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Notícias / Cultura

Guinness Book of Records: 63 anos

O livro dos recordes era para ser uma ação de marketing de uma cervejaria; tornou-se um ícone cultural e dos livros mais vendidos da História

Gabriel Falcione Publicado em 26/08/2018, às 07h02

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Livros dos recordes celebra 63 anos. Macaco Tião e Gisele Bündchen foram destaques ao longo dos últimos anos - Wikimedia Commons
Livros dos recordes celebra 63 anos. Macaco Tião e Gisele Bündchen foram destaques ao longo dos últimos anos - Wikimedia Commons

Pense duas vezes antes de fugir de uma discussão aparentemente tola. Um dos livros mais vendidos de todos os tempos surgiu a partir de um debate, digamos, pueril. Numa noite de novembro de 1951, em County Wexford, na Irlanda, o então diretor industrial da cervejaria Guinness, Hugh Beaver, tomava uma com seus chegados quando rolou a polêmica: qual seria a ave de caça mais veloz da Europa? A tarambola-dourada ou a tetraz? Argumentações apaixonadas foram feitas em defesa de cada uma, mas ninguém tinha como efetivamente provar qual era a mais ligeira. E se fosse ainda uma terceira? Beaver, então, se deu conta: um livro que reunisse recordes seria muito útil, tanto para matar dúvidas prosaicas como aquela quanto para satisfazer a insana curiosidade do ser humano. E haja curiosidade. Nunca uma obra não-autoral (ou seja, de responsabilidade coletiva) vendeu tanto. São mais de 100 milhões de exemplares. A Bíblia e o Alcorão não entram na parada por serem textos de reprodução livre. A soma poderia ser ainda maior, já que o Guinnes World Records é um dos títulos mais surrupiados das bibliotecas públicas americanas, ao lado de obras eróticas.

Primeira edição do Guinness, de 1955. Livro saiu com tiragem foi de 50 mil cópias Reprodução

Lançada em 1955, a primeira edição teve mil exemplares de tiragem, mas nem chegou às livrarias britânicas. O livro fez jus ao nome de batismo e foi distribuído apenas nos pubs e botecos da Inglaterra e Irlanda. Segundo sir Hugh relata em suas memórias, a estreia funcionou a um só tempo como uma ação promocional da cervejaria e um teste para medir a popularidade de um compêndio daquele tipo. Ébrios e sóbrios aprovaram: a segunda edição já foi o livro mais comprado naquele Natal britânico. Um ano depois aportou nos Estados Unidos e de cara bateu os 70 mil exemplares. As vendas das edições seguintes aumentaram progressivamente, até atingir os atuais 4 milhões de exemplares por ano. Em 2001, a cervejaria vendeu a marca para a Gullane Entertainment, que a repassou a outras três empresas antes do Jim Pattinson Group, um dos maiores grupos comerciais do Canadá, agora responsável pelas edições. Mas antes disso o Guinness se viu obrigado a refinar seus métodos de aferição de resultados - o que é essencial, claro, para quem vive de registrar e validar recordes.

Sem tédio

Todos os dados publicados no número de estreia foram conferidos e auditados por uma pequena empresa de banco de dados, então recém-inaugurada pelos irmãos gêmeos Norris e Ross McWhirter. Com passagem pelos maiores diários ingleses, os jornalistas esportivos acumularam um grande volume de números, gráficos e estatísticas das principais competições praticadas no país e foram convidados pelo próprio Beaver para participar do Guinness - sir Hugh supervisionou a produção do livro até sua aposentadoria, em 1960, sete anos antes de morrer.

Os irmãos permaneceram como consultores pelas duas décadas seguintes, mas o progresso rápido da empreita forçou a cervejaria a procurar avaliadores com especialidade em outras áreas, uma turma com formações e interesses tão plurais quanto os variados temas abordados no livro. Nascia assim o Time de Gerenciamento de Recordes. Dividida em áreas (esportes, artes, culinária, ciência, videogames), a equipe hoje é responsável por avaliar 60 mil pedidos de recordes todo ano. Cada um dos 14 profissionais julga uma média de 71 recordes, ou melhor, tentativas de recordes por semana. Os gerenciadores de recordes, como são chamados, passam por um treinamento casca-grossa antes de definir quem pode figurar no livro, que inclui gestão de banco de dados, aulas de história e técnicas para reconhecer uma foto manipulada, entre outros requisitos.

Pelé foi listado como o atleta que mais gols fez durante a carreira: 1 279 vezes Wikimedia Commons

A combinação de habilidades se impõe por causa da variedade de recordes que os gerenciadores avaliam. Que o diga o espanhol Carlos Martinez, responsável pela validação das marcas nos países de língua espanhola e portuguesa. Ele não sabe o que é tédio no trabalho. Num dia pode estar no Bahrein para medir a maior obra de arte impressa nas areias do deserto. No outro, joga basquete com o homem mais alto do mundo. Depois dá um pulo em São Paulo para conhecer o leiloeiro mais rápido do planeta e volta aos Estados Unidos a fim de medir os 9,5 metros das unhas mais compridas. Mais midiáticos, esses tipos de recorde são julgados ao vivo, quase sempre com cobertura jornalística e repercussão na internet. São os recordes in loco, a aferição mais nobre. O gerenciador decide ali na hora se um novo feito foi estabelecido ou atualizado. São 250 avaliações desse tipo por ano. Mas e os outros 55750 pedidos? Geralmente são julgados nos próprios escritórios da empresa, em cinco países. O sujeito envia sua solicitação por carta, reúne a maior quantidade possível de provas (vale tudo: foto, testemunha, vídeo) e cruza os dedos. Se passar pelo escrutínio dos gerenciadores, ele entra no livro, certo? "Aí é com o Craig, é ele quem decide", diz Carlos.

