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Matérias / Ditadura Militar

A troca de técnico da seleção brasileira, às vésperas da Copa do Mundo de 1970

O episódio, que aconteceu no período mais repressivo da ditadura, foi marcado na história brasileira

José Renato Santiago, arquivo Aventuras na História Publicado em 30/10/2018, às 18h00 - Atualizado em 28/11/2022, às 09h18

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Imagem meramente ilustrativa - Imagem de Comfreak por Pixabay
Imagem meramente ilustrativa - Imagem de Comfreak por Pixabay

Após a fracassada campanha brasileira na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, Aymoré Moreira, que tinha conquistado a Copa do Mundo em 1962, substituiu o técnico Vicente Feola.

Aymoré precisaria criar uma nova equipe, já que grandes nomes como Gylmar dos Santos Neves, Djalma Santos, Bellini e Garrincha tinham se despedido da seleção.

Ainda que jovens talentos começassem a surgir, dentre eles Carlos Alberto Torres, Gérson, Jairzinho, Rivelino e Tostão, e ainda contando com Pelé, a seleção não mostrava seu melhor futebol, o que acendeu a preocupação de João Havelange, então presidente da CBD (atual CBF), quanto às chances na Copa do Mundo do México em 1970. 

Em outubro de 1968, a CBD criou a Cosena, Comissão Selecionadora Nacional, que contribuiria com o técnico na convocação dos jogadores e tinha como grande apoiador o dirigente Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória, que comandara a delegação brasileira nas duas Copas do Mundo conquistadas até então.

Essa comissão, formada por técnicos e dirigentes, interferiria no trabalho de Aymoré. Paulo Machado de Carvalho deixou a seleção brasileira em janeiro de 1969, e a Cosena foi extinta.

Foi anunciado, para a surpresa de todos, como novo técnico da seleção o jornalista João Saldanha, que trazia em seu pequeno currículo como técnico o título carioca de 1957 com o Botafogo. Com a Copa do Mundo Catar 2022, o site Aventuras na História relembra o polêmico episódio, que marcou a história do futebol brasileiro.

Saldanha no cargo

Dono de uma personalidade forte, Saldanha assumiu o cargo convocando 22 jogadores e já definindo o seu time titular: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Gérson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Pelé e Tostão.

A seleção, que ganhou a alcunha de “As feras do Saldanha”, fez uma campanha perfeita nas eliminatórias para a Copa de 1970, com seis vitórias em seis partidas. A euforia demonstrada no jogo que decidiu a classificação para o mundial, na vitória por 1 a 0 frente ao Paraguai, dava a certeza de que Saldanha e suas feras conquistariam o tricampeonato no ano seguinte. 

Naquele mesmo dia, um fato sem vínculo direto com o futebol seria depois o primeiro passo que poria fim à trajetória de Saldanha na seleção. O general Artur da Costa e Silva, ex-presidente da República, responsável pelo AI-5, instrumento jurídico que suspendeu todas as liberdades democráticas e direitos constitucionais, sofrera um derrame cerebral.

Em seu lugar, uma Junta Militar assumiu a presidência, e ficou no comando do país até 30 de outubro de 1969, quando o general Emílio Garrastazu Médici tomou o lugar de Costa e Silva, que morreria no mesmo ano.

Considerado um militar de linha dura, em sua gestão o país viveria o auge da ditadura militar, com muitos registros de desaparecimentos e mortes daqueles que se mostravam contrários ao governo.

Saldanha, comunista assumido, talvez não acreditasse na imediata interferência em seu trabalho na seleção, ainda mais com os bons resultados apresentados. Por causa disso, talvez nem sequer tenha se aborrecido com a derrota por 2 a 1 para a equipe do Atlético Mineiro, que vestia as camisas da seleção mineira, no dia 3 de setembro, em evento comemorativo da classificação para a Copa do Mundo e ao 147º aniversário da Independência da República. 

Naquele dia o público mineiro foi ao delírio quando um centroavante desengonçado marcou o gol da vitória, com um belo chute de fora da área. Seu nome era Dario, ou simplesmente Dadá. Mas era difícil cogitar sua convocação para a seleção, tão bem servida por Tostão, do Cruzeiro, e Roberto, do Botafogo.

Troca de técnico 

Durante partida realizada no Pacaembu, entre Corinthians e Cruzeiro, Tostão sofreu um deslocamento de retina ao ser atingido por uma bola. Sua ida para a Copa começou a ser questionada, e três dias após ser liberado para voltar a jogar sofreu nova hemorragia no olho. Em sua coluna no Jornal do Brasil, o jornalista Armando Nogueira escreveu que o ex-presidente Médici era fã do futebol de Dario.

Na véspera de um amistoso contra a Argentina em Porto Alegre, um repórter perguntou a Saldanha: “O presidente Médici está no Rio Grande do Sul e parece que havia sugerido o nome de Dario para ser convocado, o que você acha da sugestão?” De forma tranquila, Saldanha não titubeou e respondeu calmamente: “O Brasil tem 80, 90 milhões de torcedores e gente que gosta de futebol. É um direito que todos têm. Aliás, eu e o presidente, ou o presidente e eu, temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos. Somos gremistas. Gostamos de futebol. E nem eu escalo o ministério, nem o presidente escala time, então tá vendo que nós nos entendemos muito bem”. No dia seguinte os brasileiros foram derrotados por 2 a 0.

Três dias depois de a seleção empatar por 1 a 1, em jogo-treino contra o Bangu, Saldanha anunciou que Pelé seria reserva na partida com o Chile, marcada para São Paulo em março. O motivo alegado era que o Rei não estava jogando bem devido a uma miopia. No mesmo dia, João Havelange anunciou a demissão de Saldanha.

Em seu lugar, foi chamado Zagallo, que no dia seguinte à sua nomeação convocou Dario. Pouco mais de três meses depois, Médici recebeu, em Brasília, Zagallo e seus comandados, dentre eles Dario, que tinham conquistado o tricampeonato mundial dois dias antes.