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1907-1937: A era heroica da aviação

A grande - e perigosíssima - aventura de mulheres e homens pioneiros que, no Brasil e no mundo, desbravavam os céus sobre terra e mar

Wagner Barreira Publicado em 19/03/2017, às 13h06 - Atualizado em 19/10/2018, às 11h50

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Amelia Earhart posando diante de uma de suas máquinas - Domínio Público
Amelia Earhart posando diante de uma de suas máquinas - Domínio Público

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No início do século 20, o engenheiro francês Louis Blériot tocava sua recém-criada empresa de faróis e acessórios para automóveis. Em 1901, aos 29 anos, ficou impressionado com as façanhas aéreas que vinham acontecendo na França. Passou, então, a investir muito de seu dinheiro e da herança de sua mulher no desenvolvimento de um objeto capaz de voar por si próprio. No mesmo ano, construiu um ornitóptero, um aparelho que batia asas, semelhante ao desenhado por Leonardo da Vinci.

Aquele seria apenas um de muitos projetos em que sua empresa trabalharia nos anos seguintes. Saindo do chão ou não, cada um deles significava experiência para Blériot. Experiência que seria posta à prova em 1909. Depois de testes preliminares satisfatórios com o “Modelo XI” (que ficaria conhecido como Blériot XI), o engenheiro considerava-se pronto para uma empreitada inédita. Com o pequeno aparelho de cerca de 9 metros de envergadura, ele tentaria atravessar o Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra.

No ponto mais estreito do canal ­– menos de 40 quilômetros separam as cidades de Calais, no continente, e Dover, em solo inglês – era por onde o industrial tentaria sua travessia. Naquele ano, um vôo de 40 quilômetros não era algo assombroso. Era uma distância pequena até para os novíssimos padrões aéreos. Mas os vôos aconteciam sobrevoando-se terra firme, onde, sob qualquer circunstância, o piloto poderia tentar um pouso. Uma travessia sobre a água era algo diferente, arriscado e, principalmente, simbólico.

Ao amanhecer do dia 25 de julho de 1909, Blériot subiu em sua aeronave (com a ajuda de muletas, pois havia se acidentado dias antes), fez todas as checagens, ligou o motor, acenou para sua equipe de terra e partiu, deixando Calais para trás. Voando a uma média de 60 quilômetros por hora, logo avistou o destróier Escopette, que o governo francês havia liberado para escoltá-lo e, caso necessário, resgatá-lo. Após pouco mais de dez minutos de vôo, ele olhou a seu redor para conferir se estava na direção correta e levou um susto.

“Não havia nada para ser visto. Nem o destróier, nem a França, nem a Inglaterra. Eu estava sozinho. Perdido”, diria depois. Mas sua aflição durou pouco. A sua frente, o francês avistou os rochedos de Dover. Logo depois pousava na Inglaterra. A travessia do Canal da Mancha havia levado 36 minutos e meio. O Reino Unido não era mais uma ilha “isolada” da Europa. Blériot, a pedido da esposa, não mais faria esse tipo de vôo. Mas sua empresa continuou construindo aviões até 1934, quando se fundiu com outros fabricantes. Louis Blériot morreria em 1936, aos 64 anos, de causas naturais.

A primeira ponte aérea

Notícias dessas façanhas corriam o mundo. Em São Paulo, o herdeiro de uma família de plantadores de café decidiu ir para a França e aprender com seus ídolos. Lá conheceu Santos Dumont e Louis Blériot, entre outros. Em 1911, aos 24 anos, Eduardo Pacheco Chaves era o primeiro brasileiro a obter o brevê de piloto da Fédération Aéronautique Internacionale. Arrojado, Edu Chaves, como era chamado, impressionava os franceses assim como seu compatriota havia feito antes dele.

De volta ao Brasil no ano seguinte, o novo piloto trouxe alguns aviões. Ainda que por aqui já houvesse apresentações de proezas aéreas, eram estrangeiros no cockpit. Edu Chaves seria o pioneiro da aviação brasileira em muitos aspectos, a começar pelo fato de ser o primeiro brasileiro a cruzar os céus do país, pilotando. Em março de 1912 cruzou a Serra do Mar, indo de Santos a São Paulo, a bordo de um Blériot 50 HP. O amigo e aviador francês Roland Garros o acompanhou no trajeto em outro avião.

