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Matérias / História

A filha de Cleópatra que teve um triunfante reinado e foi ignorada na História

A rainha egípcia Cleópatra e o cônsul romano Marco Antônio tiveram uma filha que, embora sucessora de trono, foi ignorada por muitos historiadores; confira!

Éric Moreira Publicado em 27/04/2023, às 17h09 - Atualizado em 29/04/2023, às 13h25

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Provável busto de Cleópatra Selene II, a filha de Cleópatra - Foto por PericlesofAthens pelo Wikimedia Commons
Provável busto de Cleópatra Selene II, a filha de Cleópatra - Foto por PericlesofAthens pelo Wikimedia Commons

Por um período da História, dois dos maiores impérios que já pisaram no mundo, o Império Egípcio e o Romano, foram aliados. Um dos importantes nomes relacionados a essa aliança é o da lendária Cleópatra que, embora tenha sido uma poderosa governante, era odiada pelos romanos, que consideravam-na a responsável por seduzir o cônsul Marco Antônio, atraindo-o para uma aliança malfadada.

Porém, com a chegada da Guerra Civil Romana, que ocorreu no século I a.C., Cleópatra e Marco Antônio se viram forçados a fugir para Alexandria, então capital do Egito, onde cometeram suicídio para evitar serem capturados pelas tropas de Octávio, o futuro imperador Augusto.

Apesar da morte trágica de uma das mais importantes governantes do Egito, e mesmo considerando-a quase uma inimiga, os romanos ainda nutriam grande afeição pelo outro império. E essa situação ambígua, uma mistura entre ódio e admiração por Cleópatra, certamente foi importante durante a vida da única filha da rainha, a Cleópatra Selene II.

Quadro de 1882 retratando Cleópatra esperando uma visita de Marco Antônio
Quadro de 1882 retratando Cleópatra esperando uma visita de Marco Antônio / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Infância conturbada

Nascida em 40 a.C., Cleópatra Selene II foi criada no Palácio Real de Alexandria até a morte de seus pais, quando tinha somente 10 anos. Depois disso, ela, seu irmão gêmeo, Alexander Helios, e seu irmão mais novo, Ptolomeu Philadelphus, foram levados para Roma e deixados sob os cuidados da casa de Otávia, irmã de Otaviano e ex-esposa de seu pai, Marco Antônio.

Embora Suetônio, biógrafo de Otaviano, escrevesse que o futuro imperador era uma figura paterna gentil e que insistia que os filhos de Cleópatra fossem cuidados como se fossem seus, a professora de história antiga da Universidade de Glasgow, Jane Draycott, explica em reportagem ao HistoryExtra que a decisão carregava, também, certa dimensão política.

Afinal, manter certo controle sobre aquelas crianças poderia neutralizar qualquer ameaça ao poder de Roma sobre o Egito, visto que elas eram legítimas herdeiras da rainha.

Busto de Otaviano, que viria a se tornar o imperador Augusto
Busto de Otaviano, que viria a se tornar o imperador Augusto / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Estratégias de controle

A primeira vez que esse controle de Otaviano se expressou foi durante o Triplo Triunfo de Otávio, um evento organizado para celebrar os recentes êxitos militares que o Império Romano passou, no verão de 29 a.C.

Na ocasião, o terceiro e último dia das celebrações comemorou a fatídica conquista do Egito e, na ausência da presença de Cleópatra, as crianças passaram por uma efígie da rainha entrelaçada em cobras, animais que foram supostamente utilizados em seu suicídio.

Durante o evento, Cleópatra Selene vestiu-se de Lua, enquanto seu irmão gêmeo, Alexandre Helios, de Sol. As fantasias foram decididas em referência aos seus nomes de deuses, Selene e Helios, que se referenciam respectivamente à Lua e ao Sol, dados a eles por Marco Antônio.

Escultura representando os gêmeos, Cleópatra Selene II e Alexandre Helios
Escultura representando os gêmeos, Cleópatra Selene II e Alexandre Helios / Crédito: Foto por Wikimedia Commons

Ao contrário do que aconteceu com outros inimigos de Roma, que muitas vezes eram mortos em rituais após esses eventos, os irmãos foram mantidos vivos. Mas enquanto Alexandre Helios e o caçula, Ptolomeu Philadelphus, foram apenas integrados à futura família imperial romana, a situação com Cleópatra Selene II era mais delicada.

Isso porque seu pai, Marco Antônio, a havia declarado rainha de Creta e Cirenaica (parte da atual Líbia) em 34 a.C., sendo assim considerada a única rainha legítima do Egito, depois que sua mãe morreu. Porém, eventualmente Otaviano encontrou uma solução para essa questão: Gaius Julius Juba.

