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Matérias / Política

Sufrágio: A conquista do voto feminino

A luta contra o escárnio e a repressão policial, que vinha de décadas fez parte do movimento feminino que exigia participação na democracia

Redação Publicado em 08/03/2019, às 12h00

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Cartazes sufragistas - Reprodução
Cartazes sufragistas - Reprodução

 De um lado, uma dona de casa educada para cumprir as ordens do marido. Do outro, uma escritora descontente. A separá-las uma da outra, quilômetros de distância. A separá-las de nós, uns 200 anos. A dona de casa era  a americana Abigail Adams que, um belo dia, levantou decidida a peitar o marido e exigir direitos iguais aos dele. A escritora era a francesa Olympe de Gouges, autora de uma versão feminina da eclaração dos Direitos do Homem. As duas acabaram se dando mal: a americana foi ridicularizada publicamente pelo marido. E a francesa foi guilhotinada por “ter esquecido as virtudes próprias de seu sexo”.  

A Longa Luta

Essas duas senhoras que viveram no século 18 se tornaram o ponto de partida para uma luta que durou décadas e só acabou há muito pouco tempo: o sufrágio feminino – direito de as mulheres escolherem seus representantes por meio do voto. Esse direito só foi conquistado pelas brasileiras em 1932, pelas americanas em 1920 e pelas inglesas em 1928. As suíças votaram pela primeira vez somente em 1971. Se lembrarmos que,até então, na maioria desses países, as mulheres não podiam ser proprietárias de nada, eram proibidas de alugar um imóvel ou assinar um contrato sem autorização do pai ou do marido, não é difícil entender o tamanho da briga que a mulherada estava comprando. Era uma revolução. Não é à toa que o historiador britânico Eric Hobsbawm considera esse um dos momentos mais marcantes do século 20.

 Mas o pontapé inicial na porta fechada ao voto feminino se deu bem antes. Considerada a primeira sufragista americana, Abigail Adams acompanhou de perto a Guerra de Independência Americana, no final do século 18. Seu marido, John Adams, foi um dos líderes da revolta contra os ingleses (em 1797,ele se tornaria o segundo presidente dos Estados Unidos). “Espero que no novo Código de Leis vocês se lembrem das mulheres e sejam mais generosos com elas do que seus antepassados. Estamos dispostas a nos rebelar e não obedeceremos nenhuma lei à qual não tivemos voz nem voto”, escreveu ela ao maridão, em 1776, quando ele ajudava a escrever a nova Constituição.

Embora não tenha sido atendida (e sua ameaça não tenha sido cumprida), Abigail plantou a semente do movimento sufragista, que pegaria fogo para valer em meados do século 19, nos Estados Unidos. O ambiente parecia propício a novas idéias e as mulheres pegaram carona no movimento contra a escravidão para dizer que queriam votar. Mas a rejeição masculina era de doer. Filósofos do quilate do inglês Herbert Spencer não admitiam nem a hipótese de a mulher estudar, que diria votar. “Cansar demais o cérebro produz moças de busto chato que jamais poderão gestar uma criança bem desenvolvida”, dizia ele.

Escravos sim, mulheres não

Bobagens como esta ainda eram levadas a sério, mesmo entre os abolicionistas. Liberais quando o assunto era escravidão, reacionários quando era a participação política e direitos das mulheres. Isso ficou bem claro a partir do Congresso Mundial Antiescravidão de 1840, que reuniu, nos Estados Unidos, líderes políticos do mundo inteiro (como o príncipe Albert, marido da rainha Vitória, da Inglaterra). Mulheres simplesmente foram proibidas de participar. Entre as barradas no baile estava a escritora e militante abolicionista Elizabeth Cady Staton.

Inconformada, ele começou a reunir outras mulheres descontentes até conseguir organizar, em 1848, a primeira Convenção dos Direitos da Mulher, realizada em Nova York. O encontro atraiu pouco mais de 300 pessoase hoje é lembrado como marco inicial do movimento sufragista americano. Ali foi escrita a Declaração dos Sentimentos, uma versão feminista da Declaração de Independência dos Estados Unidos, que começa com a frase:“Acreditamos serem estas verdades evidentes: que todos os homens e mulheres foram criados iguais”.

A sociedade recebeu mal o anseio sufragista. “Mulheres foram agredidas nas ruas com frutas podres e insultadas pela imprensa”, diz a jornalista americana Eleanor Cliff, autora de Founding Sisters (“Irmãs Fundadoras”, um trocadilho com os "pais fundadores" dos EUA, inédito no Brasil). O livro reproduz trechos de jornais da época que classificaram o encontro em Nova York de “a convenção das galinhas”.

