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Matérias / Crimes

Elementar, meu caro Watson: As origens da investigação criminal

Em tempos imemoriais eram utilizados mecanismos para perseguir e punir criminosos através de severos castigos e investigações não materializadas

M. R. Terci Publicado em 26/02/2020, às 15h00

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Pôster da série Sherlock, lançada em 2010 - Divulgação
Pôster da série Sherlock, lançada em 2010 - Divulgação

Quando alguém menciona crime ou investigação criminal é impossível não se lembrar de Sherlock Holmes. Criado pelo escritor e médico Sir Arthur Conan Doyle, o detetive aparece pela primeira vez na história Um Estudo em Vermelho, em 1887, publicada na revista Beeton’s Christmas Annual. Carismático e astuto, o personagem ganhou leitores do mundo todo, destacando-se pelo uso de métodos científicos e por sua imensa capacidade de dedução utilizada para desvendar crimes aparentemente insolúveis.

Inegavelmente a maior influência de Sir Arthur Conan Doyle foi Edgar Allan Poe. Quatro décadas antes de Doyle, Poe criou o personagem Le Chevalier Auguste Dupin – Cavaleiro na Légion d'honneur – e o introduziu em uma série de contos detetivescos: Os Assassinatos da Rua Morgue (1841), O Mistério de Marie Rogêt (1842) e A Carta Roubada (1844).

De fato, uma das frases mais reconhecidas de Holmes, foi inspirada em uma citação de Dupin: “Agora que fomos trazidos a esta conclusão de uma forma tão inequívoca, não é nosso papel, como homens de raciocínio, rejeitá-la em virtude de sua impossibilidade. O que nos resta é provar que estas impossibilidades aparentes, na realidade, são possíveis.” Na versão de Holmes: “... quando se exclui o impossível, o que resta, por mais improvável que seja, deve ser a verdade”.

Falando em citações, a frase título deste artigo, apesar de notória, nunca apareceu em nenhum dos 4 romances ou ainda dos 56 contos de Sherlock Holmes. Foi pronunciada pela primeira vez em 1929 no filme O Retorno de Sherlock Holmes, mas acabou se tornando popular graças ao escritor Edith Meiser, que escreveu a série The New Adventures of Sherlock Holmes, transmitida no Reino Unido pela rádio BBC entre 1939 e 1947.

Ficções à parte, a arte de desvendar crimes através de procedimento investigativo é muito mais antiga que Dupin ou Holmes e não havia nada de científico nos métodos empregados àquela época.

O Código de Hamurabi, no século 18 a.C., possuía muito destes mecanismos para perseguir os criminosos bem como para imposição de castigos. Já eram utilizados mecanismos para punir criminosos, sendo um sistema de repressão com a imposição de severos castigos, no entanto, a investigação não existia. Para que alguém fosse considerado culpado bastava a palavra do acusador.

Sherlock Holmes em ilustração de 1904, de Sidney Paget / Crédito: Wikimedia Commons

Já no século 4 a.C. a Arthasastra hindu, um amplo tratado, escrito em sânscrito, que envolvia questões como a arte de governar, a política econômica e a estratégia militar, passou a perpetuar questionamentos e condições para o acusador desenvolver sua investigação, instruir o caso e trazer à justiça o culpado.

Posteriormente, no século 2 a.C., o Código de Manu, abrangeu, em maiores pormenores a legislação do mundo indiano, dando ênfase a questionamentos sobre as motivações do criminoso. Tal era a qualidade do regramento indiano que outras culturas acabaram por incorporar alguns de seus preceitos.

Exemplo disso é que tanto na Grécia antiga como no império Romano, o acusador que investigava e instruía o caso apresentado ao pretor, evoluiu para a figura do irenarcha, os curiosi e os stationari como responsáveis pela investigação de crimes que vicejavam naquela época, tais como furtos e roubos praticados por vagabundos e ladrões habituais.

Com o advento da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, na França e na Inglaterra dos séculos 18 e 19, surgiram pequenos corpos de investigadores para apuração das condutas delitivas que cresciam num ritmo exponencial.

Com o aumento da urbanização e crescimento da população nas grandes cidades, o aparecimento de uma burguesia e de grande contingente de trabalhadores industriais e urbanos, gerou-se uma quantidade enorme de desordeiros, ladrões, assaltantes, golpistas, grevistas  - considerado crime à época -, sabotadores e assassinos, lançando-se as bases para a formação institucional da polícia e dos saberes investigativos, ante a incapacidade da força militar e de corpos policiais uniformizados e ostensivos de reprimirem as quadrilhas disseminadas nas cidades e no campo.

 Basil Rathbone, como Sherlock Holmes / Crédito: Wikimedia Commons

O desenvolvimento das ciências ao longo da história também incrementou as técnicas e instrumentos voltados para o esclarecimento de crimes. Destaca-se o médico francês Jean Alexandre Eugêne Lacassagne (1843-1924), que estudou as manchas de sangue e as marcas em projéteis, o ambiente social como produtor de crime, assim como Lombroso, cujas teorias que compunham a escola positivista foram rechaçadas posteriormente.

Já os trabalhos de Alphonse Bertillon (1853-1914) também foram um divisor de águas, inclusive foi considerado o pai da polícia técnica, quem desenvolveu a antropometria, ou seja, as medidas do indivíduo que permitia sua individualização, mas que depois foi superada pela datiloscopia e a fotografia.

Outra descoberta fundamental para a investigação criminal foi o trabalho de William Herschel (1833-1917) e Henry Faulds (1843-1930) sobre as linhas das impressões digitais do dedo, seguidos por Francis Gaulton (1822-1911) e Juan Vucetich (1850-1925), empregada por esse com sucesso em 1891, em La Plata, na Argentina.

No Brasil, a função de investigar cabia à figura do Juiz de Paz. Equiparados a juízes municipais, estes exerciam função de polícia judiciária além de todas suas funções judiciais. Tardiamente, como aconteceu na Grécia e Roma antiga, suas atribuições foram divididas, sendo-lhe atribuído somente as funções judiciais, permitindo maior eficácia e celeridade aos julgamentos.

A função de investigar passou a ser exercida pela autoridade policial, surgindo a partir desse momento a figura do delegado de polícia. O Código de Processo Penal de 1832 já regulamentava procedimentos investigativos, porém não havia expressado a denominação inquérito policial.

Tal denominação surge apenas em 1871, quando a lei dispunha que o inquérito policial consistiria em todas as diligências necessárias para o desenvolvimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices. Só a partir de então, surgiu, no Brasil, o procedimento investigatório denominado inquérito policial, procedimento destinado a esclarecer fatos delituosos relatados na notícia do crime, fornecendo os subsídios necessários para a instauração ou o arquivamento da ação penal.

Um longo caminho até aqui, mas definidos os métodos e excluindo-se o impossível, o que resta, por mais improvável que seja, deve ser a verdade. Elementar, meu caro Watson.


M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.


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