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Matérias / Civilizações

Conheça Cartago, a civilização que rivalizou com gregos e romanos

Os barcos cartagineses beiravam a perfeição. Assim, a principal cidade fenícia se firmou como potência naval

Texto Pablo Villarrubia // Revisado por Izabel Duva Rapoport Publicado em 02/11/2020, às 09h00

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Representação dos conflitos de Cartago - Arquivo - AH
Representação dos conflitos de Cartago - Arquivo - AH

A poucos quilômetros de Túnis, capital da Tunísia, o taxista entrou à esquerda. Foi subindo a encosta de uma colina em cujo cume ergue- se uma igreja. Em pleno país muçulmano, os franceses construíram em 1890 a Basílica de São Luís.

O carro parou na entrada da antiga acrópole de Byrsa, onde várias civilizações deixaram sua marca. Lá do alto contempla-se o Mediterrâneo. Aqui estão as ruínas da mítica Cartago, que um dia foi centro de uma das civilizações mais poderosas do planeta e chegou a ter mais de meio milhão de habitantes.

Como a maioria das grandes cidades do mundo antigo, o nascimento de Cartago (814- -813 a.C.) está envolto em mitos e lendas. A cidade teria sido fundada por uma princesa chamada Elisa, também conhecida como Dido. Seu irmão, o rei Pigmaleão, da cidade fenícia de Tiro, no Líbano, assassinara o tio, Acherbas, sacerdote do templo de Astarté, a deusa fenícia da fertilidade.

A briga interna pelo poder levou Elisa a fugir junto com sua irmã rumo à ilha de Chipre, onde conheceram outro sacerdote de Astarté, que a elas se juntou. Ele levou consigo 80 mulheres que tinham uma função especial: fazer sexo com viajantes e outros homens para garantir o povoamento das novas terras.

Os fugitivos teriam aportado no norte da África, onde Elisa negociou com os nativos seminômades que habitavam a região a posse de terras para instalar o seu pequeno grupo.

Segundo a lenda, a princesa só poderia ocupar o terreno que cobrisse com uma pele de boi. Astutamente, já que os fenícios sempre tiveram a fama de fazer bons negócios, Elisa cortou a pele em tiras muito finas e rodeou com elas uma colina chamada Byrsa (em grego, “pele de boi”).

Ilustração de Cartago /Crédito: Wikimedia Commons

Mas o fim de Elisa, ou Dido, não foi feliz: Yarba, um líder local, se apaixonou pela jovem donzela e a obrigou a casar-se sob ameaça das armas; contrariada, ela se lançou às chamas e acabou com a própria vida. Essa história foi contada, pela primeira vez, por Justino, historiador romano do século 1 a.C., um dos grandes autores clássicos.

Historicamente, porém, a fundação de Cartago marca o fim do período de “inocência” dos fenícios, que até então ocupavam uma estreita faixa de terra na Síria atual, entre a
margem do Mediterrâneo e as montanhas do Líbano.

“Eles estavam ali havia 3 mil anos, organizados em forma de clãs, e mantinham postos comerciais em territórios vizinhos, com os quais tinham relações quase sempre amistosas”, afirma a arqueóloga Karin Mansel.

Por volta de 1000 a.C., no entanto, os fenícios organizaram uma poderosa federação entre as cidades-estados e, tendo Tiro à frente, iniciaram um processo de expansão sem precedentes.

Eles já dominavam a metalurgia, fabricavam ligas de ouro e outros metais, e eram excelentes para fazer armas, objetos de vidro e cerâmica.

Além disso, praticamente monopolizavam o comércio de algumas das matérias-primas mais valorizadas da época, como marfim, pedras preciosas e púrpura, um pigmento extraído de moluscos utilizado para tingir tecidos (daí vem, inclusive, o nome grego pelo qual são conhecidos até hoje: phoini; a raiz da palavra fenício, em grego, significa “vermelho”).

Mas eles se destacavam, sobretudo, pela sua numerosa e proeminente frota naval. É compreensível, portanto, que sua expansão fosse predominantemente marítima. Eles conquistaram ilhas ao sul da península itálica e portos em toda a costa do Mediterrâneo.

No norte da África, o controle sobre a matéria-prima, o aumento da produção e, principalmente, a localização privilegiada fizeram com que a importância de Cartago – cujo nome em fenício, Qart Hadasht, significa “cidade nova” – crescesse rapidamente e assumisse uma posição de destaque entre as cidades fenícias.

Se na Ásia os fenícios seriam conquistados sucessivamente, a partir do século 8 a.C., por babilônicos, persas e mesopotâmicos, Cartago prosperaria independente. E, mais tarde, quando Tiro caiu, em 322 a.C., a cidade assumiria de vez a predominância.

Na fase inicial da civilização de Cartago, sua principal arma de desenvolvimento não era bélica, mas o protecionismo comercial, protagonizado por sua diversificada indústria naval.

