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Matérias / Segunda Guerra

A cara do horror: Relatos de vítimas de Hiroshima

Cinco sobreviventes do maior ataque nuclear relatam o dia mais longo de suas vidas

Leandro Narloch Publicado em 06/08/2019, às 10h00

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Yoshito Matsushige / Crédito: Reprodução
Yoshito Matsushige / Crédito: Reprodução

Em 6 de agosto de 1945, a bomba de urânio Little Boy aniquilou a cidade de Hiroshima, no Japão, e matou mais de 100 mil pessoas. Alguns, no entanto, sobreviveram ao ataque. Leia abaixo relatos de cinco sobreviventes:

Yoshito Matsushige

"Eu tinha acabado de tomar café-da- manhã e me preparava para ir ao jornal onde trabalhava. De repente, o mundo ao meu redor ficou branco e brilhante, como se tivessem disparado um flash na minha cara. Depois, veio a explosão. A sensação era de centenas de alfinetes me penetrando ao mesmo tempo.

Após cerca de 40 minutos, peguei minha câmera, vesti uma roupa que achei no meio dos escombros e saí para a rua. Na ponte Miyuki, encontrei estudantes do Colégio para Mulheres de Hiroshima, mobilizadas para derrubar casas. Estavam cobertas de queimaduras. Puxei minha câmera, mas não consegui apertar o botão. Eu tinha sofrido apenas ferimentos leves causados por estilhaços de vidro, e aquelas pessoas estavam morrendo.

Hesitei por uns 20 minutos, até tomar coragem. Lembro que o visor da câmera ficou embaçado pelas minhas lágrimas. Endureci o coração para fotografar. Depois, vi um bonde queimando. Dentro estavam 15 ou 16 passageiros, mortos uns sobre os outros, com as roupas arrancadas.

Meus cabelos arrepiaram e as minhas pernas tremeram. Caminhei para tirar uma foto. Não consegui. Havia outros fotógrafos lá, mas nenhum deles conseguiu fotografar. É uma pequeno consolo ter sido capaz de tirar pelo menos cinco fotografias que se tornaram registro daquela atrocidade".

Idade na época: 32 anos

Distância da explosão: 2.7 km


Ayako Motita

"Posso até dizer que tive sorte dupla naquele dia. Eu trabalhava em um departamento do governo a 500 metros do epicentro da explosão. Mas, por estar doente, estava cumprindo o expediente em outro prédio, mais distante do local da bomba. E, no momento exato da explosão, eu tinha ido beber água.

Longe da janela, fiquei protegida da radiação. Saí do prédio coberta de sangue por causa dos ferimentos causados pelos estilhaços de vidro e fui correndo para casa, que não estava mais lá. No caminho, vi uns meninos pendurando alguma coisa no corpo. Quando cheguei perto, percebi que seguravam a própria pele.

Nos dias que se seguiram, diziam que viveríamos apenas dois anos, e que nenhuma planta nasceria em Hiroshima. Como o capim começou a crescer, pensamos que também sobreviveríamos. E sobrevivemos. Um ano depois, conheci meu marido e viemos para o Brasil. Estamos juntos há quase 60 anos e temos dois filhos saudáveis. Mas eu ainda sonho com aquele dia."

Idade na época: 20 anos

Distância da explosão: 1.2 km


Takashi Morita

"Eu estava levando 15 prisioneiros americanos para construírem um abrigo antiaéreo. Caminhávamos, quando senti uma luz nas minhas costas que me jogou uns 10 metros para frente. Depois, caiu uma chuva negra. Corri para o abrigo em construção e fui enviado pelo meu superior para saber o que estava acontecendo. Levei três horas para percorrer um quilômetro, vendo pelo caminho gente pegando fogo.

A cena que mais marcou foi a de um bonde cheio de corpos carbonizados. Dava para ver a expressão de susto nos cadáveres. Eu já tinha presenciado o bombardeio a Tóquio meses antes, que matou muita gente, mas parecia bem pior. Os rios estavam cheios de corpos. Eu e meus colegas militares lutaríamos até a morte naquela guerra. Pode ser até que merecêssemos a morte. Nunca nos renderíamos aos americanos. Mas nossas mulheres e crianças não tinham nada a ver com isso."

Idade na época: 22 anos

Distância da explosão: 1.3 km


Robert Lewis

"O clarão foi terrível. Quando viramos o avião e pudemos observar os resultados da nossa ação, vimos a maior explosão que o homem já testemunhou. Mais de 90% da cidade estava coberta de fumaça, e por uma coluna de nuvem branca que em menos de três minutos alcançou 30 mil pés.

Tenho certeza de que toda a tripulação experimentou uma sensação maior do que qualquer ser humano podia suportar. É impossível de compreender. Quantas pessoas nós matamos? Meu Deus, o que fizemos? Se eu viver 100 anos, nunca vou tirar aqueles poucos minutos da minha cabeça."

Co-piloto do enola gay. O depoimento foi tirado do seu diário de bordo.

Idade na época: 26 anos


Hiroshi Sawachika

"Eu tinha acabado de chegar no hospital e dizia "bom dia" para as pessoas, quando um brilho vermelho invadiu a sala. Fiquei inconsciente por 30 segundos. Acordei atordoado e caminhei até a janela, de onde vi um cogumelo de fumaça perto da companhia de gás. Nesse momento alguém me chamou para atender feridos.

Comecei a trabalhar, com a ajuda de enfermeiras e residentes. Aí ouvimos um barulho. Eram dezenas de pessoas caminhando na direção do hospital. Estavam queimadas e tinham vidros quebrados ou madeira no corpo. Pareciam fantasmas. Eu vi fantasmas.

Uma hora, quando parei o trabalho para respirar, uma mulher grávida pegou na minha perna e disse: "Eu sei que vou morrer, mas posso sentir meu filho se mexendo. Se eu fizer o parto agora, ele se salva". Mas não dava para fazer um parto aquela hora. Tudo que eu pude fazer foi dizer que voltaria. A imagem daquela mulher nunca saiu da minha cabeça. Naquele dia atendi 200 ou 300 pacientes. Foi o dia mais longo da minha vida."

Idade na época: 28 anos

Distância da explosão: 5.1 km