Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Holodomor

‘A Fortaleza de Wira’: A história da sobrevivente ucraniana do Holodomor e do Holocausto

Em entrevista exclusiva, o autor e historiador Anderson Prado conta sobre o processo de escrita da obra

Isabelly de Lima, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 22/11/2022, às 20h00 - Atualizado em 27/11/2022, às 20h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Capa do livro 'A Fortaleza de Wira' - Divulgação
Capa do livro 'A Fortaleza de Wira' - Divulgação

Durante o século 20, muitos acontecimentos mudaram a trajetória e a história de diversas sociedades ao redor do mundo. Alguns deles são o Holodomor e o Holocausto. Conhecido como “genocídio ucraniano”, o Holodomor aconteceu entre 1932 e 1933, que foi um cerco nas produções de alimentos, impossibilitando que comida chegasse às casas ucranianas.

Nesse período, mais de milhões de pessoas morreram de fome, e muitas das que sobreviveram tiveram de praticar até mesmo canibalismo para poder sobreviver. Já o Holocausto é mais debatido, e se resume na prática nazista de mortes em massa de negros, judeus e todos aqueles que iam contra o sistema de Adolf Hitler.

É nesse contexto que os historiadores Anderson Prado e Henrique S. Vitchmichen encontram uma história surpreendente: A de uma ucraniana-brasileira que sobreviveu às duas tragédias humanitárias e segue viva, aos 98 anos.

Identidade da sobrevivente

Quando Anderson estava fazendo sua tese de doutorado, que tinha como tema principal o Holodomor, começou sua busca por relatos de sobreviventes desse período, para ser então a “cereja do bolo” da apresentação. Através de um conhecido chegou enfim até Wira Kloczak, ou Dona Vera (nome que adotou em processo de aculturação) que sobreviveu ao acontecimento histórico quando tinha apenas 10 anos.

Durante a entrevista que durou meses, Anderson afirma que “Foi amor à primeira vista. Quando entrei na casa, ela conquistou meu coração dizendo: ‘Nossa, eu pensei que ia encontrar um velho!’”. Na conversa, ela contou detalhes sobre sua história, que tem um quê de filme histórico e de superação.

Obras de Anderson que retratam o Holodomor - Crédito: Arquivo Pessoal

Após o fim do genocídio ucraniano, a pequena Vera acabou se tornando oradora do Partido Comunista. “A Dona Vera era muito inteligente, muito mesmo. Tanto é que, quando passou o Holodomor, ela foi obrigada a se tornar oradora do Partido Comunista porque ela era muito articulada. Isso com 12, 13 anos”, comenta Dr. Prado.

Ela fazia o que o partido mandava, e falava coisas sobre sua vida que eram totalmente o contrário do que, de fato, estava passando, principalmente em relação à fome. Essa foi a maneira encontrada por ela de conseguir algumas “regalias”, que se resumem à maior quantidade de comida, que era mínima na época para as famílias.

Campos nazistas

Cerca de 10 anos após o Holodomor, Vera foi levada pelos nazistas para campos de trabalho forçado, na França e na Alemanha. Ela sobreviveu também graças à ajuda de um jovem que a colocava na lista de doentes, para assim não precisar ir para as trincheiras. Mais tarde, esse jovem viria a se tornar seu marido.

Ela não quis voltar ao país de origem, pois, naquele período, quem era levado pelos nazistas, passava a ser considerado traidor pelo regime Stalinista ao retornar. Vera sempre fez o necessário para sobreviver, inclusive aprendeu outras línguas, como o alemão. Por esse motivo, ela se tornou uma escrava branca.

Joseph Stalin - Crédito: Divulgação / Wikimmedia Commons / Domínio Público

O termo se refere à quem era alvo de trabalho escravo e sofria maus-tratos dos patrões, conforme o historiador relatou. Ela trabalhou na casa de alguém que era diretamente relacionado com o partido nazista e ocupava um alto cargo. Realizava todas as funções de uma doméstica, mas também cuidava da criança mais nova do casal de patrões.

O historiador relata um fato perturbador: Ao ler uma carta do patrão, além de ele a tratar à base de xingamentos, Vera descobriu que o patrão queria matá-la, por achar que ela era uma espiã soviética. Durante um certo tempo, ficou com a pequena criança por perto, assim, a chance de ele fazer algo contra ela era menor.

Casamento importante

Para sair do país, Vera precisou se encaixar em diversos pré-requisitos, e um deles era o casamento. Se casou com o jovem que conheceu enquanto estava no campo de refugiados, mas Anderson explica que ela não tinha um enorme amor por seu então marido. Seu casamento acabou sendo por conveniência.

Eu perguntava: ‘E o seu marido?’, e ela dizia: ‘Eu não gostava dele’, relata Anderson.

Juntos, vieram para o Brasil, já que as regras para entrar aqui eram menos severas, devido ao desejo do governo pelo “embranquecimento” da população brasileira, tal como pela mão de obra barata de estrangeiros. Eles tiveram três filhos e também um negócio, como uma mercearia, em Apucarana, no Paraná.

Traumas recordados

Anderson Prado contou, com exclusividade, como foi o processo da entrevista com Vera, que precisou mencionar momentos delicados de sua trajetória. “Na primeira entrevista, ela falou assim para mim: ‘Você sabe que eu vou ficar uma semana sem dormir né?’”.

Segundo o historiador, o que mais a incomodava era falar sobre a fome, principalmente quando o canibalismo era citado, pois, essa era a saída que muitas pessoas no país encontraram para não morrerem de fome.

Os traumas vinham à tona nos relatos. Relembrar isso não é trazer a história de volta, mas trazer o cheiro, o gosto, as angústias, os medos”, reforça o autor.

Atualmente, Dona Vera mora com a filha Ludmila, em Londrina, por conta de problemas de saúde e pela preocupação da família, já que é viúva e vive sozinha. A mulher nunca tinha contado sua história para ninguém e faz questão de não minimizar o que viveu. Ela sabe que manter viva essas memórias é o que faz sua história se manter viva também, ainda que, como disse Prado, “teve vários momentos em que ela desejou morrer”.

“A Dona Wira não deixa ninguém romantizar a história dela, ela mesma fala: ‘Não, minha história é horrível, a morte quase me abraçou algumas vezes’”.

Capa do livro 'A Fortaleza de Wira' - Crédito: Divulgação

A obra

O livro de Anderson e Henrique, intitulado ‘A Fortaleza de Wira’ foi escrito em 3 meses e consiste em diversas pesquisas históricas, que duraram cerca de 8 anos, e os relatos mais profundos dessa incrível mulher que sobreviveu aos piores pesadelos do século 20.

Wira, na tradução literal, significa “fé”, logo, Anderson diz se orgulhar do título do livro, que representa de fato a forte esperança que Dona Vera possui na arte de viver. A obra foi lançada no último dia 14 e está disponível fisicamente nas unidades da Livraria da Vila, exclusivamente. O livro se encontra à venda no site oficial da editora e também está disponível na Amazon, com entrega para todo o país.