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Testeira

Além do automobilismo: A ligação da Ferrari com as duas guerras mundiais

Escuderia símbolo da Fórmula Um, Ferrari tem passado ligado às Guerras Mundiais e 'flerte' com Ayrton Senna

Ricardo Lobato Publicado em 21/04/2024, às 13h00

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Imagem ilustrativa de um carro da Ferrari - Getty Images
Imagem ilustrativa de um carro da Ferrari - Getty Images

A escuderia Ferrari é sinônimo não apenas de Fórmula Um, mas também de velocidade. A companhia, um ícone italiano, tem sua história profundamente ligada às duas Guerras Mundiais.

Como bem disse Gianni Agnelli, o lendário dono da FIAT (e o responsável por salvar a Ferrari da falência nos anos 1960): "Nem todos os italianos torcem pela nacional, mas todos torcem pela Ferrari" — e a explicação para isso está justamente na história da marca na primeira metade do século 20, que se confunde com a própria história da Itália no período.

A companhia que, não à toa, leva o nome de seu fundador, sempre foi sinônimo de automobilismo. Para se ter uma noção de como homem e máquina estão entrelaçados, é preciso voltar aos anos iniciais da vida do próprio Enzo Ferrari. Aos 10 anos, o jovem testemunhou a Vitória de Felice Nazzaro no Circuito de Bolonha. De imediato, se encantou pelas máquinas e decidiu que seria justamente com carros que faria sua vida e, consequentemente, seu nome.

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Ferrari nas Guerras

Entretanto, como geralmente acontece, a vida tinha outros planos para o jovem Enzo. Por circunstâncias adversas à sua vontade, o mundo entrou em guerra em 1914. Enzo foi arrastado para o serviço militar italiano em 1916, vendo pesados combates com o 3° Regimento de Artilharia de Montanha no front italiano. 

Contudo, depois de receber baixa do Exército (em 1918) — devido à gripe espanhola, e com o fim das hostilidades —, Enzo precisava de um emprego. Foi tentar a vida como piloto de teste na fábrica da FIAT. A escolha não foi aleatória, o jovem buscava justamente retomar sua antiga paixão por corridas.

Em 1919, Ferrari começou a participar de corridas de carro. Precisamos lembrar que naquele tempo os pilotos não eram profissionais extremamente bem remunerados como hoje em dia. Eram, na verdade, em sua maioria, pilotos de testes das montadoras, que colocavam seus testadores para correr e assim fazer propaganda de seus veículos para as multidões que se aglomeravam.

No ano seguinte, Ferrari passou a competir pela Alfa Romeo, e foi aí que tudo mudou. Em uma dessas corridas, por volta de 1925, Ferrari conheceu a condessa Paolina Baracca, mãe de Francesco Baracca, o maior ás italiano da Primeira Grande Guerra — morto nos meses finais do conflito. O famoso Cavallino Rampante (cavalo empinado, em tradução direta) era o símbolo da família Baracca, e Francesco o utilizava como adorno de seu avião.

Ao cumprimentar Enzo Ferrari pela vitória em mais um raide, a condessa Paolina pediu que este adotasse o Cavallino como símbolo de boa sorte — uma forma de homenagear seu falecido filho. E deu certo, nos anos seguintes vieram mais vitórias e Ferrari passou de piloto a gerente de escuderia, com uma marca própria, a famosa Scuderia Ferrari (inicialmente vinculada à Alfa Romeo).

Entre 1933 e 1940, numa série de vai e vens, Ferrari deixou sua marca de lado e voltou para a Alfa Romeo; depois fundou uma nova marca, a Auto-Avio Costruzioni, passando a produzir peças automotivas para veículos de diversas marcas que competiam nos circuitos de corridas italianos. Foi aí que uma nova Guerra Mundial entrou no caminho de Enzo

Em 1940 a Itália declarou guerra à Inglaterra e à França e, como consequência, o país entrou na Segunda Guerra ao lado da Alemanha. Os efeitos dessa fatídica decisão de Mussolini foram tremendos, algo que mudaria para sempre a política, a economia e a sociedade italiana.

Nos anos de conflito, a participação de Ferrari foi "dúbia". Se por um lado recebeu contratos lucrativos para fabricar equipamento militar, no contexto do esforço de guerra; por outro, a tensa relação com os alemães e as atividades de colaboração de Enzo com os Partisans (a resistência italiana) ainda hoje divide os historiadores.

Fato é que, quando a guerra chegou à Itália em 1943, e com o avanço dos bombardeios Aliados, Enzo foi forçado a mudar sua fábrica de Modena para Maranello — onde a Ferrari segue até hoje.

Apesar de não poder produzir carros durante o conflito, Enzo não deixou de planejar "os veículos do futuro". Em Maranello conta-se que "algumas das máquinas mais lendárias da Scuderia foram planejadas sob o som dos bombardeios". Lenda ou não, no pós-Guerra, a Ferrari parece ter renascido das cinzas, tal qual uma Fênix

Com o capital adquirido dos contratos militares na guerra, a Ferrari conseguiu retomar sua vocação inicial: as corridas. Ademais, a especialização em máquinas de diversos tipos, assimilada durante o conflito, fez com que a companhia se tornasse um exemplo de construção de motores potentes, algo pela qual é reconhecida até hoje.

Nos anos seguintes, a Ferrari, que já era associada ao automobilismo, se estabeleceu no esporte e no mercado. Apesar das crises financeiras — muito em razão do reinvestimento do dinheiro que Enzo ganhava para fazer "máquinas cada vez mais potentes" —, a Ferrari conseguiu se manter de pé e fincar seu nome na História.

Senna e a Ferrari

Em paralelo a isso, aproveito para responder à pergunta que todos os amantes de Fórmula 1 se fazem até hoje: por que Ayrton Senna nunca correu pela Ferrari? Há duas explicações para tal.

A primeira é que o velho Enzo achava Ayrton jovem demais para sua Scuderia. Contudo, com a morte do Commendatore em 1988, uma nova oportunidade se abriu para Senna.

Conta Luca Cordero di Montezemolo, ex-presidente da Ferrari, que pouco tempo antes do acidente fatal que tiraria a vida do piloto em Ímola, os dois chegaram a conversar. Montezemolo adiou a contratação do brasileiro para depois daquele Grande Prêmio. "Foi o grande arrependimento de minha vida", disse, mais tarde, em uma entrevista à emissora Sky Sport. Se os dois tivessem corrido juntos, seria uma História e tanto! Um brinde a Ayrton Senna!


Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.


**Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Aventuras na História