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Matérias / Titanic

‘A criança desconhecida do Titanic’: A triste saga de uma vítima de 19 meses

Após o naufrágio, em abril de 1912, o corpo de uma criança de cerca de dois anos foi visto boiando no oceano. Sua identidade só foi descoberta em meados de 2017

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 18/02/2023, às 00h00 - Atualizado em 27/06/2023, às 16h32

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Foto de Sidney Goodwin - Domínio Público
Foto de Sidney Goodwin - Domínio Público

Com a fama ao redor do mundo de ‘inafundável’, o luxuoso RMS Titanic partiu do porto de Southampton, na Inglaterra, em abril de 1912. A magistral embarcação tinha como destino a cidade norte-americana de Nova York. 

Entretanto, quatro dias após o início da viagem, o Titanic colidiu contra um iceberg enquanto cruzava o Atlântico. Entre os dias 14 e 15 de abril de 1912, o navio naufragou. Das 2.223 pessoas a bordo, 1.517 delas morreram, entre passageiros e tripulantes.

110 anos depois da tragédia, poucos corpos foram identificados pelas mais diversas razões. O primeiro deles é que, durante as buscas, a equipe de resgate encontrou apenas 333 corpos, mas decidiu devolver ao mar cerda de metade desse número, visto que o avançado estado de decomposição os deixou irreconhecíveis. O resgate dos corpos foi uma tarefa complicada.

Fotografia mostrando o Titanic deixando o porto / Crédito: Wikimedia Commons

Além disso, pelo muitos passageiros viajarem com a identidade falsa, se tornou impossível saber ao certo que estava naquela embarcação. Do que foram resgatados, uma história se destaca: “A criança desconhecida do Titanic”

O resgate

Conforme aponta a NBC News, cerca de cinco dias após o naufrágio do RMS Titanic, a tripulação do navio de resgate Mackay-Bennett retirou o corpo de um menino louro de aproximadamente 2 anos do Oceano Atlântico, em 21 de abril de 1912. O cadáver estava boiando pelas águas. 

A vítima do naufrágio seguiu o mesmo caminho que muitas outras, sendo enterrada no cemitério em Halifax, na Nova Escócia. No local, ela ganhou uma lápide com a inscrição: "erguido em memória da 'criança desconhecida' cujos restos foram recuperados após o desastre do Titanic — 15 de abril de 1912". 

Tempos depois, pesquisadores acreditavam que haviam finalmente descoberto a identidade daquele menino: seria Gösta Leonard Pålsson, uma criança sueca de dois anos que foi levada pelo mar quando o Titanic afundou

A mãe de Gösta, Alma Pålsson, também foi recuperada. Ela carregava as passagens de todos os quatro filhos no bolso. Por conta disso, acabou sendo enterrada em uma cova atrás da “criança desconhecida”.

Cena do filme "Titanic" (1997)/ Crédito: Divulgação / 20th Century Studios

Entretanto, no início dos anos 2000, o professor adjunto da Lakehead University, em Ontário, Ryan Parr, começou um esforço para identificar a criança por meio de testes genéticos. 

Eu pensei: 'Uau, eu me pergunto se alguém está interessado ou ainda se preocupa com as vítimas não identificadas do Titanic'", relatou à NBC. 

O trabalho de busca

Em 2001, Parr obteve a permissão da família Pålsson para que os restos mortais fossem exumados do Fairview Lawn Cemetery, um dos cemitérios de Halifax onde as vítimas do Titanic foram enterradas.

No caixão foi encontrado apenas um fragmento de 6 centímetros de um osso do braço e três dentes. Por sorte, isso foi o suficiente. O material genético foi extraído de uma seção das mitocôndrias (centros produtores de energia das células) que rapidamente acumula mutações, chamada HV1, aponta a LiveScience. 

Como o DNA mitocondrial é passado de mãe para filho, a equipe de pesquisadores comparou a sequência genética da “criança desconhecida” com amostras de parentes maternos da família Pålsson. Os dados não batiam. 

Sendo assim, a equipe passou a abrir o leque de possibilidade e incluiu o nome de outros cinco meninos que foram vítimas do naufrágio do RMS Titanic: todos menores de três anos. 

