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Matérias / 'As Meninas'

O detalhe misterioso e despercebido em 'As Meninas', de Velázquez

Mais lidas do ano: Elemento curioso na tela 'As Meninas' revela sentido oculto na obra do pintor espanhol

Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 06/07/2022, às 17h17 - Atualizado em 30/12/2022, às 13h55

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Recorde de quadro 'As Meninas' (1656), do pintor espanhol Diego Velázquez - Foto por Museo Nacional del Prado pelo Wikimedia Commons
Recorde de quadro 'As Meninas' (1656), do pintor espanhol Diego Velázquez - Foto por Museo Nacional del Prado pelo Wikimedia Commons

A obra-prima 'As Meninas', desenvolvida pelo pintor espanhol Diego Velázquez em 1656, é uma das mais famosas e importantes do artista, devido principalmente a toda complexidade e número de camadas e interpretações possíveis ao analisá-la.

A obra, que chama a atenção de inúmeros especialistas há mais de três séculos, possui um pequeno detalhe que pode passar despercebido e alterar completamente a percepção sobre o objetivo de Velázquez ao produzi-la: um pequeno jarro vermelho bem ao centro. Para entender o significado do jarro, é necessário compreender o contexto em que a pintura surgiu.

'As Meninas', de Diego Velázquez
Recorte de 'As Meninas', de Diego Velázquez / Foto por Museo Nacional del Prado pelo Wikimedia Commons

Primeira camada da obra

Inicialmente, uma característica relevante de 'As Meninas' é o fato de que o próprio Diego Velázquez está presente entre os personagens que compõem a obra. Ele é o rapaz que aparece mais à esquerda, segurando uma paleta com tintas em uma das mãos, um pincel em outra, e está pintando um quadro — quadro este que não sabemos definitivamente o que é.

No período em questão, Velázquez tinha 57 anos, quatro anos antes de sua morte, que ocorrera em 1660 — e após ter passado três décadas como pintor da corte do rei Filipe IV, da Espanha. O que, por sinal, é um detalhe importante para próximas camadas de interpretação.

No centro do quadro também podemos ver claramente Margarida Teresada Áustria, filha de Filipe IV com Marianada Áustria, com duas damas de companhia ao seu lado. Já o restante do aposento retratado na obra é ocupado por outros diferentes cortesãos do palácio.

O espelho

Ao fundo da obra, atrás de Velázques e Margarida, existe um espelho que, inclusive, é mais central ao quadro até mesmo do que a jovem. No espelho, pode-se notar a presença de duas figuras, uma feminina e uma masculina, sendo eles os pais de Margarida, rei Filipe IV e a rainha Mariana.

A percepção do espelho ao fundo e o entendimento de que ali estavam os monarcas cria já uma segunda camada de compreensão da obra. A partir deste ponto, a obra não é mais apenas o que é visto, mas se expande também para o que não é percebido, sendo assim indefinível a posição das figuras, além do que estão fazendo ali.

Espelho na obra 'As Meninas', de Velázquez
Espelho na obra 'As Meninas', de Velázquez / Foto por Museo Nacional del Prado pelo Wikimedia Commons

A presença 'ausente' do rei e da rainha na obra, como espectadores passivos, e não peça fundamental, coloca quem observa o quadro em si como um observador passivo, mas imerso no ambiente.

Afinal, se Velázquez está pintando em 'As Meninas', será que o reflexo, na verdade, é do quadro sendo pintado? Ou talvez o quadro seja uma perspectiva em primeira pessoa de um dos monarcas?

O jarro

Um elemento pouco reparado por diversos observadores do quadro, em meio a tantos outros que podem deixar qualquer um até mesmo meio perdido frente a tantos detalhes, é um pequeno jarro oferecido à Margarida por uma de suas damas de companhia, em uma bandeja de prata. E talvez o pequeno jarro vermelho tenha até relação com perspectiva quase alucinógena de diversas camadas na obra.

Dama de companhia oferecendo jarro vermelho à Margarida, em 'As Meninas'
Dama de companhia oferecendo jarro vermelho à Margarida, em 'As Meninas' / Foto por Museo Nacional del Prado pelo Wikimedia Commons

Conhecida como búcaro, a peça de cerâmica compreendia um dos diversos tipos de artesanatos que exploradores espanhóis levavam do chamado 'Novo Mundo' para a Europa nos séculos 16 e 17. O artefato, segundo o historiador de arte Byron Ellsworth Hamann, teria sua origem advinda de Guadalajara, no México, conforme repercutido pela BBC.

Uma mistura de especiarias locais, incorporada à argila que compunha o cerâmico, garantia que qualquer líquido ali armazenado fosse delicadamente perfumado, gradualmente. No entanto, na Europa, o búcaro cumpria outra função: era consumido por jovens meninas e mulheres, o que causava um drástico clareamento da pele.

Na época, a pele mais clara era uma aspiração estética e demonstrava riqueza entre os nobres, pois, dava a entender que o indivíduo não dependia do trabalho ao sol, que escureceria a pele. Estefanía de la Encarnación, pintora e mística da época, ainda disse em sua autobiografia que o vício em mordiscar búcaros a levava a uma maior consciência espiritual — na verdade, também tinha efeitos alucinógenos.

A ingestão da argila do vaso também provocava uma perigosa redução dos glóbulos vermelhos no sangue, paralisia dos músculos e destruição no fígado. No entanto, ainda era mais seguro que outras alternativas, como espalhar uma pasta contendo chumbo, vinagre e água no rosto.

Declínio imperial

Quando passa a se considerar o consumo de búcaro na interpretação de 'As Meninas', a obra de Velázquez cria, assim, um novo enigma.

O que antes possuía 'apenas' um caráter de questionar a realidade por experimentação artística — demonstrando o que existe sendo retratado na obra e também o que se encontra por trás — e evidenciava uma situação do dia a dia da corte, passa a abordar também a queda do poder do império e uma possível leitura espiritual.

A jovem Margarida, que agora chama a atenção por seu tom de pele extremamente pálido, também aparenta levitar no chão, por meio de sombras colocadas sob a barra de seu vestido. E também, as figuras do rei Filipe IV e da rainha Mariana, no espelho, agora parecem fantasmagóricas.

Enquanto isso, a própria representação do autor aparece apontando, com seu pincel, para a cor vermelha em sua paleta — mesmo tom de verelho que cobre o jarro de búcaro.

O mesmo Velázquez que testemunhou, também, o declínio gradual do domínio de Felipe IV. Ironicamente, o búcaro, resultado das explorações coloniais e que deveria demonstrar a ascensão do império, estava presente e ainda assim a situação era decadente.