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Matérias / Arte

A primeira artista que se tornou 'celebridade', mas muitos não conhecem

Sofonisba Anguissola foi a primeira artista considerada 'celebridade' que se tem notícia, admirada por Michelangelo e Caravaggio

Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 03/04/2023, às 17h44

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Autorretrato de Sofonisba Anguissola de 1556 - Domínio Público via Wikimedia Commons
Autorretrato de Sofonisba Anguissola de 1556 - Domínio Público via Wikimedia Commons

Quando se estuda a História da Arte e, mais além, aqueles expoentes dos mais variados movimentos artísticos que a humanidade presenciou, percebe-se de forma ainda mais clara não só as influências exercidas e sofridas por artistas — que, no passado, carregavam muito fortemente a tradição de se ter um 'aprendiz' —, como também a forma como um período da História pode influenciar a visão do pintor e a forma como retrata o mundo.

Visto isso, é claro que se torna compreensível que o fato de ser escolhido a dedo por alguém de renome como seu aprendiz é um forte indicativo de que, sim, esse novo expoente da pintura tem o potencial necessário para também marcar a História.

Porém, em meio a tantos nomes amplamente comentados nos movimentos artísticos clássicos, pouco se vê a presença de mulheres como pioneiras — o que, obviamente, não quer dizer que elas não existissem, mesmo que em menor número.

E entre as diversas mulheres importantes para a História da Arte, um nome definitivamente muito relevante é o de Sofonisba Anguissola, que embora hoje seja quase um nome desconhecido, se tornou uma aprendiz informal de Michelangelo, tendo sido inclusive reconhecida pelo Papa e servindo como pintora da realeza espanhola. Sem contar que, de forma inédita, foi uma pioneira entre as mullheres de destaque no Renascimento.

Autorretrato de Sofonisba Anguissola
Autorretrato de Sofonisba Anguissola / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Sofonisba Anguissola

Sofonisba nasceu em 1532 na região de Cremona, na Itália, sendo membro de uma família nobre. E, surpreendentemente, Amilcare Anguissola, seu pai, tomou uma decisão inusitada e incomum para a época no que tange a criação da filha: decidiu por investir em transformá-la — assim como a seus irmãos — em uma pintora profissional.

Eventualmente, porém, o talento de Sofonisba se tornou tão evidente que a maior dificuldade possível que aquela família poderia enfrentar seria ignorá-lo. Então, aos 14 anos — e claro com ajuda financeira graças às origens nobres da família — ela passou a ter aulas com o pintor italiano Bernardino Campi.

Em sua longa vida artística — Sofonisba veio a falecer somente em 1625, aos 93 anos —, um de seus quadros que mais se destacou foi um retrato de suas irmãs jogando uma partida de xadrez. Vale mencionar que, na época, o jogo de tabuleiro era considerado masculino, visto que a masculinidade era mais relacionada à racionalidade.

Ou seja, percebe-se na personalidade da artista uma marca de grande importância deixada por seu pai: ela sabia que vivia em uma família onde as mulheres, atipicamente, possuíam destreza em habilidades consideradas socialmente masculinas.

E muito disso se deve, claro, ao fato de que Sofonisba nascera parte de uma família nobre e abastada. Para Claudinei Cássio de Rezende, professor de história da arte na PUC-SP e pós-doutor em história moderna, era difícil que mulheres que não fossem ricas ascendessem à classe artística naquela sociedade, "porque a questão da arte, antes de mais nada, era uma questão de classe."

Quadro retratando as irmãs de Sofonisba jogando xadrez
Quadro retratando as irmãs de Sofonisba jogando xadrez / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Sofonisba e Michelangelo

E um fato curioso sobre a sociedade, em especial os artistas, daquela época (fim do século XVI e início do XVII), é que expoentes artísticos como foi Sofonisba Anguissola não ficavam muito tempo fora dos holofotes. E no caso dessa jovem artista italiana especialmente, que a notou foi um dos considerados maiores pintores que o mundo já viu: Michelangelo.

De acordo com texto de Thais Porsch à BBC, repercutido pelo g1, depois que o pintor viu um esboço de um retrato feito por Sofonisba de uma menina rindo, ele pediu-a que retratasse, então, um menino chorando; isso porque considerava que pessoas sorridentes são mais fáceis de se pintar.

Então, Sofonisba enviou-lhe um esboço feito com carvão de um de seus irmãos mais novos chorando enquanto era mordido ou beliscado por um caranguejo. E foi então que, impressionado com o talento da jovem, Michelangelocomeçou a trocar esboços com ela e, oferecendo conselhos convencionais, tornou-se um tutor informal. E uma curiosidade: há pesquisadores que acreditam que esse esboço de Sofonisba teria inspirado, posteriormente, Caravaggio para a sua 'Rapaz mordido por um lagarto' (1594).

Esboço feito por Sofonisba Anguissola de seu irmão chorando após ser atacado por um caranguejo
Esboço feito por Sofonisba Anguissola de seu irmão chorando após ser atacado por um caranguejo / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Fama internacional

Considerando-se o patamar artístico e as relações que Sofonisba havia construído graças às suas pinturas, não demorou para que ela viesse a se tornar, até mesmo, uma artista de fama internacional. Como informado pela BBC, ela é considerada hoje a primeira artista mulher na história a ter conquistado tanta visibilidade ainda em vida.

Então em 1569, aos 37 anos, chamou bastante atenção do governador espanhol de Milão, o duque de Sessa. Com isso, foi convidada para ser dama de companhia da rainha da Espanha, servindo também como retratista da família real espanhola. Até mesmo o Papa Pio IV chegou a escrever-lhe, pedindo um retrato da rainha.

Retrato do rei Filipe II, da Espanha, feito por Sofonisba Anguissola
Retrato do rei Filipe II, da Espanha, feito por Sofonisba Anguissola / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Retorno à Itália

Depois de sua temporada vivendo junto à corte espanhola, eventualmente Sofonisba Anguissolaretornou para a Itália, seu país de origem, onde viveu até seus dias finais, em 1625, quando faleceu aos 93 anos. Porém, perpetuando o ciclo de mestre e aprendiz das artes clássicas, ela não viveria eternamente como aprendiz, tendo sido também mestre de Anthony van Dyck, que futuramente se tornou o principal pintor da monarquia inglesa.

Em seu túmulo, localizado na Igreja de San Giorgio dei Genovesi, em Palermo, na Itália, seu segundo marido, Orazio Lomellino, pediu para que fosse escrito: "Para Sofonisba, uma das mulheres ilustres do mundo por sua beleza e por suas extraordinárias habilidades naturais, tão distinta em retratar a imagem humana que ninguém de seu tempo poderia igualá-la."

Por fim, embora já tenha falecido há quase 400 anos, ainda hoje diversas obras de Sofonisba Anguissola seguem sendo identificadas, muitas delas devido ao fato de que, como não assinava todas as suas pinturas, outros pintores da corte espanhola se apropriavam de seus quadros e assinavam como se lhes pertencesse. E, a cada descoberta, seu legado e importância para a História da Arte se mostra ainda mais forte.