Ninguém construía barcos como os fenícios e, em Cartago, essa indústria chegaria próximo da perfeição. Suas embarcações mercantis mediam entre 20 e 30 metros de comprimento e entre 6 e 7 metros de largura. A proa era normalmente decorada com a escultura de uma cabeça de cavalo.

No casco, eram pintados dois olhos, um de cada lado, cujo objetivo místico era permitir ao barco “enxergar” melhores caminhos. Havia uma vela retangular, e a embarcação era orientada por um timão, na verdade um leme situado perto da popa. Cartago mantinha rígido controle sobre seus parceiros comerciais, exigindo exclusividade e fidelidade dos fornecedores.

Os cartagineses dominavam portos e rotas de distribuição e assim estenderam sua influência pelo norte do continente. Esse controle sobre possessões marítimas é conhecido como talassocracia.

Alguns historiadores acreditam que os hábeis navegantes chegaram até a costa de Moçambique, onde negociaram com os vendedores de ouro das minas do atual Zimbábue. Em 654 a.C., eles fundaram uma colônia em Ibiza, uma das ilhas do arquipélago das Baleares, na Espanha.

Apesar das táticas comerciais, o confronto com outras potências da época tornou-se inevitável. No século 6 a.C., uma série de combates colocou frente a frente duas forças mediterrânicas: os cartagineses e os gregos, maior potência da época.

Por volta de 600 a.C., a Marinha de Cartago impediu que os gregos estabelecessem uma colônia na região onde hoje fica Marselha na França. Apesar de derrotada, a frota cartaginesa causou tantas baixas entre os gregos que inviabilizou a fixação de uma cidade na região.

Cinquenta anos depois, o general cartaginês Malco atacou a ilha da Sicília e conseguiu
romper o domínio helênico. Dos poderosos estaleiros cartagineses saíam, nessa época, os mais modernos navios de guerra da Antiguidade.

Eles eram 2 ou 3 metros mais estreitos que os cargueiros e eram impulsionados por remos. Afinal, não se podia depender dos ventos para alcançar os inimigos. Os mais comuns eram os trirremes, que possuíam uma tripulação de até 180 homens e mediam uns 36 metros de comprimento.

Embarcações maiores, as penteras, tinham 40 metros de comprimento. Eram dotadas de velas e remos e levavam entre 240 e 300 homens. As primeiras vitórias importantes de Cartago vieram depois de um pacto com os etruscos, no ano 535 a.C. Juntos, eles derrotaram os gregos na Batalha de Alalia, na costa ocidental da Córsega.

Os etruscos ficaram com a Itália continental e os cartagineses, com as ilhas e o setor
ocidental do Mediterrâneo. Mas nenhuma dessas conquistas seria definitiva e, em 480 a.C., os gregos infligiram uma derrota às tropas cartaginesas situadas na costa norte da Sicília, que só reagiriam em 409 a.C., quando iniciaram uma campanha decisiva pelo controle da região.

Em 367 a.C. já dominavam a Sicília e, em seguida, invadiram a Sardenha a partir de um tratado com Roma, com a qual mantinham uma política de não agressão.

Riqueza interna

No século 4 a.C., Cartago já era uma poderosa república aristocrática, uma espécie de Veneza antiga, onde os cidadãos estavam submetidos às leis de ricos austeros e disciplinados. Existiam dois organismos políticos importantes: a Assembleia do Povo e o Conselho de Anciões, uma espécie de Senado.

Nessa época, o filósofo grego Aristóteles chegou a elogiar as instituições políticas cartaginesas. A constituição de Cartago era considerada mista, ou seja, reunia elementos de cada um dos três grandes sistemas políticos da Antiguidade: o monárquico, o aristocrático (ou oligárquico) e o democrático.

Existia também uma espécie de tribunal chamado “Conselho dos Cento e Quatro”. Se não havia paz nas fronteiras marítimas, internamente o cenário era completamente outro: havia prosperidade e riqueza.

No começo do século 3 a.C., o grego Agátocles de Siracusa chegou às portas de Cartago. Diodoro de Sicília (cronista grego do século 1 a.C., autor da Biblioteca Histórica), deixou escrito o que seus compatriotas viram naquele território proibido:

“Estava semeado de jardins e pomares de todo tipo, já que muitos rios estavam canalizados e regavam todos os lugares. Apareciam sem interrupção casas de campo edificadas com luxo e pintadas com cal, fato que atestava a riqueza de seus proprietários. Os povoados estavam cheios de tudo o que contribui com os prazeres da vida, posto que os habitantes, em um longo tempo de paz, puderam acumular uma grande quantidade de bens. A terra estava cultivada em parte com vinhedos, em parte com oliveiras, e também era rica em outras árvores frutíferas. Nas outras zonas pastavam nas planícies manadas de bois e rebanhos de ovelhas, e as pradarias próximas estavam repletas de cavalos de pastoreio. Em outras palavras: aquela zona vivia na opulência, uma vez que os cartagineses mais nobres tinham ali suas possessões e, graças aos seus recursos, podiam dedicar-se ao desfrute dos prazeres da vida”.

