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Testeira

O telegrama: A história da crise diplomática entre a Dinamarca e a Alemanha na Segunda Guerra

O conflito entre os alemães e os dinamarqueses foi digno de filme, travando uma batalha entre os nazistas o líder de uma casa real; entenda!

Ricardo Lobato* Publicado em 03/03/2024, às 17h00

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O rei da Dinamarca, Cristiano X (esq.) e o líder nazista, Adolf Hitler (dir.) - Domínio público e Wikimedia Commons
O rei da Dinamarca, Cristiano X (esq.) e o líder nazista, Adolf Hitler (dir.) - Domínio público e Wikimedia Commons

Em dezembro de 2023, uma notícia chacoalhou as casas reais da Europa: depois de 52 anos de reinado, a rainha Margarida II, da Dinamarca, abdicou ao trono. Devido à idade já avançada, a soberana passou o poder para seu filho, o agora rei Frederico X. Desde 2022, com o falecimento da rainha Elizabeth II, Margarida era a única mulher no comando de uma monarquia europeia.

No entanto, indo para além do fato de hoje só ter homens reinando no Velho Mundo ­­— o futuro será cheio de rainhas, e não apenas consortes, uma vez que muitas jovens princesas esperam sua vez de subir ao poder —, esta trama com contornos shakespearianos lembrou este colunista de outro rei desta pacata nação nórdica: afinal, estamos falando do Reino da Dinamarca.

Para aqueles que pensam que não teremos guerra neste artigo, ledo engano: o “rei” a que se refere acima é da Dinamarca, mas não o atual, e sim seu bisavô, Cristiano X; o “cavalo” era Jubilee, com o qual passeava todos os dias pela Copenhagen ocupada pelos nazistas; e Adolf é ninguém menos que Adolf Hitler, o ditador alemão desafiado pelo rei e seu cavalo. Tudo começa com a invasão alemã da Dinamarca, ocorrida na madrugada de 9 de abril de 1940.

O rei Cristiano X, da Dinamarca - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Os dinamarqueses foram pegos de surpresa pela ferocidade da Blitzkrieg, a “Guerra Relâmpago” alemã, e em apenas seis horas o governo decidiu capitular. Ao contrário da vizinha Noruega, o fato de fazer fronteira com a Alemanha e a ausência de barreiras naturais no país, impedia uma defesa mais detalhada do território.

Quando uma nação capitulava perante o Terceiro Reich, restava sempre a pergunta: como será a ocupação?

O horror nazista

Os nazistas eram terríveis com todas as nações de seu império em expansão, mas mostravam certa “tolerância” com alguns povos, identificados por eles como “geneticamente superiores”. No entanto, mesmo que os dinamarqueses estivessem entre esses povos, isso não significava que a vida seria fácil. A aparente “vantagem” era sinônimo de uma vassalagem mascarada ao Reich. E foi contra isso que o rei Cristiano lutou.

A saber, o monarca, ao contrário de seus homólogos (e de diversos presidentes e primeiros ministros), não fugiu para o exílio. Decidiu ficar com seu povo. O fato, por si só, já era um problema para os nazistas.

Temos de pensar que se já é difícil prender um chefe de Estado eleito, o que fazer com um monarca: o chefe de uma casa real!? No caso de Cristiano, foi permitido que mantivesse seu padrão de vida, incluso sua guarda pessoal, mas sob forte vigilância do aparato de inteligência alemão.

Retrato do rei Cristiano X - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

O rei sabia que ter ficado já contribuía com o moral de seus súditos, mas tinha a convicção de que era preciso mais. Passou então a, dia após dia, fizesse chuva ou sol, sair para cavalgar em seu cavalo Jubilee. O soberano vestia seu uniforme de gala, de chefe das Forças Armadas da Dinamarca, colocava sua espada a tiracolo e saía, todos os dias, em cavalgadas que duravam horas. Passava por Copenhagen inteira saudando os pedestres, que retribuíam a saudação.

Por vezes era acompanhado por crianças em suas bicicletas, mas sem segurança, sem ajudantes, nada, nem mesmo um pajem. Somente um rei e seu povo, altivo e de forma silenciosa, desafiando a ocupação alemã. As medalhas que o rei levava no peito fizeram com que militares veteranos, transformados em civis pelo inimigo, fizessem o mesmo.

Desafio aos alemães

Desafiando explicitamente as autoridades alemãs, que haviam proibido “manifestações militares locais”, passaram a exibir com orgulho suas comendas. Diante de tais cenas cotidianas, claramente as notícias que chegavam a Berlim não agradavam Adolf, o ditador. Hitler sentia que as cavalgadas de Cristiano não eram boas, pois desafiavam a autoridade alemã.

Como uma forma de mostrar para o soberano que ele era “O” Führer do Reich Alemão, Hitler mandou um longo telegrama de felicitação no aniversário de 72 anos do rei. A resposta do monarca? Um lacônico: “Com os melhores cumprimentos, o rei Cristiano”. Adolf já não aguentava mais, sentia que sua autoridade era minada cada dia mais pelo rei.

Adolf Hitler, o líder nazista - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

O episódio, que ficou conhecido como “A Crise do Telegrama”, foi o estopim para (meses depois) Hitler impor a Lei Marcial na Dinamarca, transformando o país em mais um Estado submisso. Quando isso aconteceu, Cristiano já não cavalgava mais, pois uma queda do cavalo em um de seus passeios o impediu de cavalgar até o final da guerra.

Diferentes ajudas

Mas havia outras formas de ajudar. Além de contribuir com fundos que possibilitaram a fuga de milhares de judeus dinamarqueses e de outros perseguidos do Reich, há fontes que dizem que o rei financiou a própria resistência dinamarquesa. Até o fim, o rei, à sua maneira, desafiou os nazistas.

Em maio de 1945, enquanto Berlim caía perante os soviéticos, os ingleses libertavam a Dinamarca. Na reabertura do Parlamento norueguês, sentado ao lado dos Aliados vencedores, e junto de seu povo, estava Cristiano X. O monarca morreu em 1947, mas sua memória segue viva. Um brinde à história!


Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.