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Matérias / Estudo Monstro

O ‘Estudo Monstro’ que traumatizou crianças órfãs

Em 1939, experimento com crianças entre 5 e 15 anos gerou polêmica na comunidade científica

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 30/04/2023, às 08h00 - Atualizado em 24/01/2024, às 16h07

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O psicólogo americano Wendell Johnson em pintura de Cloy Kent - Reprodução
O psicólogo americano Wendell Johnson em pintura de Cloy Kent - Reprodução

Os limites entre a moral e a ética na ciência são alvos de debates até os dias atuais. Embora experimentos como o feito no pequeno Albert tenham extrapolado algumas dessas questões, estudos com cobaias humanas ainda assim foram produzidos. 

Um deles foi realizado em 1939 e passou a ser conhecido como Estudo Monstro. Visando entender a influência do ambiente em problemas cognitivos, o psicólogo americano Wendell Johnson, da Universidade de Iowa, usou crianças como cobaias. 

O cenário ainda se tornou ainda mais cruel quando ligado a outros dois fatos: o primeiro é sobre a pesquisa, Johnson buscava compreender o impacto de reforço positivo ou negativo em casos de gagueira; o segundo é sobre as cobaias, afinal, todas as crianças viviam em um orfanato para veteranos de guerra e tinham entre 5 e 15 anos

O estudo monstro

Entre as 22 crianças escolhidas, dez delas foram consideradas, previamente, gagas antes de o estudo começar. As 22 'cobaias' foram separadas em quatro grupos: dois com crianças que tinham gagueira e outros dois das que não tinham. 

Com a ajuda de sua aluna de doutorado, Mary Tudor, Johnson passou a avaliá-las periodicamente. Outros cinco estudantes de doutorado participaram do processo. Estes serviram como juízes, que tinham que classificar a fala das crianças com notas de 1 a 5 — um para (ruim) e cinco para (fluente). Mas tudo não passou de uma grande mentira, aponta a Superinteressante. 

+ Cobaia humana: O duro experimento do pequeno Albert;

Já fora estabelecido que metade do grupo de gagos seria bem avaliado e metade receberia notas ruins, independente de como as crianças realmente falavam. Os outros grupos sem dificuldade na fala foram tratados do mesmo jeito. Assim seria possível, de acordo com o pesquisador, descobrir se falsas avaliações possuem impactos tanto positivos quanto negativos nos problemas de fala

A fase de avaliações ocorreu entre janeiro e maio de 1939. No grupo de crianças com dificuldade na fala, mas que ganhariam o estímulo positivo, Tudor afirmava que o problema era uma questão de fase e logo seria superado. Ela ainda orientou as crianças a não ouvirem críticas alheias e pensarem sempre em melhorarem. 

Já o que não eram gagos e receberiam comentários negativos, ouviam algo como: "A equipe concluiu que você tem muitos problemas com a fala. Você tem sintomas de uma criança que está começando a gaguejar. Você precisa parar imediatamente com isso. Use sua força de vontade. Faça qualquer coisa para evitar gaguejar. Nem mesmo fale, a não ser que possa fazer direito".

Após a segunda sessão de avaliações, uma criança de 5 anos, que recebeu feedbacks negativos, decidiu que não queria mais falar; embora soubesse se comunicar. Outra de 9 anos fez o mesmo. Além disso, o grupo piorou em seu desempenho escolar. 

Com o estudo monstro, Wendell Johnson queria provar que as dificuldades na fala eram produzidas por reações de reprovação e não por problemas intrínsecos a quem fala — mesmo que para isso ele pudesse induzir gagueira em suas 'cobaias'. 

O psicólogo americano Wendell Johnson/ Crédito: Reprodução

Quando tudo terminou, Mary Tudor se sentiu tão culpada pelo processo que retornou ao orfanato como voluntária em três ocasiões, para tentar desfazer ou diminuir os estragos causados pelo estudo. Para as crianças que não eram gagas e receberam avaliações negativas, ela confidenciou que as críticas não eram verdadeiras. Mas de nada adiantou. 

Acredito que com o tempo elas vão se recuperar, mas certamente causamos uma impressão definitiva a elas", escreveu em uma carta destinada à Jonhson em 1940. 

Os resultados do estudo jamais foram publicados na literatura científica, embora estivessem disponíveis na biblioteca da Universidade de Iowa junto da tese de Tudor.

Em 2001, após o estudo monstro ganhar repercussão em um jornal, o centro de estudo pediu desculpas públicas para as vítimas — sendo que algumas delas tiveram sequelas duradouras por conta do experimento.