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Matérias / Mundo

Narcos: O maior negócio de todos os tempos

Entenda a longa história da humanidade com as drogas, as tentativas de erradicá-las, e o brutal poder dos que as vendem

Tiago Cordeiro Publicado em 30/06/2019, às 08h00

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Crédito: Reprodução / Netflix
Crédito: Reprodução / Netflix

"O ópio é um mal. O ópio é um veneno, prejudicando a moralidade e os bons costumes. Seu uso é proibido pela lei.” Assim começava o édito do Imperador Jiaqing de 1810, que concluía com: “Nas províncias de onde vem o ópio, ordenamos aos vice-reis, governadores e superintendentes do comércio marítimo que façam buscas cuidadosas pelo ópio e cortem seu suprimento. Eles não devem de forma alguma considerar esta ordem uma letra morta e permitir que o ópio seja contrabandeado”.

Nas duas décadas seguintes, o consumo do ópio se multiplicaria por oito. Os imperadores chineses travaram a primeira e fútil guerra às drogas. Não tinham a menor chance de vitória.

Seus inimigos eram os primeiros narcotraficantes modernos, numa indústria já tão poderosa que fez com que contassem com o apoio de seus governos para uma guerra real. Da qual a China, primeira nação arrasada pelo narcotráfico, levaria mais de um século para se recuperar.

O ópio era conhecido entre sumérios, babilônios, persas, gregos, romanos, japoneses... quase o mundo todo. No século 19, seu uso começou a ser notado, enquanto o número de viciados aumentava. Ainda não havia traficantes controlando todas as etapas do processo de produção e distribuição, mas essa situação estava para mudar: o Reino Unido financiaria a primeira rede profissional de narcotráfico do mundo.

Foi o governo inglês, sob o reinado da rainha Vitória, que organizou a distribuição de quantidades massivas de ópio para dentro da China, que já vinha tentando reduzir o consumo da droga fazia mais de um século.

Os imperadores viam o ópio como uma calamidade social e, em 1729, seu uso e venda foram proibidos no país. Então a China consumia 200 caixas de ópio por ano (cada uma tinha 64 quilos, dando assim 12,8 toneladas). Em 1799, quando uma nova lei foi promulgada reforçando a proibição, o consumo havia saltado para 4.500 caixas (228 toneladas). Chegaria a 40 mil (ou 2.560 toneladas) em 1838.

Os ingleses apostaram na venda de grandes carregamentos de ópio produzidos na Índia e distribuídos para as maiores cidades da China. Quando o governo chinês tentou acabar com a festa e mandou queimar um carregamento inteiro de 1.200 toneladas, os britânicos encontraram o pretexto perfeito para atacar em pedido de retaliação. A rainha Vitória declarou guerra em nome do prejuízo dos narcotraficantes. Começava, em 1839, a Primeira Guerra do Ópio.

Foi um massacre. O que os europeus não tinham em números tinham em tecnologia. Venceram a China com facilidade e submeteram-na ao Tratado de Nanquim, um acordo humilhante que favorecia os interesses comerciais britânicos e ainda cedia Hong Kong para a Inglaterra. E obrigava, claro, os chineses a aceitar o comércio de ópio. Em 1858, esse consumo chegaria às 70 mil caixas (4.480 toneladas, equivalentes à produção mundial do ano 2000).

Nos anos seguintes, os chineses assinaram outros tratados desvantajosos, que dificultaram sua relação comercial com outros países, incluindo Japão, Rússia, França e Alemanha. Quando tentou reagir, em 1856, apanhou de novo. A queda da dinastia Qin, em 1912, está diretamente ligada a essas derrotas.

Poder narco

Qual é a força real do narcotráfico? Em 2003, a ONU estimou que 1% de toda a economia mundial está ligada ao negócio. Um negócio tão poderoso que possivelmente salvou o sistema bancário mundial durante a crise global de 2008.

Num momento em que não havia liquidez em lugar algum, o único ramo a continuar movimentando o sistema financeiro era o de venda de substâncias ilícitas. Essa foi a conclusão a que chegou Antonio Maria Costa, diretor executivo do Escritório sobre Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas.

