonito, bem educado, aprendido em retórica, humilde, ilustre e generoso para com os pobres, protetor dos órfãos e viúvas e um defensor do povo. Acredita-se que essas características estão relacionadas à personalidade de Johannes Anglicus, e não de Nicolau I, como assumiam.

Como você pode identificar o nome do papa na moeda encontrada?

As peças eram moedas de combinação do estado papal e do imperador franco: Um lado dá o nome do imperador Louis II + LVDOWICVS IMP. O outro lado do papa é + SCS PETRVS e o nome papal como uma ligadura complexa e individual.

Monograma IoHANIs (com S acima da ligadura). Essa ligadura só pode ser lida como Johannes. O estilo e design da carta estão apontando claramente para meados dos anos 850. Neste tempo não há oficialmente nenhum papa com o nome de Johannes. Mas há muitos relatos de Johannes Anglicus — a papisa.

A moeda em homenagem à Joana / Crédito: Reprodução

A descoberta da moeda é uma evidência concreta da existência de Joana?

Estas moedas são uma série inteira de moedas, na verdade bem conhecidas e descritas na literatura numismática. Mas elas são, erroneamente, atribuídas a outro papa, que chegou ao poder mais tarde, Johannes VIII (872-882 d.C.). Mas este papa tem um monograma diferente. Uma análise grafológica sustentou a conclusão de que são assinaturas diferentes, de pessoas distintas.

É amplamente aceito em numismática que pessoas inexistentes e fictícias não têm uma série oficial de moedas cunhadas em seu nome. Assim, as moedas apontam fortemente para a existência real da papisa Joana. Além disso, cronistas independentes atestaram que um papa Johannes realizou no ano 856 d.C. a coroa sacra de Luís II, rei da Itália, como novo imperador franco.

Assim, é uma combinação de numismática, acontecimentos históricos, relatos de cronistas, cenários históricos que levaram à conclusão de que a papisa Joana muito provavelmente existiu e, seu pontificado foi 856 a 858 d.C..

Documentos mostram que durante esse período (856 e 858 d.C.)o papa que ocupou o cargo foi Bento III. É possível que o nome de Joana tenha sido apagado da história e que Bento tenha sido colocado em seu lugar?

A cronologia e a datação exata do pontificado de muitos papas no século 9 estão longe de certas e variam em diferentes crônicas.

Bento III deve ter sido o papa já em 854, pois há moedas de combinação de Bento III e do Imperador Lotário I, que abdicou em junho de 855 e segundo a gravação oficial, Bento III foi declarado Papa não antes de outubro de 855. As moedas não deveriam existir, mas elas existem.

A maioria dos estudos, erroneamente, tentou colocar Joana diretamente depois de Leão IV. Então toda a cronologia entrou em colapso e eventualmente levou à suposição de que Joana seria uma lenda, porque seu pontificado parece não se correlacionar com os documentos e evidências históricas.

Mas, colocando Joana de acordo com as evidências posteriores a Bento III e usando apenas anos atestados para Leão IV e Bento III, de repente toda a cronologia faz todo o sentido. Quando o pontificado de Joana foi encoberto, o pontificado de Leão IV foi estendido para 855 e o de Bento III para 858.

Os feitos históricos e clericais de Joana foram subsequentemente distribuídos aos dois. Mas os falsificadores cometeram erros graves. Dependendo do manuscrito, eles o atribuíram a um ou outro. Além disso, o manuscrito mais antigo do Liber Pontificalis: A vida de Leão IV se interrompe no meio de uma palavra, o resto da página permanece vazia e, Bento III está completamente ausente.

Tudo isso leva a uma modificação da verdadeira datação dos pontificados:

Leão IV 846/47 - 853

Bento III 853/ 855 - 856

Joana 856 - 858

Nicolau I 858 - 867