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Matérias / Massacre de Columbine

"A depressão adolescente é a grande lição não aprendida com Columbine", diz autor

Em entrevista ao site Aventuras na História, Dave Cullen, autor de Columbine, reflete sobre ataque ocorrido há 25 anos e quebra teorias

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 18/06/2024, às 20h00

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Os responsáveis pelo Massacre de Columbine, em 1999 - Divulgação
Os responsáveis pelo Massacre de Columbine, em 1999 - Divulgação

O dia 20 de abril de 1999 marcou um dos episódios mais sangrentos e brutais da história norte-americana. Por volta das 11h19 da manhã, Eric Harris e Dylan Klebold iniciaram um tiroteio que durou cerca de 30 minutos, vitimando 12 alunos e um professor; além de ferirem outras 21 pessoas antes de tirarem suas próprias vidas. 

25 anos depois, 'O Massacre de Columbine' ainda é a chacina mais emblemática do país. Infelizmente, não foi a última e tampouco a mais fatal, no entanto, os fantasmas de Columbine ainda assombram e estão longe de serem exorcizados. 

+ Columbine, 25 anos depois: Traumas ainda assolam sobreviventes;

"A parte mais difícil de transformar essa tragédia em um livro foi descobrir qual era a história — como eu a contaria, estruturaria e através de quais perspectivas", diz Dave Cullen, autor de 'Columbine' (Darkside Books), em entrevista exclusiva à Aventuras na História. 

Montagem reunindo as vítimas fatais do massacre / Créditos: Divulgação
Ninguém havia escrito um livro sobre isso — ou criado um filme — porque ninguém conseguia descobrir como contar essa história massiva envolvendo 2.000 alunos inicialmente, e muitos milhares mais com professores, famílias, socorristas, etc", continua. 

Relatos de uma tragédia

Durante anos, Dave tentou várias abordagens para sua obra, "mas nenhuma delas funcionou". Foi apenas no quinto aniversário do Massacre de Columbine que o jornalista encontrou uma maneira diferente de fazer as coisas funcionarem.  

"Talvez a maior vantagem de dez anos em um projeto seja que, na metade do caminho, eu o entendesse muito melhor, de muitos pontos de vista, para saber como organizar o livro e o que incluir", destaca. "Nessa época, eu havia passado tanto tempo com tantas pessoas conectadas de maneiras completamente diferentes, e queria cobrir o maior número possível delas".

+ Os relatos da mãe de um dos atiradores do massacre de Columbine;

Enquanto escritores focam apenas no assassino ou em suas vítimas — raramente em ambos —, Cullen estava mais interessado nos sobreviventes e em uma visão muito mais ampla. "As maiores categorias que considerei críticas — além dos mortos — foram os feridos, os professores, pais, clérigos e socorristas. (E vários outros também)".

Nunca tinha encontrado um livro com mais de dois protagonistas, então não sabia quantos poderia realisticamente equilibrar". 

Em todos os casos, Dave não queria apenas qualquer pessoa representando essas 'categorias', mas alguém com uma história fascinante que envolvesse o leitor e revelasse insights únicos. 

Biblioteca da Columbine High School - Qqqqqq via Wikimedia Commons

Em 6 de abril de 2009, dias antes do 10º aniversário do ataque, o jornalista publicou 'Columbine', abordando a perspectiva de 10 'protagonistas' para narrar o que aconteceu no massacre da Columbine High School.

"Os dez também tinham papéis de tamanhos variados: em particular, eu imaginei a história entrelaçada dos assassinos como metade do livro, e os oito sobreviventes como a outra metade. Mas achei que essa lista de dez me dava a amplitude de pontos de vista que eu queria. Eu via o livro como um prisma, visto/compreendido através de dez conjuntos diferentes de olhos", explica.

O descontrole midiático

Os debates sobre o que levaram ao Massacre de Columbine parecem intermináveis. Muitos apontam que foi a primeira vez que os especialistas atribuíram o bullying para 'explicar', pelo menos em parte, a motivação por trás dos atos. 

Também existiram discussões sobre a sexualidade de Dylan, no entanto, Dave Cullen aponta que o principal questionamento disso tudo jamais foi debatido da forma que deveria. 

"Nos primeiros dias, a mídia se lançou descontroladamente para responder à questão ardente do 'porque' com dados ínfimos. É claro que erramos tudo. Vários grupos também atribuíram isso às suas preocupações pessoais: todos os tipos de fatores foram amplamente citados no início, incluindo má educação dos pais; músicas violentas, videogames e filmes; restrições aos cristãos forçando a oração nas escolas públicas, e tudo mais. Tudo isso era absurdo. Eram todos grandes questões na época, mas desapareceram com o tempo", esclarece. 

Imagens da escola após o massacre - Getty Images

Outros dois pontos se perpetuaram por mais tempo, mas também de forma incorreta: o direcionamento a negros e cristãos. "O mito ao longo dessas linhas, no qual a maioria do público ainda acredita, é que eles estavam mirando atletas — apesar das bombas e dos tiros terem sido planejados para matar aleatoriamente". 

Essa teoria levou diretamente ao próximo mito, de que Eric e Dylan teriam sofrido bullying — apesar de todas as evidências mostrarem o contrário. Isso é um grande mal-entendido até hoje".

"Eu sofri bullying tão severo na infância que pensei em suicídio muitas vezes. Mas ao aplicar erroneamente isso a esse caso, fizemos o público entender completamente errado o que aconteceu. Pior ainda, desviamos quase todo o foco da depressão adolescente, que, na verdade, é o cerne disso e da maioria dos outros tiroteios em massa", destaca. 

A depressão adolescente é a grande lição não aprendida com Columbine", afirma. 