Em um relatório do órgão, datado de 2009, ele concluiu que o dinheiro sujo foi lavado dentro de bancos, garantindo assim que houvesse dinheiro em papel para saques. “Num momento em que os bancos estavam inseguros para emprestar dinheiro uns para os outros, as organizações criminosas aproveitaram para realizar operações duvidosas de compra e venda”, ele explicou a AH “Muitas vezes trocaram imóveis de mãos entre diferentes membros da mesma organização. Lavaram o dinheiro num momento em que os bancos estavam mais suscetíveis a aceitar esse tipo de transação.”

Cena do seriado Breaking Bad / Crédito: Reprodução

Essa história dá uma boa ideia da dimensão do tráfico no mundo. Estimativas da ONU apontam que ele movimenta US$ 321 bilhões por ano no mundo, equivalente a 1% do Produto Interno Bruto mundial. As drogas alimentam cartéis e máfias, estimulam a criminalidade, provocam problemas sociais graves – qual grande cidade brasileira hoje não tem sua cracolândia? Também fazem parte da cultura pop.

Filmes de grande sucesso abordaram o assunto, de Scarface, a Traffic e Cidade de Deus. Seriados de TV acumulam audiência mostrando a brutalidade do narcotráfico. O mais recente, Narcos, foi um grande fenômeno em suas primeiras temporadas, mas não teve o mesmo impacto na última. Breaking Bad continua a ser inesquecível.

“O tráfico é um fenômeno amplo Atinge o mundo inteiro e influencia a economia, a saúde e a cultura. Está presente, de diferentes formas, nas favelas e nos condomínios de luxo”, diz James Finckenauer, professor emérito da Escola de Justiça Criminal da Universidade Rutgers. “É um recurso importante: a venda de drogas ilegais é a principal fonte de renda para a maior parte dos grupos criminosos transnacionais.” É também um fenômeno mais antigo do que se imagina. Grupos criminosos organizados datam desde, pelo menos, a Roma antiga. O tráfico se tornou seu ganha-pão principal nos últimos dois séculos.

Drogas e humanos

Os primeiros registros de consumo de drogas datam de 4.800 anos atrás: inscrições da Suméria relacionam o ópio aos símbolos que significam “alegria”. A maconha também é milenar – acompanha rituais religiosos desde pelo menos o terceiro milênio antes de Cristo, nos atuais Leste Europeu, Oriente Médio, Índia e China. Mais adiante, por volta de 1000 a.C., os antigos egípcios também aderiram. Isso para não falar do campeão absoluto de todas as drogas, o álcool, consumido de forma recreativa desde 10 mil anos atrás, na época da invenção da agricultura – se não ainda antes, porque até os animais costumam se interessar por frutas fermentadas (e alcoólicas), e talvez nossos ancestrais tenham se interessado também.

Seu uso foi totalmente banido no Islã no século 7, após alguns reveses em batalhas do exército do Profeta serem atribuídos à intoxicação dos soldados. Ainda assim, a aplicação da regra foi por vezes bem frouxa. Tanto que certos países islâmicos têm até mesmo drinques nacionais, como o raki da Turquia ou o arak do Levante. Em tese, eram bebidos só por cristãos e judeus. Mas os sultões otomanos eram famosos por darem suas bicadas.

O tabaco surgiu na América. Há indícios de seu cultivo até em 1500 a.C., nos Andes, se espalhando daí para todo o continente. Quando chegou à Europa, foi muito bem recebido. Mas, em diferentes países, em diferentes épocas, seu consumo foi proibido. Já em 1575 foi barrado dentro das igrejas no México, com a regra universalizada pelo papa Urbano VII
em 1590.

No Império Otomano, fumar chegou a ter punição com pena de morte em 1633, mas a lei seria abolida. O café foi domesticado na Etiópia no século 11, chegando à Europa através dos árabes, que o adotaram no século 15. A cafeína, que ainda hoje é oficialmente considerada uma droga pela Organização Mundial da Saúde, foi proibida no mundo islâmico – em 1511, autoridades religiosas de Meca alegaram ser um análogo do álcool. Sem sucesso, ele chegaria ao mundo cristão através dos Cavaleiros de Malta, que em 1575 descobriram a bebida com escravos turcos recém-capturados.