Em sua fazenda Guaripa, na zona norte de São Paulo, Edu Chaves criou um campo de pouso e passou a dar aulas de pilotagem. Em 1914, o paulistano seria o autor de uma nova façanha. Da Mooca, em São Paulo, ele partiu a bordo de um Blériot 80 HP às 9h46 do dia 5 de julho. O destino era o Rio de Janeiro, a 450 quilômetros de distância. Levou 4 horas e 39 minutos. Foi o primeiro vôo sem escalas de São Paulo para a então capital do País.

No mesmo ano, horrorizado com as notícias da Primeira Guerra Mundial, Edu Chaves quis ajudar o país que o acolheu e onde tinha muitos amigos. Tentou se alistar como piloto no exército francês, mas, impossibilitado por motivos diplomáticos, entrou na Legião Estrangeira, pela qual voou três anos durante o conflito. Em 1920, já de volta ao Brasil, realizou mais um vôo inédito. Foi do Rio de Janeiro a Buenos Aires, na Argentina. Tinha, então, 33 anos.

Os anos 1920, contudo, seriam marcados por uma crise econômica que acabaria com muitas das fortunas cafeeiras do Brasil. Isso somado à quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, afetaria a família do aviador. O piloto brasileiro terminaria a década tendo de vender todos os seus aviões. Nos anos 1930, ele abandonaria a aviação de vez. Edu Chaves morreria em São Paulo em junho de 1975, aos 87 anos.

Pianos e metralhadoras

Amigo de Edu Chaves, o francês Roland Garros é mais lembrado hoje por ter sido um esportista – tanto que dá nome ao complexo esportivo que abriga o tradicional Aberto da França de tênis. Mas Garros, nascido em 1888, foi um homem de muitas facetas. Era um estudante de música em 1909 quando, fascinado por uma apresentação de vôo em Reims, cidade próxima a Paris, trocou o piano por um manche. Destemido, logo iria se tornar um herói francês. Garros bateu inúmeros recordes e viajou o mundo ensinando pilotagem.

Amigo também de Santos Dumont, esteve no Brasil no início dos anos 1910. Em 1913, fez a primeira travessia do Mar Mediterrâneo. De Saint Raphael, na França, a Bizerte, na Tunísia, cerca de 800 quilômetros de vôo. No ano seguinte, ironicamente, estava ensinando técnicas de aviação militar na Alemanha quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Banido, teve de fugir num vôo noturno via Suíça para poder chegar à França. Garros seria o responsável por uma grande contribuição ao desenvolvimento militar do avião.

Em março de 1915, ciente da dificuldade de pilotar e atirar ao mesmo tempo, acoplou uma metralhadora ao “nariz” de seu avião. Protegendo as hélices com chapas de metal, ele podia, então, atirar. Dessa forma abateu três aeronaves alemãs em duas semanas. No mês seguinte, porém, o francês sofreu um corte de combustível e caiu atrás das linhas inimigas. Foi capturado antes que pudesse destruir seu avião. Sua invenção caiu nas mãos de Anton Fokker (1890-1939), um construtor de aviões holandês que trabalhava para os alemães.

Fokker aperfeiçoaria o mecanismo. Em vez de apenas atirar a esmo através das hélices – atingindo-as vez ou outra –, um interruptor sincronizava o tiro à passagem da hélice. Algo que muitos haviam tentado, mas sem sucesso. Garros, por sua vez, foi mantido prisioneiro por três anos até conseguir escapar, em 1918. Retomando seu posto como piloto, obteve ainda muitas vitórias nos “dogfights” (os pegas aéreos), antes de ser abatido e morto em outubro daquele ano em Vouziers, norte da França. Era já uma lenda francesa.

De Nova York a Paris

Em 1919, nos Estados Unidos, o dono de uma rede de hotéis, Raymond Orteig, ofereceu um prêmio de 25 mil dólares para o primeiro piloto que fizesse um vôo Nova York-Paris sozinho e sem escalas. Nos anos seguintes, haveria muitas tentativas, mas ninguém teria êxito. O tempo passava e o desafio lançado em Nova York persistia. Longe dali, em 1922, um jovem chamado Charles Augustus Lindbergh trocava o curso de Engenharia na Universidade de Wisconsin por uma escola de aviação.

Era o começo de uma famosa carreira de piloto, com passagens pela aviação do Exército e pelo serviço postal aéreo. Todas com inúmeras quebras de recorde. Até que, em 1926, Lindbergh conseguiu o apoio de um grupo de empresários para financiar a fabricação de um avião. O objetivo: cumprir o itinerário proposto por Orteig sete anos antes. A aeronave foi construída na Califórnia; um monomotor que o próprio piloto ajudou a desenvolver. Ficou pronto em 1927 e foi batizado de Spirit of St. Louis.