Em um artigo, as sufragistas são descritas como “esposas divorciadas, mulheres sem filhos ou solteironas”. Apesar do preconceito, elas foram em frente e, em 1851, reuniram-se para a Convenção de Ohio, onde a defesa do voto feminino foi, de uma vez por todas, alardeada para o mundo. A responsável foi a ex-escrava Sojourner Truth, ao subir na tribuna e dizer as palavras até hoje repetidas em reuniões feministas do mundo todo. “Olhem para mim. Olhem para o meu braço. Eu lavrei a terra, plantei e juntei tudo no celeiro e nenhum homem poderia me liderar! E não sou eu uma mulher?”, disse.

Se as americanas tentavam resolver tudo em encontros políticos e discursos enfáticos, as inglesas foram mais – muito mais – radicais. Lideradas por Emmeline Pankhurst, mulher do advogado Richard Pankhurst (famoso defensor da emancipação da mulher, autor da lei que garantiu às inglesas o direito à propriedade), fundaram, em 1903, o WSPU (sigla em inglês para “União Social e Política das Mulheres”), que recentemente a Scotland Yard, a polícia britânica, classificou como a primeira organização terrorista do país.

Fúria Sufragista

Não é para menos: sob o lema “Ações, Não Palavras”, as suffragettes, como eram conhecidas as integrantes do WSPU, imprimiram um ritmo violento à campanha pelo voto. Christabel, filha de Emmeline, foi a primeira suffragette a ser presa, em 1905: ela esbofeteou um policial depois de invadir a sala de um parlamentar. Em janeiro de 1912, o partido promoveu um incêndio num posto do correio em Londres. Ninguém saiu ferido, mas três ativistas ficaram seis meses atrás das grades. Em novembro do mesmo ano, durante uma passeata, as representantes do WSPU apedrejaram as vidraças da Câmara dos Comuns, sede do Poder Legislativo inglês. As manifestações incluíram até um ato suicida.

As detenções de sufragistas se tornaram tão comuns que viraram parte da estratégia para divulgar a causa. Em 1912, a própria Emmeline foi detida 12 vezes e, em todas elas, se recusou a comer. A polícia acabou soltando Emmeline, temendo que ela morresse sob a custódia do Estado.

O sucesso da estratégia fez com que várias suffragettes se deixassem prender só para fazer greve de fome na cadeia e, dessa forma, atrair todas as atenções para a causa. A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, foi decisiva para as pretensões sufragistas. “Alçadas a cargos importantes no mercado de trabalho, em fábricas, bancos e hospitais durante o esforço de guerra, as mulheres não voltariam a posições subalternas depois do conflito”, escreveu Hobsbawm, em Era dos Extremos: o Breve Século 20.

Nos Estados Unidos as primeiras eleições com a participação das mulheres ocorreram em 1920 – mais de 50 anos depois de os escravos libertos adquirirem o direito de votar. Na Inglaterra, o Parlamento aprovou o voto feminino em 1928 – ironicamente, poucas semanas depois da morte de Emmeline Pankhurst.

Mulher Bomba
Sufragista inglesa se atira na frente de um cavalo e morre pela causa Militante do WSPU (Women Social and Political Union), a inglesa Emily Wilding Davison escreveu seu nome na história da luta pelo direito de voto feminino de maneira trágica: jogando-se na frente do cavalo do rei da Inglaterra.

Emily escolheu o cenário a dedo: Derby, Inglaterra, dia 4 de junho de 1913. Ali acontecia, como em todos os anos, a mais famosa corrida de cavalos do mundo (até hoje se usa o termo dérbi para designar esse tipo de esporte). O evento reunia a nata da elite da época, incluindo a família real.

Em uma cerimônia cheia de pompa, o rei George V apresentou seu animal, Anmer, e o jóquei que iria conduzi-lo, Herbert Jones.A manifestante Emily, velha terrorista conhecida pela polícia – já havia sido presa por incendiar postos dos correios e apedrejar a Câmara dos Comuns, entre outras peripécias – estava na arquibancada, quieta, esperando o momento de entrar em cena. Dada a largada, Emily pulou as barreiras que separavam a pista do público e atirouse à frente do cavalo Anmer, que caiu em cima dela, derrubando o jóquei. A

lguns espectadores ouviram-na gritar: “Votos para as mulheres!”, pouco antes de se atirar. Outras testemunhas disseram que Emily teria tentado agarrar as rédeas do animal, mas a pancada foi terrível. Com sérios ferimentos, incluindo danos irreversíveis no coração, Emily foi levada às pressas para o Epsom Cottage Hospital, onde morreu quatro dias depois. Apesar de ter se tornado mártir do movimento sufragista, seu gesto teve efeito contrário na prática: “Se uma mulher bem educada foi capaz de uma atitude dessas, imagine o que fariam as outras”, disseram os parlamentares. Na lápide de Emily, restou a inscrição: “Ações, Não Palavras”.