Logo se espalhou e se tornou controversa também no mundo cristão. Em 1600, o papa Clemente VIII foi pressionado a proibir o café por ser “coisa de muçulmano”. Experimentou e decidiu que os cristãos poderiam tomar café. Sua alegação: uma bebida tão saborosa e fortificante não poderia ser de consumo exclusivo dos infiéis.

Em todas essas proibições, certamente houve contrabandistas dispostos a atender aos desejos proibidos da população. Em países que aplicam a sharia, como o Irã e a Arábia Saudita, existe um mercado negro de álcool. O tráfico profissional nasceria de situações parecidas com a da China: uma percebida "epidemia", ao que se segue a proibição abrindo oportunidades.

Era das proibições

Entre metade do século 19 e início do 20, grupos de pressão, a maioria religiosos, mas não apenas, notaram o mesmo que os imperadores chineses haviam notado: a relação entre drogas e situações sociais insalubres. O ópio, tão útil para a política externa dos ingleses, foi barrado na Inglaterra logo em 1868, no reinado da mesma Vitória.

Os Estados Unidos aprovaram sua lei em 1914 – o Harrison Act proibiu o uso não medicinal de ópio, morfina, heroína e cocaína.Ninguém podia acusar os proibicionistas de hipocrisia. O seu maior alvo era a droga mais consumida de
todas: o álcool.

O álcool é, não é mistério, um eterno problema. No levantamento Global Drug Survey, realizado anualmente com 115 mil pessoas em mais de 50 países, incluindo o Brasil, ele aparece como a droga mais consumida (98,7% das pessoas disseram já ter bebido), e a que mais provoca problemas de saúde que levam a internações hospitalares. (Em comparação, o ópio já foi usado, pelo menos uma vez na vida dos entrevistados, por 3,7% das pessoas.)

Para combater a droga mais importante de todas, a Lei Seca foi imposta nos EUA em 1920. Na mesma época, Finlândia, Noruega, Canadá, Islândia e Rússia também impuseram leis de proibição à bebida.

A proibição foi tão eficiente quanto a chinesa. As bebidas alcoólicas impulsionaram um mercado negro extremamente lucrativo e alimentaram a primeira estrutura de crime organizado como o conhecemos. As máfias dos EUA foram as maiores favorecidas. Especialmente a italiana, a Cosa Nostra.

“Da década de 1920 até os anos 1970, a máfia na Sicília e os grupos criminosos italianos que viviam nos Estados Unidos controlaram o fluxo de heroína. Ela era comprada na Turquia, refinada e enviada por navio”, diz Federico Varese, professor de criminologia da Universidade Oxford.

Era das Proibições - Estados Unidos / Crédito: Reprodução

Com os lucros do tráfico, esses grupos aumentaram o alcance de suas atividades e também seu poder de fogo. Criaram estruturas privadas capazes de conduzir todo o processo, como os ingleses haviam feito no século 19: da plantação à distribuição, incluindo os danos colaterais inevitáveis, como os carregamentos perdidos nas mãos da polícia e todo o dinheiro gasto com propinas.

As máfias ainda hoje mantêm o tráfico como o braço mais importante de suas atividades criminosas. “É a atividade que sustenta um fluxo de dinheiro capaz de garantir a compra de armas e a manutenção de uma grande quantidade de jovens soldados leais”, afirma Antonio Maria Costa. E isso vale para a japonesa Yakuza, a Tríade chinesa ou as italianas Cosa Nostra e Camorra.

Diante do fracasso e impopularidade da Lei Seca, em 1933, a venda de álcool foi novamente liberada nos Estados Unidos e na maior parte dos países ocidentais, ainda que com restrições a locais, horários e idades.

Até então, a milenar maconha havia passado incólume à atenção dos proibicionistas americanos. Seu consumo basicamente se restringia aos negros. E foi numa nova onda de pânico moral, esta com claros tons racistas, o pavor dos “negros maconheiros”, que seria proibida em terras americanas em 1937, numa espécie de compensação pelo fim da Lei Seca. Isso levaria a uma reação em cadeia de dezenas de outros países. No Brasil, após leis locais e graduais, a proibição geral viria em novembro de 1938 – o primeiro mês da ditadura do Estado Novo.