Suposto Icerbeg responsável pelo naufrágio do Titanic, em imagem tirada pelo capitão De Carteret / Crédito: Divulgação / US Department of Homeland Security 

Com a ajuda de Alan Ruffman, pesquisador associado do Museu Marítimo do Atlântico, todas as linhagens maternas das seis crianças (o que incluía Pålsson) foram rastreadas. Genealogistas, historiadores, tradutores, bibliotecários, arquivistas, pesquisadores do Titanic e familiares foram consultados. 

Ao comparar o HV1 da “criança desconhecida” com todas as outras jovens vítimas, exceto dois deles foram eliminados: Eino Viljami Panula, um menino finlandês de 13 meses, e Sidney Goodwin, de 19 meses. 

Com isso, aponta a NBC News, uma nova análise especializada na arcada dentária foi feita, o que colocava a idade da vítima entre 9 e 15 meses — desta forma, Goodwin estava eliminado, por ser mais velho. Em 2004, os pesquisadores publicaram um estudo identificando a “criança desconhecida” como Eino Viljami Panula. Outro erro!

Enfim, um fim

Mas as dúvidas sobre o resultado surgiram devido a um par de sapatos de couro, resgatados por Clarence Northover, um sargento da polícia de Halifax em 1912, que ajudou a guardar os corpos e pertences das vítimas do Titanic, aponta o site do Museu Marítimo do Atlântico. 

Uma carta do neto de Northover, Earle, dá conta de que os pertences das vítimas do Titanic foram queimados para evitar que caçadores de souvenirs roubassem qualquer item pessoal deles. Mas Clarence não teve coragem de dar fim aqueles sapatinhos. 

Como ninguém apareceu para buscá-los, Clarence os deixou guardado em uma gaveta de sua escrivaninha na delegacia. Em 2002, Earle os doou ao Museu Marítimo do Atlântico. Mas um detalhe chamava a atenção, eles seriam grandes demais para serem usados por uma criança de 13 meses. 

Assim, Parr e sua equipe fizeram uma nova identificação, agora com a ajuda do Laboratório de Identificação de DNA das Forças Armadas dos Estados Unidos. O grupo examinou outra seção menos propensa a mutações do DNA mitocondrial, onde encontraram uma única diferença que indicava que Goodwin poderia realmente ser a “criança desconhecida”.

A confirmação veio depois que o laboratório das Forças Armadas encontrou uma segunda e única diferença em outra seção do DNA. "Felizmente, foi uma diferença rara, então é isso que dá 98% de certeza de que a identificação está correta", disse Parr ao LiveScience. A confirmação só se deu em 2007. 

Sidney Leslie Goodwin

Nascido em 9 de setembro de 1910 em Melksham, na Inglaterra, Sidney Leslie Goodwin era o filho mais novo de Joseph Frederick Goodwin e Augusta Tyler. Seu tio, Thomas, havia se mudado para Nova York e escreveu para seu pai lhe avisando de uma oportunidade de emprego. 

Joseph não pensou duas vezes em se mudar com a esposa e os seus seis filhos: Lillian (16 anos); Charles (14), William (11); Jessie (10); Harold (9) e Sidney, de 19 meses. A reserva da viagem foi feita para o SS New York de Southampton, mas a greve do carvão naquele ano adiou a viagem, transferida para o RMS Titanic

A família Goodwin/ Crédito: Domínio Público

Viajantes da terceira classe, quando os Goodwin souberam da colisão com o iceberg, os botes salva-vidas já haviam sido lançados ao mar. Todos morreram no naufrágio. A história deles serviu como tese para o historiador Walter Lorde

Em seu livro, 'The Night Lives On', ele decida um capítulo todo aos Goodwin, rebatendo as alegações da White Star Line que o alto número de passageiros mortos da terceira classe se deu ao fato de que eles não falavam inglês. 

Em 6 de agosto de 2008, parentes da família Goodwin realizaram um serviço memorial no Cemitério Fairview Lawn, onde agora acreditam que Sidney Goodwin foi enterrado sob a lápide da “criança desconhecida”.

O túmulo da "criança desconhecida"/ Crédito: Christopher Sibley via Wikimedia Commons

A lápide da 'criança desconhecida' representa todas as crianças que morreram no Titanic, e nós a deixamos assim", explica Carol Goodwin, cujo a avó era irmã de Frederick Goodwin, à LiveScience.