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Matérias / Voo Aeroflot 593

Aeroflot 593: O voo pilotado por adolescente que terminou em tragédia há 30 anos

Três minutos e 15 segundos após adolescente assumir o assento do comandante, o voo Aeroflot 593 colidiu contra as montanhas na Sibéria; vitimando 75 pessoas

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 16/06/2024, às 10h00

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Imagem do acidente com o Voo Aeroflot 593 - Bureau of Aircraft Accidents Archives
Imagem do acidente com o Voo Aeroflot 593 - Bureau of Aircraft Accidents Archives

O dia 23 de março de 1994 jamais será esquecido na história da aviação. Naquela data, o voo Aeroflot 593 saiu do aeroporto internacional de Sheremetyevo, em Moscou, com destino ao aeroporto de Kai Tak em Hong Kong.

O modelo utilizado para o trajeto foi um Airbus A310, muito popular na época e um dos mais modernos usados pela Aeroflot. A viagem prevista para 14 horas, porém, acabou em tragédia, vitimando as 75 pessoas que estavam no avião (63 passageiros + 12 tripulantes). 

O Airbus A310 - Michel Gilliand via Wikimedia Commons

O que chama a atenção é que a tragédia poderia ter sido evitada se um dos pilotos não tivesse colocado seu filho de 15 anos no comando da aeronave. Relembre a tragédia do voo Aeroflot 593

+ Voo Air France 447: O que causou o acidente aéreo fatal de 2009?

Erros de conduta

Já era noite naquele 22 de março quando o voo Aeroflot 593 iniciou sua jornada de Moscou para Hong Kong. Como a viagem era prevista para 14 horas de duração, três pilotos — todos com experiência no modelo — revezariam e seriam responsáveis pelo voo; uma forma de não ultrapassar o limita da jornada de trabalho. 

Já nas primeiras horas do dia seguinte, enquanto o voo seguia em cruzeiro, o comandante Andrei Danilov encerrou seu turno e deu lugar para Yaroslav Vladimirovich Kudrinsky pilotar a aeronave. E é aí que os problemas começaram. 

Além dos dois pilotos e do co-piloto, um terceiro piloto, que viajava como passageiro, estava no voo. Ele havia pedido para acompanhar o trajeto mais de perto e ficou acomodado no assento retrátil na cabine dos pilotos. 

Além das três pessoas na cabine (o piloto, o co-piloto e o convidado), Kudrinsky também levou seus dois filhos. Era a primeira vez que Yana e Eldar acompanhavam seu pai em um voo internacional. 

Imagem do acidente com o Voo Aeroflot 593 - Bureau of Aircraft Accidents Archives

Naquela época, importante ressaltar, conforme recorda matéria do G1, as cabines de comando não eram um espaço estéril como atualmente. A ideia de torná-la um local praticamente isolado do resto da aeronave só aconteceu após os atentados do 11 de setembro

Além de colocar cinco pessoas em um ambiente pequeno e muito fácil de se distrair, a sequência de erros não para por aí. Afinal, Kudrinsky permitiu que Yana, com apenas 13 anos, se sentasse no assento do comandante — que fica do lado esquerdo da cabine. 

Enquanto a jovem estava no 'comando', em nenhum momento o piloto passou os controles para o co-piloto Igor Piskarev, que continuava responsável pelo monitoramento da aronave e pela comunicação por rádio. 

A conversa entre os cinco na cabine parecia tão calma e tranquila que Igor até relaxou, colocando seu banco para trás, portanto, ficando longe dos comandos do Airbus A310

Importante frisar que na maior parte do tempo, os voos comerciam operam em piloto automático — entre a pós-decolagem até os momentos que antecedem o pouso. Assim acontecia com o voo Aeroflot 593 enquanto Yana movia o manche do avião. 

Você vai pilotar? Vá em frente, assuma os controles", disse Kudrinsky para a filha, conforme registrado pela caixa-preta da aeronave. 

Mas os desvios de conduta do piloto foram além. Yaroslav, para proporcionar a filha a sensação de que está pilotando, acionou um botão do piloto automático (heading select) que resultou numa curva de 20 graus para a direita. Assim, o voo saiu levemente de sua rota planejada. Mas nada que atrapalhasse o destino. 