Cocaína no século 20

Na época, estava prestes a nascer a estrela maior entre as drogas ilegais. Aquela que ainda hoje sustenta o crime organizado no mundo. E era resultado do processamento de uma folha aparentemente inofensiva, usada há 8 mil anos pelas tribos da América do Sul.

A coca já era conhecida na Europa desde o século 16. Finas e arredondadas, as folhas de coca eram (e ainda são) mascadas na região dos Andes para aumentar a disposição física e diminuir os efeitos da altitude. E mascar coca é praticamente inofensivo: as folhas têm no máximo 1,5% de alcaloides em volume. Para criar 1 grama de cocaína, é necessário 1 quilo de folhas. De fato, a droga nasce de um longo processo químico com várias etapas. Foi sintetizada em 1859 dentro da Universidade de Göttingen, por obra do químico alemão Albert Niemann.

Nascida em laboratórios farmacêuticos, ninguém pensou em proibi-la inicialmente. Por muitas décadas, até que ficasse totalmente claro o quanto a cocaína (nome dado pelo próprio Niemann) é viciante, o produto foi usado e vendido em larga escala. O oftalmologista Karl Koller o injetou em seu olho para testar possíveis melhorias para a visão.

O psicanalista Sigmund Freud usou e recomendou para pacientes. A Coca-Cola usou a substância como parte de seu produto em seus primeiros anos. (Hoje usa um extrato do sabor das folhas sem alcaloides, produzido pela Stepan Company, a única empresa americana que tem autorização para tocar em folhas de coca.)

A Holanda abriu competição aberta às folhas peruanas: encheu a ilha de Java de plantas de coca e passou a produzir cocaína. Mas os maiores produtores ainda estavam nos Andes. A cocaína era considerada um excelente analgésico e um ótimo composto para melhorar a acuidade mental.

Após a proibição americana de 1914 – e a brasileira, em 1921 – continuou a ser usada, por seu altíssimo custo, apenas em grupos de elite. Por isso, a repressão não foi levada a sério até 1961, quando uma convenção da ONU recomendou o banimento completo de várias drogas.

Fumantes num lugar de má reputação,1650 / Crédito: Reprodução

À medida que o consumo da cocaína era proibido, começaram a crescer os grupos bolivianos, peruanos e colombianos especializados em sua produção e venda. Era uma droga difícil de produzir, mas com grandes vantagens comerciais: a margem de lucro é enorme e a logística é simplificada por ela ser vendida na forma de pó, o que permite escondê-la em locais insuspeitos.

“O próprio fato de a planta se desenvolver num lugar específico favoreceu os criminosos daquelas regiões, que ainda hoje detêm o monopólio da produção”, afirma John Collins, diretor executivo do grupo de especialistas em políticas sobre as drogas da London School of Economics. Pablo Escobar que o diga.

Baladeiros e Yuppies

O endurecimento das leis contra as drogas coincide com o aumento da demanda, por conta dos desejos por experimentar estados alterados da mente pela geração hippie. Nos anos 1960, a Colômbia passou a suprir uma dessas demandas, a maconha.

Nos 70, passaria à redescoberta cocaína. Griselda Blanco seria a pioneira: no começo dos anos 1970, mudou-se para Nova York e começou um negócio de importação e distribuição de seu país natal. A “Madrinha” ou “Viúva Negra” fugiria do país em 1975, mas retornaria ao final da década.

Sua carreira só teria fim com sua prisão em 1985. Inspirado na Madrinha, Pablo e seus parceiros de Medellín começaram a distribuir cocaína no país que, ainda hoje, mais a consome no mundo, os EUA. Primeiro usaram pessoas que colocavam a droga em camisinhas e as engoliam.

Depois a colocaram dentro de pneus velhos que eram abandonados dentro de aeroportos americanos. Recolhidos como detritos, eram resgatados, e as drogas, retiradas. Mas o produto gerava tanto dinheiro que ficou fácil profissionalizar o esquema. Foi o que aconteceu a partir do final da década de 1970.

O Cartel de Medellín, liderado por Escobar, comprou uma ilha no Caribe e passou a usá-la como ponto de apoio. A área ganhou um hotel, uma vila de casas e também um galpão refrigerado para armazenar a droga. Aviões pequenos, cheios de pó, deixavam a Colômbia, reabasteciam ali e seguiam até Miami. Daí a cocaína ia para o resto do país. Para chegar à Europa, a rota era outra: navios com cargas escondidas e distribuídas pelas máfias locais, inclusive as do Brasil.

