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Matérias / Dom Pedro I

Mercenários europeus: A resposta de Pedro e Bonifácio para fazer frente às tropas de Portugal

A História é escrita não com tinta, mas com sangue — e Dom Pedro I e José Bonifácio sabiam disso

Ricardo Lobato* Publicado em 06/09/2022, às 11h26 - Atualizado às 16h17

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Retratos de D. Pedro I e José Bonifácio - Antônio Joaquim Franco Velasco/Benedito Calixto/Wikimedia Commons
Retratos de D. Pedro I e José Bonifácio - Antônio Joaquim Franco Velasco/Benedito Calixto/Wikimedia Commons

Ao contrário da crença popular, falsamente alimentada por gerações, de que nossa emancipação de Portugal foi um momento pacífico de confraternização entre brasileiros e portugueses, a história não foi bem assim, muito pelo contrário.

Como o atual conflito entre Rússia e Ucrânia — que vem redefinindo a geopolítica internacional — tem mostrado, mudanças históricas, novas eras, raramente são episódios pacatos.  A História é, recorrentemente, escrita não com tinta, mas com sangue — e Dom Pedro I e José Bonifácio sabiam disso.

O pensamento era tão claro na mente do imperador e de seu conselheiro que, pouco tempo após o Grito do Ipiranga, providências foram tomadas para que o Brasil passasse a contar com Forças Armadas capazes de garantir a soberania do recém-criado Estado.

'Independência ou Morte', quadro mais famoso sobre a Independência do Brasil, feito pelo artista Pedro Américo
Quadro "Independência ou Morte" de Pedro Américo / Wikimedia Commons/Domínio Público

Não era uma tarefa fácil e, levando em conta que uma porção significativa do então território nacional ainda se encontrava ocupada por tropas leais a Portugal, era imperativo contar com militares profissionais, capazes de expulsar os portugueses. Ao invés de olhar para dentro, para a “gente brasileira”, os dois olharam para fora.

Muito se fala dos estrangeiros que chegaram ao Brasil com a princesa Maria Leopoldina
em 1817. Diversos poetas, intelectuais, artistas, naturalistas, acompanharam a arquiduquesa Habsburgo quando de sua vinda para os trópicos, mas pouco se fala dos outros estrangeiros que aportaram no Brasil, cinco anos depois da comitiva austríaca.

Para fazer frente às tropas de Portugal, a resposta de Pedro e Bonifácio foram mercenários europeus, os “estrangeiros do imperador”. Ao contrário da primeira leva, dedicada às artes, a partir da Independência, começaram a chegar ao país homens dedicados ao ofício das armas.

Maria Leopoldina / Josef Kreutzinger/Wikimedia Commons

É preciso contextualizar para entender. Foram, sim, criadas guarnições genuinamente
brasileiras para defender o país, o próprio Batalhão do Imperador — em atuação até os dias de hoje, renomeado Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) com o advento da República — é um exemplo.

Contudo, para combater os militares portugueses bem treinados, e que se recusavam
a aceitar a mudança de status da Terra Brasilis, a solução estava na Europa. No período imediatamente posterior ao fim das Guerras Napoleônicas, o que não faltava no Velho Mundo eram homens bem treinados, testados nos campos de batalha e, sobretudo, desempregados.

Esse contingente de “soldados da fortuna” permitiu não apenas que o Brasil se mantivesse unificado, mas garantiu as independências da América Espanhola, além de uma posterior atuação nos conflitos do Prata.

O mais famoso de todos é o almirante escocês Thomas Cochrane. “O Lobo do Mar”, uma de suas muitas alcunhas, é o homem por trás da criação da Marinha do Brasil. Sua atuação não apenas na Independência, mas também na relação entre Brasil e Reino Unido, é tão simbólica que, até hoje, a Embaixada Britânica em Brasília possui um quadro do almirante como parte de seu mobiliário.

Lorde Cochrane pode ser o mais famoso dos estrangeiros que garantiram a emancipação do país e unidade do território, mas muitos outros participaram do processo. Ingleses, franceses, irlandeses, suíços, alemães e até uma leva inicial de italianos pegaram em armas no que ficou conhecido como “Corpo de Estrangeiros”, uma parte do então Exército Imperial brasileiro.

Lorde Cochrane / James Ramsay/Wikimedia Commons

Fosse nos confrontos contra portugueses na Bahia, no Piauí, no Maranhão, no Pará, enfrentando a Confederação do Equador em Pernambuco, ou nas batalhas em Sacramento e Montevidéu, lá estavam os estrangeiros a serviço de Dom Pedro. A atuação, apesar de destacada, não custava barato aos cofres do jovem Estado.

Entretanto, não foram questões orçamentárias que colocaram fim à unidade internacional do Exército, e sim disciplinares. Depois do episódio conhecido como “Revolta dos Mercenários”, os três dias de terror em 1828, em que a guarnição estacionada no Rio de Janeiro se sublevou — precisando da “ajuda” externa de tropas regulares das Marinhas Britânica e Francesa para serem contidos — o Corpo viu seu fim.

A dissolução completa se deu em 1830, mas a essa altura a missão já havia sido cumprida. D. Pedro agora tinha outros problemas, que o levariam de volta a Portugal, e o Brasil já era independente e começava uma longa caminhada como nação.

Um episódio que duzentos anos depois continua sendo escrito, hora com tinta, hora (infelizmente) com sangue.


Ricardo Lobato é sociólogo, Mestre em Economia, oficial da reserva do Exército brasileiro e consultor-chefe de política e estratégia da Equilibrium — consultoria, assessoria e pesquisa @equilibrium_cap