Enquanto brincava com o manche, a jovem exerceu uma pressão de 2 a 4 quilos no controle da aeronave; algo considerado desprezível pelo piloto automático — que continua operando normalmente. Ao todo, Yana ficou 7 minutos e meio sentada no lugar do piloto

Falhas continuam

Após a menina sair do 'comando', foi a vez de Eldar, de 15 anos, sentar em seu lugar. A caixa-preta do voo relata que o clima na cabine era de bom-humor e descontração entre todos. Makarov, o piloto convidado, até mesmo tirou fotos do momento. 

Eldar quer ter a mesma experiência da irmã e questiona o pai: "Posso virar aqui? O controle [manche]?", questiona. "Sim", diz Kudrinsky nos áudios gravados da cabine. "Fica de olho, nós vamos virar. Vai para esquerda, gira para esquerda!".

Nesse momento, o piloto apertou o botão novamente, mas algo mudou: Eldarpossui muito mais força que sua irmã, aplicando 10 quilos de pressão no manche. Quando a aeronave fez a curva para a esquerda, essa força subiu para 13 quilos ao fim da manobra. 

Nesse momento, o computador do Airbus A310 entendeu a força como algo contrário à orientação do piloto automático e devolveu a autoridade do voo para o piloto — entendendo que acontecia uma situação não planejada. 

Imagem do acidente com o Voo Aeroflot 593 - Bureau of Aircraft Accidents Archives

A transição, porém, não foi alertada da forma comum, ou seja, quando um aviso sonoro soa e uma mensagem aparece no painel. Uma particularidade do Airbus A310 fez com que o piloto automático não fosse desligado por completo (o que geraria os sinais), mas apenas passaria para os pilotos o controle de inclinação da aeronave em relação ao seu próprio eixo. 

Ainda assim, o piloto perceberia esse sinal com facilidade, visto que o manche ficaria mais duro. No entanto, é importante lembrar que quem 'pilotava' o avião, naquele momento, era uma criança de 15 anos e o co-piloto estava com o banco completamente para trás, sem a estabilidade que deveria ter. 

Com isso, a asa esquerda começou a inclinar levemente para cima. De forma tão sutil que ninguém percebeu. A variação só foi sentida posteriormente por Eldar: "Por que ele está virando?", registrou a caixa-preta. 

Naquele momento, os pilotos pensaram que o avião havia entrado no 'padrão de espera', usado perto dos aeroportos quando uma pista está congestionada e as aeronaves precisam ficar dando voltas até receberem a autorização. 

Ninguém havia notado o desligamento parcial do piloto automático, tampouco perceberam que o Airbus A310 estava a ponto de exceder os 45 graus limites de inclinação — que fariam a aeronave ficar praticamente numa posição irreversível; o que culminaria com sua queda. 

Alerta de emergência

Embora o piloto automático seguisse controlando outros parâmetros importantes do voo, como sua altitude programada, o avião passou a perder altura. "Segura! Segura!", grita Kudrinsky, o que faz Eldar segurar o manche. 

Porém, as falas eram para que o co-piloto segurasse o ângulo de inclinação (como já dito, Piskarev estava fora da posição adequada). O menino também não tinha o conhecimento necessário para entender a ordem. 

Logo o caos tomou conta da cabine, ainda mais depois que a asa esquerda do avião atingiu 90º em direção ao sol, fazendo o voo Aeroflot 593 perder sua sustentação. O Airbus A310 começou a cair em alta velocidade. A trepidação e a força aplicada ao manche desligaram totalmente o piloto automático. 

Após o choque de realidade, o co-piloto até tentou puxar o nariz do avião para cima enquanto Kudrinsky tentava reassumir o controle de sua poltrona. "Sai daí!", ele grita para o filho.

Recuperando a altitude, o piloto se estabeleceu em seu local, entretanto, a manobra fez o avião perder muita velocidade. Aliado a isso, recorda o G1, na troca de comando com o filho, um dos dois acabou acionando acidentalmente o pedal esquerdo, que controla o estabilizador. 

O contato fez com que o Airbus A310 passasse a girar e voltar a cair, com o nariz para baixo. Se os comandos fossem deixados em posição neutra, havia uma chance da aeronave corrigir sua posição, mas, como um dos pilotos tentou puxar o nariz para cima, e outro toque no pedal foi registrado, o avião entrou em parafuso. 

Apenas três minutos e 15 segundos depois de Eldar assumir o assento do comandante, o voo Aeroflot 593 colidiu contra as montanhas na Sibéria. A tragédia vitimou todas as 75 pessoas que estavam a bordo.