O negócio veio de uma mudança significativa na preferência dos usuários de drogas americanos. A velha cocaína só começou a ser usada em larga escala nos anos 1970. “O mercado inteiro mudou, e a cocaína, que de certa forma é mais controlável para o usuário do que a heroína, ganhou muito espaço. A pessoa que consome pode ir ao trabalho, por exemplo, o que é mais difícil no caso da heroína, que era muito mais popular entre os americanos até a década de 1960”, diz o professor Federico Varese. Ela se tornaria a droga símbolo da Era Disco, quando se tornou moda andar com uma colherinha para coca pendurada no pescoço. E dos tubarões de Wall Street.

O dinheiro era tanto, e em espécie, que a cena retratada no seriado Narcos de fato aconteceu: caixas e caixas de dólares eram enterradas nas selvas colombianas. A construção de La Catedral também é real.

Escobar ergueu um palácio, chamou de presídio e se colocou lá dentro entre 1991 e 1992, durante um período de trégua com o governo colombiano. Não mais matou inocentes, mas o negócio prosseguiu. Escobar não estava sozinho. O grupo que transformou a cocaína num dos produtos mais vendidos do mundo era formado por José Rodríguez Gacha, Carlos Lehder e Jorge Luis Ochoa Vásquez.

A estrutura que eles construíram permitiu lançar em território americano, no fim dos anos 1980, 8 toneladas mensais de pó. Pablo se tornou o rei de Medellín, que em 1991 era a cidade mais violenta do planeta. Seus sicários, os agentes de rua com licença para atirar, respondiam pela morte de inimigos, testemunhas e policiais honestos. Seu reino de terror acabou com três tiros num telhado do bairro de Los Olivos, na cidade natal de Pablo. Naquele momento, a capital nacional do tráfico já era outra: Cali.

Os chefes desse cartel, os irmãos Gilberto e Miguel Orejuela, parceiros de José Santacruz-Londoño, eram empresários respeitáveis, que usavam terno e gravata e lavavam o dinheiro com uma série de negócios limpos, como redes de farmácias.

Isso apesar de terem começado suas atividades em 1977 levantando dinheiro com sequestros. Eles acabaram presos anos depois da morte de Escobar. Em seu lugar surgiram novos grupos, com uma estrutura diferente. E o México se tornou o país mais importante do tráfico.

La Catedral / Crédito: Reprodução

A estrutura que eles construíram permitiu lançar em território americano, no fim dos anos 1980, 8 toneladas mensais de pó. Pablo se tornou o rei de Medellín, que em 1991 era a cidade mais violenta do planeta.

Seus sicários, os agentes de rua com licença para atirar, respondiam pela morte de inimigos, testemunhas e policiais honestos. Seu reino de terror acabou com três tiros num telhado do bairro de Los Olivos, na cidade natal de Pablo. Naquele momento, a capital nacional do tráfico já era outra: Cali.

Os chefes desse cartel, os irmãos Gilberto e Miguel Orejuela, parceiros de José Santacruz-Londoño, eram empresários respeitáveis, que usavam terno e gravata e lavavam o dinheiro com uma série de negócios limpos, como redes de farmácias.

Isso apesar de terem começado suas atividades em 1977 levantando dinheiro com sequestros. Eles acabaram presos anos depois da morte de Escobar. Em seu lugar surgiram novos grupos, com uma estrutura diferente. E o México se tornou o país mais importante do tráfico.

Chegam os mexicanos

Pequenos grupos, com líderes mais discretos, que controlam apenas parte dos processos e trabalham em conjunto. Essa nova estrutura permitiu aos traficantes colombianos sobreviver à Guerra às Drogas, perseguição de governos locais em parceria com a Drug Enforcement Administration (DEA), a agência americana criada pelo presidente Richard Nixon em 1973 com o objetivo explícito de caçar traficantes em qualquer lugar do mundo.

“Os maiores cartéis desapareceram porque os traficantes perceberam que, assim como acontece em empreendimentos comerciais legalizados, em muitos casos é mais eficiente sublocar e terceirizar do que querer controlar todos os aspectos de uma operação”, afirma o professor James Finckenauer.