E os números mostram isso. Em 2012, Dave Cullen já havia levantado esse debate em entrevista à Truthout. Na época, o autor ressaltou que 6% dos adolescentes norte-americanos sofriam de depressão clínica. O que representaria cerca de 2 milhões de crianças. 

Para se ter ideia sobre o desenvolvimento da doença psiquiátrica no país, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), entre 2016 e 2019, cerca de 5,8 milhões de crianças foram diagnosticadas com ansiedade e aproximadamente 2,7 milhões foram diagnosticadas com depressão.

O Estudo Nacional de Saúde Infantil de 2018-2019 [National Survey of Children’s Health (NSCH)] ainda apontou que 7,8% das crianças e dos adolescentes, entre 3 e 17 anos, tinham um distúrbio de ansiedade, conforme noticiou a CNN. Vale ressaltar que os distúrbios de ansiedade na infância e na adolescência estão associados a uma maior probabilidade de distúrbio de ansiedade ou depressão no futuro.

Debates 

Como já dito, o Massacre de Columbine, infelizmente, não foi o último e tampouco a maior chacina escolar ocorrida nos Estados Unidos. Entre o ano 1970 e junho de 2023, o país já havia registrado 2.432 incidentes com armas de fogo em escolas — que foram responsáveis por 2.816 feridas ou mortas, de acordo com a base de dados K-12 School Shooting.

Entre 2013 e 2022, esse índice teve um aumento de 794%. Vale ressaltar, porém, que em 2012, a escola infantil em Sandy Hook, em Connecticut, sofreu o massacre que deixou mais mortes: 20 crianças e 6 funcionários. Na grande parte dos casos, os assassinos eram ex-alunos das instituições. 

Homenagem às vítimas de Columbine - Getty Images

Mas por que os tiroteios em massa acontecem e continuam a acontecer? O que explica este 'fenômeno'? Cullen aponta algumas razões: "Primeiro, Eric e Dylan criaram um novo caminho para pessoas frustradas seguirem: atirar na escola deles, ou na igreja... Eles não criaram essa categoria, eles a lançaram na estratosfera, onde potenciais perpetradores viram o enorme poder se conseguissem realizar isso".

"A segunda razão é a mídia: Nós inventamos essa história de Eric e Dylan como anjos vingadores que enfrentaram os valentões em nome dos perdedores, desajustados, solitários e oprimidos em todos os lugares", prossegue.

Dave Cullen também indica outro ponto fundamental para esses ataques serem tão 'fáceis' assim: o fracasso das políticas norte-americanas no controle armamentista.

Entretanto, ele faz questão de rechaçar o Estado como principal culpado para os casos. "O Estado não teve nada a ver com o seu desencadeamento e é altamente improvável que o Estado pudesse tê-los impedido. No entanto, falhou miseravelmente ao permitir um acesso tão fácil às armas. Devíamos ter aprovado uma legislação sobre armas muito mais restritiva há décadas".

E a América agora está exportando isso para o mundo — nossa exportação cultural mais vergonhosa e horrível. Sinto muito que tenhamos exportado isso para o Brasil", continua. 

Era dos Atiradores em Massa

Além de 'Columbine', que chegou ao Brasil em 2019 pela Darkside Books, Cullen publicou naquele mesmo ano 'Parkland' (ainda sem tradução no Brasil), sobre o atentado que aconteceu na Flórida em 14 fevereiro de 2018.

Naquele Dia de São Valentim, o Dia dos Namorados nos EUA, um homem de 19 anos descarregou seu fuzil em um ataque à Escola de Ensino Médio Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, onde havia sido expulso por questões disciplinares. A chacina deixou 17 mortes e o autor foi condenado à prisão perpétua.

"Parkland é quase o oposto polar de Columbine em seus efeitos duradouros. Como de costume, tive que escrever para descobrir exatamente qual papel cada um desempenhou", conta. "Eu sabia que eles eram o reverso de algo, mas não sabia como articular isso, até colocar as capas dos livros lado a lado no meu site e tentar várias formas de rotulá-los". 

Finalmente, veio a mim quando percebi que ambos desempenharam um papel-chave na 'Era dos Atiradores em Massa', assim coloquei essa frase como título geral, e então sobre Columbine, escrevi 'História de Origem', e sobre Parkland, 'Um Caminho Para Fora'. Nunca tinha ouvido ou usado 'Era dos Atiradores em Massa' até aquele momento, quando dei um passo atrás e percebi que é isso que estamos vivendo”, prossegue. 

Embora tenha temido usar a classificação em um primeiro momento, Cullen conta que agora se tornou regular em seu vocabulário. "Porque é nossa realidade". O momento também o fez perceber que Columbine era uma 'história de origem' — como se fosse um ponto de partida. Embora não tenha sido o primeiro caso, Columbine certamente incentivou vários outros casos. 

"Eu lutei muito mais para rotular Parkland, porque certamente não foi o fim — e quando publicamos o livro um ano após a tragédia, o futuro era impossível de prever… Pensei que teria que mudar esse rótulo conforme o mundo mudasse, mas até agora ele se manteve", lamenta.

Dave Cullen e seus livros 'Columbine' e 'Parkland' - Darkside Books e Divulgação

No entanto, nem todas as lutas foram perdidas. Dave conta que a publicação de seu segundo livro desempenhou um papel-chave na primeira legislação nacional sobre segurança de armas em uma geração nos EUA, a Lei de Prevenção de Violência Armada e Segurança Comunitária de 2023

"Foi um projeto muito modesto e definitivamente o começo, mas foi inovador, porque quase uma dúzia de senadores republicanos mudaram de lado para votar a favor, o que era impensável alguns anos atrás", reflete. 

"Pode levar uma geração para chegar lá, mas finalmente ultrapassamos a enorme colina e estamos descendo o caminho", finaliza.