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Matérias / Dia D

Antes do Dia D, Churchill escreveu carta detonando De Gaulle: "Caráter hediondo"

Além de criticá-lo em carta jamais enviada, premiê britânico também compartilhou sentimento para outros oficiais: "não há um pingo de generosidade neste homem"

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 05/06/2024, às 18h00

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Winston Churchill ao lado de Charles De Gaulle em janeiro de 1944 - Getty Images
Winston Churchill ao lado de Charles De Gaulle em janeiro de 1944 - Getty Images

Escrita por Winston Churchill, uma carta mudaria o curso da história europeia — se tivesse sido enviada há 80 anos. Era início de junho de 1944 quando batalhões armados se reuniam na costa sul da Inglaterra com a missão de libertar a França da garra nos nazistas

Embora preocupado com possíveis vazamentos sobre a ação no campo francês, o primeiro-ministro britânico convidou o general Charles de Gaulle para voar até Londres em um avião particular que partiu de Argel.

Quando chegou à Grã–Bretanha, De Gaulle, que liderava os franceses livres, ficou sabendo sobre os acontecimentos que se desenrolaram nas próximas horas. A Invasão da Normandia, o Dia D, completa 80 anos nesta quinta-feira, 6 de junho. 

Churchill contrariado

Embora De Gaulle estivesse na Inglaterra, as coisas não seguiam conforme o planejado. Enquanto estava em sua residência oficial, na 10 Downing Street, Winston Churchill se demonstrava furioso. Precisava passar sua raiva para o papel. Poucas horas antes do início da invasão, escreveu uma carta que certamente encerraria a carreira política do francês. Não pestanejou.

A missiva, porém, conforme repercute o The Guardian, só foi descoberta recentemente entre os documentos guardados no Arquivo Nacional em Kew, no sudoeste de Londres.

Nas linhas, o premiê critica o general por não querer transmitir um discurso antes dos desembarques e por impedir o envio de oficiais de ligação franceses para acompanhar as tropas aliadas na França.

De Gaulle e Churchull inspecionando tropas francesas - Getty Images

De Gaulle cedeu, em partes, nas duas questões. Assim, a mensagem jamais foi enviada. No entanto, não deixou de registrar a insatisfação do britânico, que condenou "o caráter hediondo da ação [de De Gaulle]".

Winston também ameaçou "deixar claro ao mundo que a personalidade do general é o único e principal obstáculo entre as grandes democracias do Ocidente e o povo de França".

Relações conflituosas

Caso a carta tivesse sido enviada, certamente marcaria uma ruptura definitiva com o Comitê Francês de Libertação Nacional, presidido por De Gaulle — que tinha a intenção de ser o governador provisório da França libertada. 

Porém, conforme aponta o The Guardian, o general concordou em fazer seu discurso; apesar de muito depois do que os Aliados desejavam. Além disso, De Gaulle também permitiu que 20 dos 120 oficiais de ligação franceses se juntassem às forças aliadas enquanto atacavam as praias da Normandia. No topo da carta rascunhada por Churchill, marcado em letras maiúsculas e caneta azul, está escrito: "NÃO ENVIAR".

A missiva, guardada pelo tempo, oferece um panorama de quão tempestuosa era a relação entre os Aliados. No entanto, o vínculo entre americanos e franceses era ainda mais conturbado. 

Churchill e De Gaulle em novembro de 1944 - Getty Images

Afinal, a disputa na véspera do Dia D foi motivada por um conflito que aconteceu no início do dia, que não envolvia Winston Churchill, mas sim o comandante supremo da força expedicionária aliada, o general Dwight Eisenhower e o general De Gaulle.

Tudo porque Charles havia exigido que fosse reescrito o discurso proposto por Eisenhower para o Dia D — o qual ele leu pela primeira vez em 5 de junho. De Gaulle queria que o comandante dissesse que as autoridades francesas restabeleceriam o governo civil, proporcionando ao general um papel importante com seu governo provisório. Eisenhower, porém, estava comprometido com novas eleições para quando a França fosse liberta.

O pedido de De Gaulle para os Aliados não só era inaceitável como muito tardio, afinal, os folhetos da transmissão de Eisenhower, que seriam distribuídos pela Normandia, já haviam sido impressos. Já na Casa Branca, o então presidente Franklin Roosevelt foi inflexível: De Gaulle só seria tratado como presidente da França caso os franceses dissessem isso nas urnas. 

A tempestade pode ter se acalmado naquele momento, mas o clima permaneceu nebuloso durante a guerra. Antes da briga, Churchill havia concordado que o general francês poderia visitar Normandia após a invasão das tropas anfíbias. 

Ao general Bernard Montgomery, comandante de todas as forças terrestres Aliadas durante a Operação Overlord, o premiê enviou uma carta, em 13 de junho, em tom de desculpas: "Devo infligir-lhe uma visita do General de Gaulle amanhã".

Já ao então secretário dos Negócios Estrangeiros da época, Anthony Eden, Churchill observou: "Lembre-se de que não há um pingo de generosidade neste homem, que apenas deseja posar como o salvador da França nesta operação sem um único soldado francês nas suas costas. Você sabe as razões pelas quais o trouxemos para cá e que elas surgiram por puro cavalheirismo para com seu infeliz país, para lhe contar sobre a batalha antes dela ser travada; e que ele pensou que só o tínhamos trazido aqui para que ele fizesse uma transmissão apoiando isso".

Por fim, Charles De Gaulle acabou voltando para Paris em setembro de 1944 e foi reconhecido pelos Aliados como presidente do governo provisório francês. No entanto, ele acabou renunciando cerca de dois anos depois, alegando que não tinha poder de governo suficiente. 

O general ainda regressou em 1958 para chefiar um novo governo de emergência, após uma revolta na Argélia ter levado a uma crise política. Charles De Gaulle morreu aos 79 anos, em 9 de novembro de 1970, levando por toda sua carreira uma relação tensa com o Reino Unido — impedindo-o de aderir à comunidade econômica europeia, precursora da União Europeia, em 1963 e 1967.

Leia a carta abaixo na íntegra!

"General de Gaulle, lamento muito que tenha recusado se juntar às outras Nações Unidas envolvidas nas transmissões, que serão feitas nas fases iniciais desta grande e, em muitos aspectos, única batalha. 

Tentei arduamente em muitas ocasiões, durante quatro anos, estabelecer alguma base razoável para uma camaradagem amigável com vocês. Sua ação neste momento me convence de que esta esperança não existe mais.

Se algo poderia tornar as coisas mais claras, seria a sua recusa em permitir que os 120 oficiais de ligação franceses, que foram tão cuidadosamente treinados, acompanhassem os exércitos anglo-americanos para a França e a sua ordem para que abandonassem o esforço que está sendo feito agora para a libertação.

Qualquer que seja o rumo que eles tomem, não diminui de forma alguma o caráter hediondo de sua ação, e considero meu dever dizer-lhe que, na primeira oportunidade conveniente, tendo em conta as operações militares, deixarei claro ao mundo que a personalidade de 'O General de Gaulle' é o único e principal obstáculo entre as grandes democracias do Ocidente e o povo da França, para quem o resgate está indo, não importa qual seja o custo.

Não consigo conceber nenhum propósito útil em você ficar mais tempo e que os aviões estarão à sua disposição amanhã à noite, se o tempo permitir".