Os traficantes menores são mais difíceis de rastrear. Eles mantêm a Colômbia como o maior produtor de cocaína do mundo – o país gera 43% do total anual do planeta. Mas agora não se preocupam com a distribuição, que está nas mãos dos mexicanos. As drogas seguem da Colômbia até o México com paradas estratégicas na Venezuela e em Honduras, principalmente.

Dois sobrinhos da esposa do presidente venezuelano Nicolás Maduro, Efrapin Campo Flores e Francisco Flores de Freitas, foram presos pela DEA em novembro de 2015. Foram condenados nos Estados Unidos em 2016, acusados de chefiar um pequeno grupo de tráfico.

Os cartéis do México cresceram depois dos colombianos. Se Medellín é um centro de produção e distribuição de drogas desde os anos 1970, os mexicanos ganharam poder no começo dos anos 1980. E entraram no novo milênio como o país que mais distribui cocaína, em especial para os Estados Unidos. Estão ali grupos criminosos famosos, como os cartéis de Guadalajara, Sinaloa e Tijuana – este último chegou a manter um túnel particular para envio de drogas até a cidade americana de San Diego.

Era ali também que vivia o traficante mais famoso do século 21: Joaquin “El Chapo” Guzman Loera, líder do cartel Sinaloa. Com a prisão de Osiel Cárdenas Guilléno, o chefe do cartel do Golfo e seu maior rival, El Chapo se tornou o rei do tráfico entre 2003 e 2017, quando acabou extraditado para os Estados Unidos. Preso, escapou três vezes. Em 2011, tinha uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão.

Comandos no Brasil

No Brasil, o crime organizado se desenvolveu com o nascimento do Comando Vermelho, dentro do Instituto Penal Cândido Mendes, de Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Foi ali que presos comuns, em convívio com guerrilheiros de esquerda presos pela ditadura militar, começaram a se mobilizar para pedir melhores condições dentro do presídio.

Surgiu então a Falange Vermelha. No começo dos anos 1980, com a ascensão do tráfico da Bolívia e do Peru, a Falange começou a refinar, distribuir e exportar drogas para bancar sua estrutura.

Até a década de 1970, o tráfico de drogas no Brasil tinha um caráter amador. Consumia-se maconha e heroína (moda na época), comprada principalmente de traficantes que visitavam o país esporadicamente. Foi com a ascensão do Comando Vermelho, e depois do Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, que o tráfico se organizou.

O Brasil é um vizinho amigável para bolivianos e colombianos, que precisam de uma rota de exportação para a Europa – da mesma forma que o México faz esse papel para o mercado americano. Com tanta coca passando, o país se tornaria um mercado consumidor atraente: é o país que mais consome cocaína na América Latina.

As facções do Rio lidam principalmente com o tráfico local, em São Paulo o maior negócio é o escoamento para a Europa através do mal-vigiado porto de Santos.

Legalize já?

As campanhas para reduzir o poder do crime organizado e a venda de drogas ilícitas esbarram sempre num problema: o mercado consumidor existe. Só no México, os americanos investem US$ 1,4 bilhão por ano em armas e equipamentos de vigilância, sem que o volume final de drogas que penetram no país tenha mudado de maneira significativa. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime estima que um sexto dos adultos do mundo já usaram cocaína.

Os movimentos pela legalização se apoiam nessas estatísticas para pedir uma reversão da tendência de proibir. E apontam pesquisas que indicam que, com a legalização da maconha para usos recreativos em oito estados americanos, os traficantes mexicanos estão vendendo menos
maconha.

A ONU, por seu turno, pede que os países com grande público consumidor assumam sua parte da responsabilidade pelo tráfico – se existe quem vende é necessariamente porque existe quem compra.

Enquanto discutimos, as baixas se acumulam. Quem estará com a razão? “Os governos em geral conseguem desmantelar grupos, mas raramente diminuem o total de pessoas envolvidas com o tráfico, em parte porque o total de usuários também oscila pouco”, afirma o criminalista britânico John Collins, “Mas a relação direta entre liberação das drogas e a diminuição dos grupos criminosos ainda não foi confirmada na prática.”