Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Arte

Can't Help Myself: A melancólica obra de arte que provoca reflexões sobre a vida

Braço robótico que puxa líquido viscoso que se parece com sangue deixou muita gente perplexa: ‘Nenhuma obra de arte me afetou emocionalmente como essa’

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 12/11/2023, às 10h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
A instalação Can’t Help Myself - Divulgação/ Museu Guggenheim
A instalação Can’t Help Myself - Divulgação/ Museu Guggenheim

Preso em uma grande caixa de acrílico, um braço robótico tem apenas uma função: conter o líquido vermelho-escuro viscoso, que mais se parece com sangue, em uma área predeterminada.

Quando seus sensores detectam que o fluido escorreu para longe, o braço puxa novamente tudo para seu devido lugar. Um trabalho perpétuo que traz diversas interpretações sobre nossa vida.

A obra

Em 2016, o Museu Guggenheim encomendou sua primeira obra de arte robótica chamada Can't Help Myself ('Não consigo me ajudar', em tradução livre), criada pelos controversos artistas chineses Sun Yuan e Peng Yu.

Modificando um braço robótico, frequentemente visto em linhas de produção como fábricas de automóveis, Sun e Peng instalaram uma pá personalizada em sua ponta. Com a ajuda de dois engenheiros de robótica, eles projetaram uma série de 32 movimentos para a máquina executar.

A instalação impressionou os visitantes da Bienal de Veneza de 2019, onde foi exposta. Embora o choque do primeiro momento, com o tempo a instalação foi ganhando ares ainda mais melancólicos e reflexivos; afinal, o robô passou a diminuir a velocidade de seu trabalho.

Além disso, na tentativa de limpar a bagunça, cada vez mais a máquina deixava manchas no chão e o líquido viscoso respingar na parede e também no próprio braço. Veja o vídeo abaixo!

Os artistas

Conforme aponta artigo da Diggit Magazine, as obras de Sun Yuan e Peng Yu são conhecidas por serem multifacetadas e também por suas reflexões sobre questões modernas e cotidianas — como a morte, a percepção e à condição humana.

Sun e Peng também são vistos como dois dos artistas mais controversos da China, pelo fato de suas instalações extremas e contemporâneas serem consideradas conflituosas e provocativas. Usando meios não convencionais, eles já criaram obras com máquinas, tecido adiposo humano e até mesmo cadáveres de bebê; algo intrigante e fascinante para muitos.

Sun Yuan e Peng Yu/ Crédito: Divulgação

Entre suas obras populares se destacam a instalação Old People's Home (2008) (veja aqui!), em que 13 esculturas hiper-realistas de líderes mundiais idosos vagam continuamente por uma pequena sala em cadeiras de rodas elétricas; e também a polêmica Dogs Which Cannot Touch Each Other (2003) (veja aqui), onde oito cães são amarrados em esteiras, podendo apenas correr para frente.

Viral

Embora a exposição tenha terminado em 2019, Can't Help Myself voltou a viralizar novamente nas redes sociais recentemente. Tudo por conta das interpretações que instalação oferece.

No Facebook, uma postagem gerou enorme repercussão ao destacar o depoimento de um dos visitantes: "Nenhuma obra de arte me afetou emocionalmente como este pedaço de braço robótico", comentou James Kricked Parr.

Ele está programado para tentar conter o fluido hidráulico que vaza constantemente e é necessário para continuar funcionando… se vazar muito, ele morrerá. Então, está tentando desesperadamente puxá-lo de volta para continuar a lutar por mais um dia."

Outros comentários destacam que o braço robótico "parece tão cansado e desmotivado"; outro indaga: "por que não podemos simplesmente deixá-lo descansar?".

A instalação também provocou comparações entre as semelhanças de uma vida triste e sem sentido do robô com a vida de uma sociedade digital e capitalista; refletindo sobre a alienação que acompanha o trabalho inútil e como isso também afeta o robô.

Os comentários também abordam como a máquina está "limpando continuamente os pedaços de [si mesmo] enquanto [eles] se desfazem incessantemente sozinhos; ao mesmo tempo, em que todos os observam e os usam para entretenimento''.

Outra usuária aponta paralelos da relação humana com a tecnologia: "O robô nos representa, enquanto passamos horas por dia assistindo vídeos do YouTube e curtindo TikToks, apenas para perceber a inutilidade disso quando já perdemos nosso tempo".

Autoritarismo no mundo

Um artigo publicado no site do Museu Guggenheim, porém, apresenta outra interpretação para a instalação. "A dança interminável e repetitiva do robô apresenta uma visão absurda do [mito de] Sísifo e das questões contemporâneas em torno da migração e da soberania".

"No entanto, as marcas semelhantes a manchas de sangue que se acumulam à sua volta evocam a violência que resulta da vigilância e guarda das zonas fronteiriças. Estas associações viscerais chamam a atenção para as consequências do autoritarismo guiado por certas agendas políticas que procuram traçar mais fronteiras entre lugares e culturas e para o uso crescente da tecnologia para monitorizar o nosso ambiente", completa.

A questão é expandida por Xiaoyu Weng, curador associado da Robert HN Ho Family Foundation do Museu Guggenheim. "Com o robô, os artistas conseguiram oferecer uma reflexão crítica sobre questões modernas, como migração, vigilância, autoritarismo e até mesmo sobre a própria tecnologia".

Weng argumenta que robô Can't Help Myself confronta questões relacionadas à vigilância, ao policiamento de fronteiras e ao autoritarismo; algo corroborado por Tara McCullough, da Edinburgh College of Art, que diz: "[A obra] pretende representar as tentativas dos governos de usar máquinas e avanços modernos em tecnologia para proteger a si mesmos e a seus países".

Em sua visão, para impedir que a população escape de países com regimes autoritários, os seus respectivos governos recorrem à maquinaria e a novas tecnologias de vigilância. "Portanto, o robô de Can't Help Myself representa esses governos, e o líquido semelhante a sangue representa os seus cidadãos, que são forçados a regressar aos seus países não-livres depois de tentarem escapar".

"Além disso, a obra de arte representa a dor que surge quando os imigrantes, que desejam desesperadamente construir uma nova vida num país desconhecido, são rejeitados e enviados de volta ao seu país de origem pelos governos que impõem as suas fronteiras. Dessa forma, as manchas de líquido semelhante a sangue deixadas pelo robô enquanto ele executa sua tarefa representam a violência que ocorre nas zonas fronteiriças", finaliza.