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Matérias / Personagem

Carniceiro de Lyon: o nazista que ajudou a CIA a caçar Che Guevara

Após a derrocada alemã na Segunda Guerra Mundial, Klaus Barbie fugiu de acusações e foi financiado pelos EUA em polêmicas operações na América do Sul

Fabio Previdelli Publicado em 31/07/2020, às 13h00

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Klaus Barbie em seu uniforme da Gestapo - Getty Images
Klaus Barbie em seu uniforme da Gestapo - Getty Images

Extremamente cruéis, assassinos sem nenhum remorso e assustadoramente frios e calculistas. É assim que os agentes da Gestapo eram conhecidos, e com Klaus Barbie a história não era diferente.  Apelidado de O Açougueiro de Lyon, devido ao seu reinado de terror na cidade francesa ocupada pelos nazistas, Barbie não apenas enviou judeus para os campos de concentração como também torturou franceses e combatentes da Resistência.

Klaus não foi condenado nos Julgamentos de Nuremberg quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em vez disso, o serviço de inteligência dos Estados Unidos o recrutou como espião.

Consequentemente, Klaus foi enviado para a Bolívia sob uma nova identidade, onde ajudaria grupos paramilitares de direita a derrubar seu governo, vender parta de cocaína a narcoterroristas — inclusive ao próprio Pablo Escobar — e ajudar a CIA a rastrear e matar Ernesto Che Guevara, revolucionário argentino.

Porém, sua terrível trajetória não o deixaria impune, anos depois sua história o cobraria por tudo o que cometeu. 

Klaus Barbie teria ajudado a CIA a rastrear e matar Ernesto Che Guevara / Crédito: Getty Images

O açougueiro de Lyon

Em 1942, Klaus Barbie, que na época tinha 29 anos, foi nomeado chefe da cruel Gestapo, a polícia secreta nazista, em Lyon, na França. Lá, era esperado que ele fosse capaz de erradicar a Resistência francesa.

Seu triunfo teria um gostinho para lá de especial. Afinal, ele tinha uma história pessoal com o país, já que sua família viveu durante muitos anos na cidade de Merzig, que fica próxima a fronteira francesa.

Barbie tinha um jeito muito peculiar para lidar com membros da Resistência francesa. Ele tinha uma sala de torturas com diversos utensílios para a prática, como objetos para eletrocussão e até mesmo alguns fornos.

Ele foi responsável por diversas torturas com chicotes e cassetetes. Muitas de suas vítimas eram mordidas por cães e frequentemente tinham ossos dos braços e das pernas quebrados. Foi essa extrema brutalidade que lhe rendeu o notório epíteto de O Açougueiro de Lyon.

Sob o comando de Klaus, vários membros da Resistência foram capturados, torturados e mortos. Sua vítima mais famosa foi Jean Moulin, o chefe da resistência francesa.

Apesar de ter suas unhas arrancadas, agulhas injetadas em seu corpo e até dedos quebrados na dobradiça de uma porta, Moulin nunca revelou nenhuma informação à Barbie. Ele morreu de espancamentos e torturas repetidas em 8 de julho de 1943.

Mas isso não foi o pior. O ato mais vil de Barbie foi reunir 44 crianças judias e mandá-las para Auschwitz. Todas elas pereceriam nas câmaras de gás nazistas.

Uma nova missão na Guerra Fria

Porém, Barbie conseguiu escapar de uma punição quando a Alemanha perdeu a Segunda Guerra Mundial. “Eu e quatro jovens que estavam comigo trocamos de roupas e pegamos alguns papeis falsos na sede da polícia e saímos pela floresta em direção a Sauerland [na Alemanha]. Foi um momento muito difícil, pois de um dia para o outro eu me tornei um mendigo”, lembrou anos depois.

Mas mal sabia que seu destino mudaria com a chegada da Guerra Fria. Embora os Julgamentos de Nuremberg visassem fazer a justiça apropriada contra os nazistas, os Estados Unidos — entre outras nações, como o Reino Unido — viam os agentes nazistas como ativos potenciais contra seu novo inimigo: o comunismo.

Em 1947, os americanos prepararam um dossiê sobre Klaus. O personagem do Açougueiro de Lyon havia ganhado cores novamente. Robert S. Taylor, um oficial do Corpo de Contra-Inteligência do Exército dos EUA (CIC), disse que ele era “um homem honesto, tanto intelectualmente quanto pessoalmente, absolutamente sem medo. Ele é fortemente anticomunista e um idealista nazista que acredita que ele e suas crenças foram traídas pelos nazistas no poder”.

Klaus Barbie / Crédito: Getty Images

A partir de então, Barbie foi recrutado como um agente contra o comunismo. Mas os franceses queriam seu sangue e, em 1949 e 1950, solicitaram formalmente que os EUA o prendessem e o extraditassem de volta à França para que ele pudesse enfrentar a justiça por seus crimes brutais.

O governo dos EUA respondeu que eles não tinham conhecimento de sua localização, embora isso fosse uma mentira contada, principalmente, para evitar a verdade embaraçosa do envolvimento de Barbie com ações do seu governo.