Inimigos de Roma 

A ascensão de Cartago sobre as possessões gregas aumentou a tensão entre cartagineses e romanos pelo controle comercial do Mediterrâneo. Novamente, o cenário para o confronto estava desenhado e, em 264 a.C., começavam as Guerras Púnicas (“púnico” era o termo latino para designar os fenícios e mais precisamente os cartagineses, já que estes estavam em contato mais próximo com Roma).

Sob a liderança do cônsul Appio Cláudio Cego, os romanos prepararam-se para uma guerra marítima e construíram uma frota novinha, dotada dos mais modernos instrumentos de guerra. Além disso, treinaram tropas especialistas nessa modalidade de combate.

Os romanos introduziram inovações, como o “corvo”, uma espécie de ponte móvel que eles lançavam sobre os barcos inimigos para realizar manobras de abordagem. Empregando a nova frota, no ano 260 a.C., Roma obteve uma espetacular vitória em Milazzo, um importante porto na Sicília. Em 247 a.C., os romanos invadiram a ilha, que se transformara numa das principais colônias cartaginesas e era defendida pelo general Amílcar Barca.

Os combates se estenderam até 241 a.C., quando os romanos venceram e obrigaram o inimigo a abandonar a Sicília. Como parte da rendição, os cartagineses foram obrigados a aceitar um acordo pelo qual se comprometeram a devolver prisioneiros e a pagar uma grande indenização pelos danos à frota romana.

Atacada em suas possessões pelos romanos, Cartago tinha também problemas internos. Em 238 a.C., soldados mercenários se revoltaram e dominaram a Sardenha, de onde, ajudados pelos romanos, partiram para invadir a vizinha ilha da Córsega. A revolta só seria controlada um ano depois.

Mas essa época não seria unicamente de reveses. Em 229 a.C., Asdrúbal Barca fundou a cidade de Cartagena, na atual Espanha. A Península Ibérica seria palco da chamada Segunda Guerra Púnica, a partir do ano 218 a.C. O filho de Asdrúbal, Aníbal, conquistou vastos territórios e suas tropas atravessaram a cordilheira dos Pirineus, a Gália e os Alpes.

A campanha em direção ao coração de Roma ficaria célebre pelo uso de elefantes africanos como verdadeiros tanques de guerra. Aliando-se a Felipe V, rei da Macedônia, Aníbal venceu várias batalhas, mas não deteve o poder de Roma.

Em 209 a.C., as tropas romanas marchavam sobre Cartagena e, em 204 a.C., o general romano Cipião finalmente desembarcou na África e marchou para Cartago.

Aníbal deslocou às pressas suas forças para a outra margem do Mediterrâneo, mas foi derrotado na batalha de Zama. As condições de paz foram desastrosas: Cartago devia renunciar às suas colônias na Península Ibérica e na África, destruir sua frota naval e também pagar vultosas indenizações.

O período de decadência que se seguiu coincidiu também com o predomínio do poder romano em toda a região. Entre a Segunda e a Terceira Guerra Púnica, os romanos conquistaram Macedônia, Grécia, Ásia Menor e Síria. Já no ano de 149 a.C., atacaram Cartago com o pretexto de defender a Numídia, aliada de Roma.

O resultado foi que, em 146 a.C., a cidade foi completamente arrasada pelos romanos, que ainda por cima escravizaram cerca de 40 mil homens. “Os romanos incendiaram a cidade, porém Cartago não foi totalmente destruída naquele ano. Hoje se sabe, graças às escavações, que eles mantiveram algumas edificações e ocuparam a região pelo menos por 100 anos”, afirma Karin Mansel. Em 29 a.C., Otávio Augusto, que mais tarde se tornaria o primeiro imperador romano, fundou sobre a colina de Byrsa – antiga acrópole púnica – a colônia Iulia Concórdia Cartago.

Para isso ordenou a nivelação do terreno, um trabalho gigantesco que pode ter levado cerca de 20 anos. Entre 3 e 4 hectares foram arrasados. Por isso nunca saberemos como era exatamente o coração e a alma daquele grande império, com suas muralhas, palácios dos soberanos e o templo de Eshmun, o último bastião defensivo cartaginês.

“Tudo isso foi removido junto nos mais de 100 mil metros cúbicos de escombros que foram lançados colina abaixo, acabando com quase todos os vestígios da antiga Cartago fenícia”, diz Karin. Na versão romana, a colina foi contornada por muros de contenção. Aliás, parte deles ainda existe. Podem ser contemplados diante do museu de Cartago.


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