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Matérias / Coluna

O Torneio do Povo: Uma homenagem ao presidente Médici

Para conquistar o apoio da população, o general criou um torneio que bagunçou o calendário oficial do futebol brasileiro

José Renato Santiago Publicado em 10/04/2019, às 05h00

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Reprodução
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Em 1970, durante o auge do regime ditatorial militar, o Brasil, governado pelo gaúcho Emílio Garrastazu Médici, vivia momentos de grande entusiasmo futebolístico. A conquista do terceiro título mundial em terras mexicanas havia contribuído muito para que o torcedor brasileiro estivesse passando por um intenso caso de amor com o futebol, o que foi rapidamente identificado como uma grande oportunidade pelos militares.

Os estádios lotados eram vistos com imenso interesse e, não por acaso, a organização do primeiro campeonato brasileiro de futebol passou a fazer parte do Plano de Integração Nacional, o PIN, estruturado e bancado pelo governo. Em que pese o fato de, até então, outras competições de abrangência nacional já tivessem sido disputadas, como fora o caso da Taça Brasil, entre os anos de 1959 e 1968, e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, realizado no período de 1967 e 1970, - uma evolução do torneio Rio-São Paulo que reunia times paulistas e cariocas - , as ações em prol da criação de uma competição que envolvesse equipes de todos os estados da federação se tornaram efetivas apenas a partir da primeira edição do campeonato nacional de clubes que viria a acontecer em 1971.

Apaixonado por futebol e torcedor gremista, o então presidente Médici costumava frequentar as arquibancadas do Maracanã, o que serviu para aumentar ainda mais a venda de uma imagem simpática junto à população, em meio a linha dura adotada por seu governo. É sabido que durante todo o período de ditadura militar, vivido entre 1964 e 1985, foi dele o governo mais repressor que acabou por provocar a morte e o desaparecimentos de muitas pessoas, consideradas como inimigas do regime. Médici, no entanto, era muito habilidoso, e, sabedor de que o futebol era a uma grande paixão do povo, passou a se dizer admirador do clube mais popular do país, o Flamengo.

Dentro desta atmosfera, os dirigentes do Clube Atlético Mineiro identificaram uma rara oportunidade de organizar uma competição que reunisse as equipes mais populares dos quatro maiores estados da federação, uma iniciativa que viria plenamente aos interesses militares. Desta forma, Atlético, Internacional de Porto Alegre, Flamengo do Rio de Janeiro e Corinthians de São Paulo, seriam os participantes desta competição, que, por sugestão de seus dirigentes, se chamaria Torneio do Povo, mas que oficialmente, receberia o nome Torneio General Emilio Garrastazu Médici, uma homenagem, segundo eles, ao grande desportista e presidente da república.

O torneio seria disputado em um formato de quadrangular com jogos de ida e volta. Em 24 de janeiro de 1971, no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, Atlético e Flamengo deram pontapé inicial à competição, ao se enfrentaram para um público de 23 mil pessoas. A partida acabou empatada em 0 a 0. Em que pese as grandes torcidas envolvidas, a competição não foi um sucesso de público, o que provocou com que as partidas válidas pela última rodada, previamente marcadas para acontecerem em Porto Alegre e Rio de Janeiro, acabassem sendo transferidas para Belo Horizonte, em regime de rodada dupla.

Ao derrotar o Internacional por 1 a 0, com gol de Rivellino, em jogo realizado no Mineirão, com pouco mais de 20 mil pessoas de público, em 19 de fevereiro, o Corinthians acabou ficando com o título. Ao final, o grande homenageado, o presidente Médici entregou a taça de campeão aos jogadores do alvinegro paulista, que amargava, até então, um período de 17 anos sem vencer uma competição oficial.

A conquista corinthiana foi invicta com duas vitórias e quatro empates, um total de 8 pontos ganhos, um a mais que os gaúchos que foram vice-campeões, à frente do Atlético e, por fim, do Flamengo. Mais tarde, naquele mesmo ano, no dia 19 de dezembro, a equipe mineira viria a conquistar a primeira edição do campeonato brasileiro ao vencer o Botafogo do Rio de Janeiro por 1 a 0, gol de Dario, em partida realizada no Maracanã.

Em que pese o baixo interesse dos torcedores em acompanhar a competição, a segunda edição aconteceu no começo de 1972. Aliás, difícil imaginar que alguém iria sugerir o fim do torneio que trazia um nome tão importante como homenageado. Somou-se aos quatro participantes da primeira edição, o representante baiano, no caso, o Bahia. Aliás foi em Salvador, no estádio da Fonte Nova, onde a primeira partida se realizou, no dia 2 de fevereiro. Com um gol de Caio, o Flamengo venceu time da casa por 1 a 0.

A equipe carioca acabou sendo a grande campeã do torneio após empatar em 0 a 0 com o Internacional em jogo disputado no Maracanã no dia 20 de fevereiro. Os rubros negros somaram 7 pontos, com três vitórias e um empate, dois a mais que o Atlético Mineiro, vice-campeão. A seguir vieram Internacional, Corinthians e Bahia. No ano seguinte, 1973, o Coritiba passou a participar do torneio.

A primeira partida desta edição aconteceu em Belo Horizonte, no estádio do Mineirão, em 21 de janeiro. Os estreantes paranaenses derrotaram o Atlético por 2 a 1. O regulamento previa que durante a primeira fase todas as equipes se enfrentariam e os três melhores classificados se juntariam ao Flamengo para disputar o título em um quadrangular final.

A equipe carioca, por ser a organizadora da competição, já tinha sua vaga garantida para esta fase final. Avançaram Bahia, Coritiba e Corinthians. Embora favoritos, paulistas e cariocas, que se enfrentariam na rodada final, sequer foram a campo, uma vez que já estavam eliminados e preferiram não disputar a partida, um indício da real relevância dada ao torneio. Ao empatar com o Bahia em 2 a 2, em jogo realizado na Fonte Nova, em 14 de março, o Coritiba ficou com o título. O inchaço torneio, que durara pouco menos de um mês em sua primeira edição, em 1971, e quase três meses, em 1973, passou a impactar o calendário do futebol brasileiro, apenas uma breve indício do que aconteceria pouco depois.

Seguindo o lema pregado pelo governo militar “...onde a ARENA vai mal, mais um time no Nacional, onde a ARENA vai bem, mais um time também...” uma alusão ao partido do governo, ARENA (Aliança Renovadora Nacional), e clara associação ao uso do futebol como meio para alavancar votos de seus candidatos nas eleições gerais agendadas que se aproximavam, reforçada pelo fato do mandato de Médici acabar em março de 1974, o governo agiu rápido e providenciou junto à Confederação Brasileira de Desportos, a CBD, a organizadora do Campeonato Brasileiro, o aumento do número de participantes para a edição de 1973 da competição, sendo assim de 26 passaram a ser 40 equipes.

Para se ter uma ideia, o campeonato de 1972 contou com 352 jogos, já o de 1973, 656, um aumento de 86%. Diante disso, a competição que costumava acabar ao final de dezembro, como aconteceu nos dois anos anteriores, em 1973 se encerrou apenas em 20 de fevereiro de 1974. Sendo assim, associado ao baixo interesse dos torcedores, a falta de datas e a iminente saída de Médici do cargo de presidente colaboraram com o fim de sua realização. Era o fim da homenagem ao ditador.