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Matérias / Curiosidades

Peste? Serial killer? Sacrifício humano? As origens de cantigas infantis

Embora muito populares, canções podem ter significado sombrio que poucos conhecem

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 22/10/2023, às 15h00

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Ilustração dos 'Três ratos cegos' - Domínio Público
Ilustração dos 'Três ratos cegos' - Domínio Público

No século 14, a Peste Bubônica matou entre 75 e 200 milhões de pessoas — o que representa entre 30 e 60% de toda a população da Europa. Entre 1553 a 1558, a rainha Maria I, da Inglaterra, queimou centenas de protestantes na fogueira. Ainda no século 16, um vendedor de pães teria aproveitado de sua profissão como disfarce para assassinar diversas pessoas. 

Mas o que todos esses assuntos tem em comum? A resposta pode te surpreender. Embora pareçam fatos aleatórios, cada um destes períodos de nossa história foi 'eternizado' em cantigas infantis.

1. Quem foi Humpty Dumpty?

Em 1971, Lewis Carroll publicou o livro "Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá". Na história, Alice encontra Humpty Dumpty, um personagem enigmático de uma música infantil retratado como um ovo antropomórfico, com rosto, braços e pernas.

Carroll foi o primeiro a descrevê-lo assim, mas a canção sobre o personagem, de 1797, não fala nada disso. As frases dizem: "Humpty Dumpty sentou-se em um muro/ Humpty Dumpty sofreu uma grande queda/ Todos os soldados e servos do rei/ Não conseguiram juntar Humpty outra vez".

A canção, porém, não especifica em nenhum momento o que significa Humpty Dumpty. Assim existem algumas teorias. Uma delas é que Humpty Dumpty seria uma cantiga antiga sobre embriaguez pública.

O History Daily aponta que nos séculos 17 e 18, o termo Humpty Dumpty era usado para se referir a alguém que estava acima do peso e era desajeitado. O nome também seria uma referência a uma bebida do século 18 feita de conhaque fervido e cerveja.

O personagem também pode ser uma referência a dois eventos da história da Inglaterra. Pesquisadores apontam que o nome Humpty Dumpty se refere a um canhão usado durante a Guerra Civil (1642—1651). A história aponta que o canhão Humpty Dumpty caiu de um muro na cidade de Colchester, que era conhecida por sua lealdade ao rei inglês, e acabou destruído. "Todos os soldados e servos do rei/ Não conseguiram juntar o canhão outra vez".

Outra origem pode ser ainda mais antiga, sendo uma referência a Ricardo III, que reinou entre 1483 e 1485. Humpty Dumpty seria um apelido cruel para o monarca que era corcunda. Ricardo III acabou sendo derrotado por Henry Tudor na Batalha de Bosworth Field, em 1485. Na ocasião, ele acabou caindo de seu cavalo, que se chamava Wall (que em tradução livre pode ser usado para falar sobre uma 'parede' ou 'muro').


2. Homem do Muffin foi um assassino?

"Você conhece o homem do Muffin?/O homem dos muffins, o homem dos muffins/ Você conhece o homem dos muffins/que mora em Drury Lane?". Em um momento a música sobre o homem do muffin parece inofensiva, mas há quem acredite que o sujeito retratado na canção infantil era um serial killer.

Embora a canção informe poucas coisas sobre o personagem, nos últimos tempos a internet passou a entender que a canção era uma referência a Frederick Thomas Lynwood que vendia muffins e também era um cruel assassino.

Segundo o All That Interesting, as versões apontam que Lynwood, que viveu no século 16, usava seu negócio de vender muffins — que mais se parecem com pães amassados do que com os famosos bolinhos — como um disfarce para cometer crimes.

Assim, o homem dos muffins amarraria um barbante nos alimentos e atraia suas vítimas puxando o pão. Quando elas chegassem perto o suficiente, seriam atacadas com uma colher de pau até a morte. O próprio Lynwood teria, supostamente, se mantido impune até o resto da vida, quando morreu após engasgar com um pedaço de muffin.

Mas o Museu de Londres observa que o "Homem do Muffin" foi escrito pela primeira vez em 1820. Com essa informação, o portal Snopes sugere que a canção seja apenas sobre um vendedor de alimentos do século 19. Aquela época, os londrinos costumavam comprar comida de vendedores nas ruas — visto que muitos trabalhavam por longas horas e, às vezes, eles não tinham cozinha em casa. A opção mais fácil seria comprar um muffin.