União de semelhantes

Assim como Cleópatra Selene II, Gaius Julius Juba — ou Juba II — foi o último descendente com direito a trono de uma família real deposta pelo Império Romano. Seu pai, Juba I, foi o rei da Numídia (uma região ao norte do Saara), mas que durante a Guerra Civil Romana apoiou Pompeu, o Grande, em vez de Júlio César, o vencedor.

Com a derrota, então, o rei também cometeu suicídio, e Roma confiscou seu reino, seu tesouro e sua descendência, de forma que Otaviano, filho adotivo de Júlio César e futuro imperador, adotou Juba II como seu pupilo.

Assim como Cleópatra Selene II, Juba II foi exibido em uma procissão militar — o Quádruplo Triunfo de Júlio César em 46 a.C. — mas, também, foi poupado. Então, por volta de 25 a.C., os dois se casaram e, depois, foram enviados para a Mauritânia (atual Marrocos e Argélia), um "reino cliente" de Roma, ou seja, uma região aliada.

Busto de Juba II
Busto de Juba II / Crédito: Foto por Fonds Françoise Foliot pelo Wikimedia Commons

Mauritânia

Um vasto território abençoado com certa riqueza de recursos naturais, incluindo alguns luxos que o Império Romano se interessava, como tinta púrpura, cidra e alguns animais exóticos, além de alimentos básicos como grãos e peixes, a Mauritânia era o único reino cliente de Roma no lado oeste do Império.

E essa localização promoveu, em seu território, uma grande variedade de populações: lá, viviam muitos grupos tribais diferentes — que hoje são todos conhecidos como "berberes" —, além de coexistirem outras colônias gregas e romanas.

Porém, uma diferença marcante entre a Mauritânia e o Império Romano é que este segundo tinha a tradição de um governo encabeçado principalmente por homens, de forma que, caso as mulheres exercessem algo, seria mais discreto. Mas as rainhas de regiões mais periféricas, até mesmo como foi a própria Cleópatra, eram mais atuantes politicamente.

Dessa forma, conhecendo sua linhagem, como descendente de Ptolomeu, general de Alexandre, o Grande, e também uma conexão direta com a família imperial romana por suas meias-irmãs e a avó paterna, Cleópatra Selene II não permitiu que Juba II assumisse toda a liderança daquele reino. Prova de que o governo era conjunto, por exemplo, é o fato de que as moedas desse império tinham cunhadas tanto a face do rei quanto da rainha.

Durante a governo, encontraram diversas maneiras de homenagear a cultura egípcia e a antiga rainha Cleópatra. Embora tivessem feito diversas construções de base romana, como um farol, um grande palácio, um fórum, um teatro e um anfiteatro, também reformaram antigos templos egípcios e construíram outros novos, o que levou à popularização dos antigos deuses do Egito.

Com o tempo, a capital da Mauritânia, Cesareia (antiga Lol), veio a se tornar uma corte altamente sofisticada e multicultural, habitada por gregos, romanos, egípcios, africanos, e incentivando o trabalho de estudiosos e artesãos em seu território. 

Morte em eclipse

Cleópatra Selene II, que havia superado uma infância cheia de dificuldades com a morte dos pais e uma quase morte nas mãos do Império Romano, terminou construindo, ao lado de Juba II, um reinado de triunfo. Porém, sua vida foi interrompida prematuramente, por volta da virada do primeiro milênio.

Não foi encontrado até hoje nenhum registro que aponte com precisão a data de sua morte, mas um poema composto por Crinagoras de Mitilene, poeta da corte, pode indicar uma pista:

A própria Lua, que surgiu no início da tarde, extinguiu sua luz, velando seu luto com a noite, pois ela viu sua homônima, a bela Selene, descer morta ao sombrio Hades", conta o poema.

Com essa informação, historiadores supuseram que a morte de Cleópatra Selene II teria ocorrido no mesmo dia de um eclipse lunar, o que os fez levantar duas possíveis datas: 23 de março de 5 a.C. ou 4 de maio de 3 d.C. De qualquer forma, sabe-se que ela foi enterrada em um grande mausoléu, cujos restos podem ser vistos ainda hoje na Argélia.

A razão para seu esquecimento na história, por fim, é simples: para os antigos escritores romanos, esses reinos clientes não eram tão relevantes quanto o centro do império, sendo eles mencionados somente em caso de algum problema. Como o reinado de Cleópatra Selene II teve considerável sucesso, não são muitos seus registros.