A inteligência americana viu grande valor na experiência de Klaus Barbie. De fato, eles temiam tanto a propagação do comunismo na América do Sul que estavam dispostos a proteger e trabalhar com um ex-nazista. Por isso, ajudaram Barbie e sua família a escapar da Europa através de uma ratline pela cidade costeira italiana de Gênova. De lá, ele e seus familiares viajariam para a Argentina e depois para a Bolívia para uma nova vida.

O espião Klaus Barbie na Bolívia

Na Bolívia, Barbie aproveitaria sua experiência brutal na Gestapo ao se envolver em espionagem, tráfico de armas e outras operações secretas em nome dos Estados Unidos e manteve uma conexão com a recém-criada Agência Central de Inteligência (CIA).

Para a CIA, Barbie era um ativo que eles poderiam usar para apoiar governos e grupos de direita na América do Sul. Para o próprio Barbie, o ambiente fascista das oligarquias dominantes e das massas atingidas pela pobreza era um lembrete agradável de seu trabalho na Alemanha nazista. Logo, o brutal ex-agente alemão começou a prosperar em seu novo papel.

Enquanto isso, o governo francês condenou Barbie à revelia. No entanto, a essa altura, ele já estava bem distante de sua antiga identidade, tendo obtido a cidadania boliviana sob o nome de Klaus Altmann em 1957.

Durante seu tempo na Bolívia, Barbie esteve envolvido em uma série de golpes militares patrocinados pela CIA . Segundo o autor James Cockcroft, em seu livro América Latina y Estados Unidos: Historia política país por país, Barbie era até tenente-coronel do exército boliviano sob uma sucessão de ditadores bolivianos de 1964 a 1982.

Em matéria publicada pela ABC, Cockcroft diz que Barbie “ajudou a estabelecer campos de concentração e foi responsável pela prisão, tortura e morte de oponentes do governo militar da Bolívia. Ele também organizou a venda de armas para um círculo de traficantes de drogas”.

Klaus também teria ajudado a formar o grupo chamado Fiances of Death, ou Noivos da Morte, usando o dinheiro de drogas para financiar um golpe militar, criando um estado de narcotráfico onde os traficantes podiam construir um império de cocaína imune à acusação, conforme noticiou o The Mirror.

Klaus Barbie nas ruas de La Paz em 1972 / Crédito: Getty Images

Segundo o agente secreto da Drug Enforcement Administration (DEA), Michael Levine, esses "ladrões mascarados não eram bolivianos. Eles eram da Alemanha, Itália e França, e muitos usavam suásticas nazistas em seus uniformes". De fato, parecia que Barbie estava estabelecendo um novo regime nazista na Bolívia xom o patrocínio dos EUA.

Ajuda na morte de Che Guevara e negócios com Pablo Escobar

Barbie foi visto como um dos responsáveis por ter ajudado a CIA a rastrear e eliminar Che Guevara. A agência de espionagem estava atrás de Che desde que ele ajudou Fidel Castro a tomar o poder em Cuba, mas suas operações chegaram a um beco sem saída quando eles pensaram que Guevara havia sido assassinado e enterrado em um túmulo não identificado na República Dominicana.

Em abril de 1967, a CIA ficou surpresa ao saber que o governo boliviano havia rastreado Che nas montanhas bolivianas. De acordo com uma teoria apresentada no documentário My Enemy's Enemy, de Kevin Macdonald, o conhecimento de Barbie sobre as táticas de guerrilha pode ter sido um recurso crítico na captura do guerrilheiro cubano.

Longe de ser apenas um agente cruel, Barbie também era um homem de negócios. Com o apoio da CIA, ele administrou um bem-sucedido esquema de contrabando de armas e cocaína com Friedrich Schwend, outro ex-nazista que havia sido o principal falsificador de Hitler.

Ele tinha todas as condições necessárias para fazer parceria com cartéis de drogas sul-americanos. Alegadamente, um dos clientes de Barbie era o infame cartel de Medellín de Pablo Escobar, a quem ele, possivelmente, também forneceu armas.

Mas seu aliado mais próximo foi o traficante bilionário Roberto Suarez Gomez. Os dois conseguiram colocar o general Luis Garcia Meza Tejada como um líder fantoche na Bolívia em 1980. Nunca antes um governo inteiro havia sido financiado e controlado com dinheiro de cocaína. Havia sido estabelecido um novo e perigoso precedente, no qual Barbie teve um papel fundamental.

Extradição e morte

No entanto, em 1982 a ditadura militar de Tejada entrou em colapso. A essa altura, Barbie estava vulnerável, pois ele já havia sido encontrado na década de 1970 pela jornalista alemã Beate Auguste Klarsfeld, que ao lado de seu marido Serge, agiam como caçadores de nazistas ou indivíduos que localizavam ex-agentes nazistas para levá-los à justiça.

Klaus Barbie durante julgamento em 1987 / Crédito: Getty Images

Apesar da França pedir que a Bolívia extraditasse Barbie desde de 1973, o ato só foi consumado após um governo liberal democrático assumir o poder.

Em 1983 ele foi extraditado de volta à França e em 1987 se iniciou o julgamento que o condenaria à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Em setembro de 1991, aos 77 anos, o Açougueiro de Lyon morreu de câncer.


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