Lindbergh partiu do hangar na Califórnia para Nova York. Da costa oeste até St. Louis, no centro do país, onde parou para abastecer, obteve um recorde por tempo de vôo, 14 horas e 25 minutos. Um batismo para o avião que iria cruzar o Atlântico. E no dia 20 de maio de 1927, aos 25 anos, o americano decolou. Tinha só o essencial; lanches, água e, para não sobrecarregar o monomotor, desalojou o pára-quedas e o rádio para levar mais um galão de gasolina. Durante quase todo o trajeto, voaria em meio a um espesso nevoeiro.

Cansado da viagem anterior até Nova York, corria o risco de adormecer e até de congelar. Mas o piloto resistiu e 33 três horas e meia depois, pousava em um campo perto de Paris. Havia voado quase 6 mil quilômetros. Foi o primeiro vôo solo, sem escalas, entre Nova York e a capital francesa. O desafio de Orteig fora vencido. Lindbergh virou um herói americano. A partir dos anos seguintes, seria uma espécie de embaixador dos Estados Unidos, promovendo vôos por todo o mundo.

O estouro da Segunda Guerra Mundial, contudo, arranharia sua imagem. Lindbergh apoiava a neutralidade dos Estados Unidos. Foi acusado de se alinhar aos alemães. Teve de deixar seu posto de oficial da reserva da aeronáutica. Só em 1954, ele seria reabilitado com a patente de brigadeiro. O mesmo ano em que ganhou o prêmio Pulitzer pela história do vôo de 1927, o livro The Spirit of St. Louis. Charles Lindbergh morreu em sua casa no Havaí, em 1974, aos 72 anos.

Heroína trágica

Charles Lindbergh atraiu muitos seguidores graças ao vôo de 1927. Talvez a mais importante delas tenha sido a da compatriota Amelia Earhart. Uma das várias mulheres a desafiar as convenções da época para entrar em um cockpit não como passageiras, mas como capitãs. Nascida em 1897 no Kansas, ela nunca se encaixou no papel de menina frágil. Subir em árvores e caçar ratos com uma espingarda calibre 22 fizeram parte de sua infância. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi auxiliar de enfermagem em um hospital militar no Canadá.

O amor pelas máquinas voadoras surgiu ao ganhar um passeio de avião em 1920. No ano seguinte passou a ter aulas de pilotagem e a economizar dinheiro de seu salário de assistente social para comprar um avião próprio. Conseguiu um bimotor usado de dois lugares que apelidou de Canário, por sua cor amarela. Com ele, Amelia iria bater seu primeiro recorde feminino, o de altitude, com 14 mil pés (4,2 mil metros) alcançados. Em 1924, foi obrigada a vender o avião para ajudar sua família.

Quatro anos depois, ela voltaria a voar e seria a primeira mulher a fazer um vôo solo de ida e volta, cruzando os Estados Unidos. Ainda em 1928, com outros dois pilotos, integrou uma equipe que fez a travessia Estados Unidos-País de Gales em 21 horas. A partir de então, quebraria recordes de velocidade e distância e ganharia a vida em apresentações e concursos. Já nos anos 1930, Amelia começou a planejar uma nova travessia do Atlântico, dessa vez, solo. O intento era refazer o vôo pioneiro de Charles Lindbergh.

Em 1932, no dia 20 de maio, aniversário da façanha de Lindbergh, Amelia decolou de Nova York rumo a Paris. No entanto, problemas mecânicos com congelamento e fortes ventos obrigaram a aviadora a pousar em um pasto na Irlanda. Mesmo não tendo completado o percurso, outro recorde havia sido conquistado. Ela era a primeira mulher a cruzar o Atlântico sozinha. Outras marcas inéditas seriam conquistadas, como a travessia do Pacífico Havaí-Califórnia. Mas Amelia queria o mundo.

Em 1937, para comemorar seus 40 anos, ela planejou uma volta ao globo. No dia 1º de junho, ela e um navegador partiram de Miami para o trajeto de mais de 43 mil quilômetros. Pousaram na Nova Guiné 28 dias depois, quando faltavam 10 mil quilômetros. Em 2 de julho, ela decolou para terminar o percurso, mas perdeu contato com o rádio na manhã seguinte e desapareceu. Após 16 dias, a Marinha americana encerrou as buscas. Amelia Earhart morria junto com um ciclo. A década seguinte seria o início do futuro da aviação.


Para saber mais
• The Spirit of St. Louis, Charles Lindbergh, editora Scribner
• História Geral da Aeronáutica Brasileira, Volumes 1 a 4, Incaer (Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica), Editora Itatiaia

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