3. A queda da Ponte de Londres

O próprio nome da cantiga "London Bridge Is Falling Down" ('A ponte de Londres está caindo', em tradução livre) já sugere que a canção infantil possa ter uma história não muito feliz. Embora seja apreciada pelas crianças, ela realmente se trata de uma tragédia?

A Ponte de Londres está caindo/ Está caindo, está caindo/ A Ponte de Londres está caindo/ Minha Bela Dama", diz a letra.

A rima se tornou muito popular em 1850, mas é muito mais antiga que isso, aponta o History Daily. Os versos, aliás, podem ser uma referência a uma das muitas vezes que as primeiras versões da Ponte de Londres foi destruída — ou quase.

Em 1014, o líder Viking Olaf Haraldsson supostamente foi responsável por destruir a ponte. Um fato curioso é que as frases nórdicas sobre o ataque possuem rimas parecidas com a versão inglesa. Mas é importante ressaltar que a precisão histórica do ataque é desconhecida.

Além deste, aliás, parte da Ponte de Londres também sofreu graves danos pelo gelo em 1281; incêndios a afetaram no século 17, como O Grande Incêndio de Londres, em 1666, que também causou grandes estragos em sua estrutura. Já em 1831, ela foi demolida e reconstruída.

Em 'The Traditional Games of England, Scotland and Ireland', publicado no final do século 19, a folclorista Alice Bertha Gomme sugere que a cantiga possa ser uma referência a prática do 'emparedamento' — uma horrível tática de punição e sacrifício medieval —, onde a vítima é selada em um quarto e deixada para morrer.

Gomme sugere que uma pessoa — ou várias — possam ter sido emparedadas na estrutura da ponte como forma de sacrifício para que a mesma jamais desabasse; visto que outra estrofe diz: "Pegue a chave e tranque-a / Tranque-a, tranque-a / Pegue a chave e tranque-a / Minha bela senhora". Vale ressaltar que nunca foi encontrado qualquer evidência de sacrifício nos alicerces da Ponte de Londres.


4. A peste bubônica?

A canção "Ring Around the Rosie" ('Anel Em Volta do Rosado', em tradução livre) é uma das mais famosas da língua inglesa. Mas o que poucos sabem é que seu significado pode ser uma referência a um dos períodos mais sofridos da história: a Peste Bubônica, que assolou a Europa no século 14.

As rimas da canção dizem: "Anel em volta do rosado/ Um bolso cheio de ramalhetes/ Cinzas, cinzas/ Todos nós caímos". Mas o que ela realmente significa?

Uma das interpretações, segundo Peter Opie e Iona Opie escrevem em 'The Oxford Dictionary of Nursery Rhymes', é que o trecho "anel ao redor do rosado", seria sobre as erupções cutâneas que atingiam os enfermos. Já "um bolso cheio de ramalhetes" poderia ser uma referência às flores colocadas sobre os mortos para disfarçar seu cheirou ou uma das medidas protetivas que as pessoas usavam para tentar se livrar da peste.

O trecho "cinzas, cinzas / todos nós caímos" poderia representar vítimas da peste morrendo e depois sendo cremadas.

O fatalismo da rima é brutal: as rosas são um eufemismo para erupções cutâneas mortais, os ramalhetes uma suposta medida preventiva; e a implicação de todos caírem é, bem, a morte", relatou artigo do Londonist em 2014.

Vale ressaltar que "Ring Around the Rosie" jamais foi comprovada ser uma canção sobre a Peste Bubônica, visto que existem diversas variações de suas estrofes e ela só foi documentada centenas de anos depois que a doença varreu parte da Europa.


5. Três ratos cegos

Entre as canções infantis, "Três Ratos Cegos" é a que possui as frases mais sombrias de todas: "Três ratos cegos/ Três ratos cegos/ Veja como correm/ Veja como correm/ Todos correram atrás da esposa do fazendeiro/ Ela cortou suas caudas com uma faca de trinchar/ Você já viu algo assim em sua vida/ Como três ratos cegos?".

Segundo o All That Interesting, uma teoria popular sugere que a origem da canção seria uma referência a rainha Maria I, da Inglaterra — também conhecida como Maria Sangrenta. Durante seu breve reinado, de 1553 a 1558, a monarca católica queimou centenas de protestantes na fogueira.

Três dessas vítimas protestantes foram apelidadas de "Mártires de Oxford". Daí a ligação: os ratos fictícios da música representam essas vítimas, pois foram queimados na fogueira por sua crença "cega" no protestantismo.

Assim, os "três ratos cegos" poderiam hipoteticamente representar os protestantes. E a esposa do fazendeiro empunhando uma faca poderia potencialmente representar a Rainha Maria I.