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Matérias / Ditadura militar brasileira

A palavra proibida pela ditadura

Em entrevista ao AH, o jornalista Francisco José recorda como a ditadura militar impedia o jornalismo de mostrar a realidade do Brasil

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 10/12/2022, às 00h00 - Atualizado em 30/03/2023, às 16h16

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Imagem ilustrativa - Pixabai
Imagem ilustrativa - Pixabai

No final dos anos 1970 e início dos 1980, o sertão nordestino enfrentou o auge da maior seca do século 20. Em cerca de cinco anos, 3.5 milhões de pessoas morreram de fome e enfermidades ligadas à desnutrição; sendo que a maioria das vítimas eram crianças. 

O drama começou em 1979, com o início de uma longa estiagem. A crise se agravou ano após ano. Em 1983, o cenário já afetava 10 milhões de flagelados da seca, o que representava mais de um terço da população do Nordeste, apontam dados da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Retirantes, de Candido Portinari (1944)/ Crédito: Divulgação/ MASP

Apesar da dimensão do problema, as vítimas eram esquecidas. Deixadas de lado. Embora a ditadura militar caminhasse para seus últimos anos, a censura ainda batia à porta de veículos de jornalismo. Falar sobre o cenário do sertão não era uma pauta permitida

Foi uma época muito difícil. Era um período em que o Nordeste era recordista mundial de mortalidade infantil nos longos períodos de seca. Era terrível naquela época”, recorda o jornalista Francisco José em entrevista exclusiva ao Aventuras na História em parceria com o portal SportBuzz. 

Contratado da Rede Globo por mais de quatro décadas, onde fez reportagens para o Jornal Nacional e em mais de 100 edições do Globo Repórter, Chico José aponta que o cenário do sertão nordestino é totalmente diferente nos dias atuais. 

“Hoje ainda existe a seca, mas já não morre mais as pessoas. Morre ainda os animais por falta de água. Naquela época morriam os animais e morriam as pessoas. Principalmente as crianças recém-nascidas, que eram enterradas ainda sem nome, sem identidade”, explica. 

Chico recorda que muitas delas nasciam mortas ou padeciam pouco tempo depois de virem ao mundo. “Eram levadas para ser enterradas na área rural, perto da casa se abria uma cova rasa.” 

Eu lembro que eu entrevistei um senhor e ele estava enterrando o terceiro neto. E as palavras dele foram: ‘Esse é o terceiro anjinho que eu estou enterrando aqui’. Quer dizer, os anjos da seca”, recorda. 

A palavra proibida

Chico Francisco relembra que, na época, os agentes responsáveis pela censura ficavam na redação e que também havia palavras que não podiam ser ditas em suas reportagens. “A gente sabia que uma das palavras proibidas era ‘fome’.” 

Eu não podia falar em fome no lugar onde as pessoas morriam de fome”, afirma. 

No entanto, o jornalista conta que nem sempre era preciso usar a palavra proibida para descrever o cenário nordestino. “Eu lembro de uma vez que eu fiz uma reportagem e entrei numa casa, as crianças desnutridas, visivelmente estavam passando fome.” 

“Tinha aquele fogãozinho à lenha, como é característico nessas regiões do Nordeste… E eu perguntei para a dona da casa: ‘Há quanto tempo a senhora não acende esse fogão? Não bota fogo nessa lenha?’. Ela disse: ‘Já está com uns 10 dias’”, recorda.  

O jornalista Francisco José/ Crédito: Divulgação

“Então, eu fui para o lado do fogão, e disse: ‘Esse fogão à lenha não é aceso para alimentar a família há uns 10 dias’. Eu disse [indiretamente] que eles estavam passando fome, porque se o fogão não está sendo aceso…”.

Chico conta que a matéria acabou passando pela censura e foi exibida pelo Jornal Nacional, embora, posteriormente, a emissora tenha recebido uma reclamação. “Acontecia muito isso. A gente ia, não podia mostrar explicitamente a realidade daquela época no sertão, mas nós conseguíamos sempre uma maneira de aproximar dessa realidade, de mostrar para as pessoas entenderem que alguém tinha que fazer alguma coisa.” 

“Como foi depois, criaram o carro-pipa, abriram açudes, fizeram barragens para as pessoas terem água. Porque, se eles têm água no sertão, praticamente eles têm tudo. Podem plantar, eles se alimentam. Mas antes era muito difícil”, encerra.


O jornalista Francisco José foi uma das fontes entrevistadas pela equipe do Aventuras na História, em parceria com o portal SportBuzz, em uma série especial de podcasts que ligam a História do Brasil e do futebol, publicadas em dezembro de 2022. A entrevista na íntegra já está disponível. Ouça abaixo!