Craig Glenday é o editor-chefe da obra. Todo ano, em agosto, a equipe de gerenciadores põe em cima de sua mesa as 2250 solicitações que se transformaram em novas marcas. Na edição impressa, que chega às livrarias de 100 países sempre no Natal, cabem 4 mil recordes. Desses, 320 são permanentes e há cerca de 500 atualizações, ou seja, feitos ampliados em categorias já existentes. Na prática, 80% do conteúdo se renova anualmente. "O Guinness é uma combinação de entretenimento, diversão, educação e curiosidade", afirma ele. "É como uma receita de bolo. E eu devo zelar para que a gente consiga atingir esse equilíbrio." Quando um recorde é quebrado mas não entra na edição impressa, ele começa a girar a grande (e rentável) engrenagem que o Guinness movimenta. Ele pode figurar no site e ser visto pelos 11 milhões de visitantes/ano; seu detentor pode ser convidado a participar de um dos 20 programas de tevê que levam a marca do livro; pode ainda integrar um jogo para os consoles Nintendo DS e Wii. Na pior das hipóteses, comporá a base de dados da marca e poderá ser pinçado a qualquer momento para ilustrar uma edição temática (como a de games) ou atender à demanda de algum jornal ou revista, por exemplo.

Outro recorde brasileiro: o maior de número de pessoas se beijando em um evento, em 2014, na cidade de São Paulo Reprodução

A edição impressa não apresenta muita variação de temas de um ano para outro. Mas a seleção navega ao sabor dos avanços científicos, tecnológicos e comportamentais da humanidade. "Estreamos categorias como a mensagem de texto mais rápida, o usuário que atingiu mais rapidamente 1 milhão de seguidores no Twitter (o ator Ashton Kutcher), a notícia mais procurada no Google, só para citar as novidades da área digital", diz Glenday. Outras categorias se tornaram muito politicamente incorretas com o passar dos anos. Com medo de sofrer processos, há 19 anos o Guinnes não aceita mais quebras de recordes nonsense como: motorista mais veloz do mundo; cirurgião mais jovem (um menino de 15 anos fez uma cesárea e exigiu o recorde); casa construída em menos tempo; corredor de maratona mais novo; animais de estimação mais gordos. Mas homem e mulher mais obesos valem. "O critério é simples: se você põe só a sua vida em risco, tudo bem, mas se expõe outras pessoas ao perigo, não aceitamos", diz Glenday. Não faltam os "recordistas profissionais", gente que ganha a vida à caça de marcas. Ashrita Furman é o campeão absoluto.

Inquebráveis

Em 1979, o americano completou 27 mil polichinelos. Foi seu primeiro feito registrado no livro. Entre 1986 e 2010, bateu outros 270, dos quais ainda mantém a marca de 84 deles. Ninguém tem mais recordes que ele. Ashrita é o "vidaloca" do Guinness. Topa tudo para aumentar sua galeria de conquistas: viajou pelos sete continentes, visitou 30 países, segue uma dieta rigorosa e uma rotina intensa de treinamentos para atingir feitos como pular amarelinha em menos tempo, a caminhada mais longa em perna de pau, maior distância percorrida com cambalhotas.

São Simeão em cima de um pilar: recorde inquebrável Wikimedia Commons

Mas há os recordes que nem Ashrita consegue bater. Por tradição, eles nunca podem ficar de fora da edição impressa. São chamados de "inquebráveis". Suas origens muitas vezes derivam de uma tradição histórica oral, mas ainda assim são validados. Entram nessa categoria, por exemplo, a Peste Negra, a maior pandemia da história, que vitimou 75 milhões de pessoas entre os anos de 1347 e 1351 na Europa. Em 1883, a explosão do vulcão Krakatoa, na Indonésia, deu origem a um estrondo que reverberou no planeta por nove dias. O barulho pôde ser ouvido a uma distância de 5 mil quilômetros. Quem estava a menos de 5 quilômetros do vulcão teve os tímpanos perfurados. Foi o barulho mais alto já produzido na Terra. O recorde mais antigo perdura há 1550 anos: São Simeão, o Estilista (c. 386-459), permaneceu 39 anos sentado em cima de um pilar, na Síria. Há outros igualmente impressionantes: maior surto de dança (em 1374, nas ruas de Aachen, na Alemanha, invicto há 635 anos); pessoa mais leve (a mexicana Lucia Xarate, que viveu no fim do século 19, pesava 2,13 kg aos 17 anos e detém a marca há 120 anos); o homem mais alto do mundo (o americano Robert Wadlow, com 2,72 metros, morreu em 1940 e segue imbatível); a ave mais veloz da Europa (invicta há 55 anos). Lembra da tarambola-dourada e da tetraz? Pois então, a tetraz é a mais rápida, rasgando os céus a 100 km/h.