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Matérias / Zuzu

Zuzu: Indivíduo que viveu no Brasil há 9,6 mil anos ganha modelo 3D de seu rosto

Em entrevista ao site Aventuras na História, Cícero Moraes, o artista responsável pela aproximação facial, explicou o impressionante projeto

Ingredi Brunato Publicado em 16/02/2023, às 09h35

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Montagem mostrando crânio de Zuzu e sua aproximação facial - Divulgação/ Wikimedia Commons/ Mateus S. Figueiredo e Divulgação/ Cícero Moraes e Moacir Elias Santos
Montagem mostrando crânio de Zuzu e sua aproximação facial - Divulgação/ Wikimedia Commons/ Mateus S. Figueiredo e Divulgação/ Cícero Moraes e Moacir Elias Santos

Em 2022, o renomado designer Cícero Moraes e o arqueólogo Moacir Elias Santos decidiram se unir para criar um modelo 3D do rosto de Zuzu, um dos mais antigos habitantes do Brasil do qual temos conhecimento. 

paleoíndio (isso é, indivíduo pertencente a um povo indígena que precedeu a agricultura) andou pelo território brasileiro nada menos que 9,6 mil anos atrás. Para dar uma ideia, Luzia, o fóssil mais antigo já encontrado na América do Sul, viveu entre 11 mil e 13 mil anos atrás. 

Seu esqueleto foi encontrado em posição fetal durante uma escavação arqueológica de 1997 realizada no Parque Nacional Serra da Capivara, que fica localizado no estado do Piauí. Tanto a descoberta quanto o estudo dos restos mortais, por sua vez, foram liderados pela franco-brasileira Niède Guidon, pesquisadora especializada em Pré-História. 

Em uma entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, Cícero deu detalhes a respeito dos bastidores do projeto. Confira abaixo! 

Patrimônio nacional

Acostumado a fazer aproximações faciais de crânios encontrados nas mais diversas partes do mundo, o artista brasileiro afirmou se sentir honrado por poder ajudar a "revelar" a aparência de uma figura de importância nacional. 

É sempre uma grande honra, pois eu também faço parte desta história e trabalhar apenas com outros países pode ser frustrante no contexto de não contribuir diretamente com a nossa cultura", comentou ele. 

O designer 3D apontou que uma das ideias por trás do projeto é justamente chamar atenção da comunidade científica global para o esqueleto de 9,6 mil anos, fazendo com que sua história seja "debatida, comentada e reconhecida". 

A pesquisa em torno de Zuzu é particularmente fascinante por se conectar com o estudo do próprio povoamento da América do Sul. No caso do paleoíndio, por exemplo, ele possui traços asiáticos. 

O que temos é uma afinidade estrutural do crânio do Zuzu com algumas populações asiáticas, como o cluster (grupo) dos malaios modernos, dos vietnamitas modernos e dos fósseis e crânios de populações naturais da América", explicou Cícero Moraes

Ainda segundo o especialista, o esqueleto encontrado no Piauí tem mais semelhanças com esses grupos do que com brasileiros modernos que possuem ancestralidades europeias ou então africanas. 

O processo 

Imagens mostrando etapas da aproximação facial / Crédito: Divulgação/ Cícero Moraes e Moacir Elias Santos 

Vale destacar que o modelo do rosto de Zuzué descrito pela iniciativa como uma "aproximação facial", e não uma "reconstrução facial", com essa primeira descrição sendo considerada mais precisa. 

O que nós fazemos é aproximar como poderia ser a face do indivíduo, baseado em dados estatísticos e estudos efetuados sobre anatomia de pessoas vivas. Dizer que reconstruímos seria impreciso, posto que não há como afirmar com 100% de certeza que o rosto seria aquele", esclareceu Cícero

"O que sabemos é que, a chance de ser aquele volume é muito grande. E temos estudos que evidenciam isso, no entanto, por motivos óbvios, não há como comparar esse rosto com o do Zuzu", acrescentou o artista. 

Além dos dados estatísticos e da análise do crânio em si, o desenvolvimento da aproximação 3D utilizou um "doador virtual", isso é, o modelo do rosto de alguém com características semelhantes ao paleoíndio. 

O crânio deste doador foi então deformado digitalmente até estar no formato de Zuzu, um processo que serve para ajudar os pesquisadores a visualizarem como os tecidos moles (como pele, músculos, etc) provavelmente se comportariam sobre os ossos da face do homem de quase 10 mil anos. 

Um outro detalhe peculiar a respeito do habitante brasileiro é que um dos primeiros estudos a seu respeito pensaram que os restos mortais pertenciam, na verdade, a uma mulher.

Outras três pesquisas posteriores, por outro lado, concordaram que se tratava de um homem, porém a questão ainda pode ser mantida "em aberto" por conta das limitações da análise de um fóssil tão antigo. 

Também pode se considerar que as características do crânio de Zuzu possuem certa androginia, o que é refletido em sua aproximação facial: 

Ao aproximarmos a face e deformamos a anatomia, não há como 'esconder' certas características como a robustez no caso de um homem médio ou a delicadeza das formas, em relação a uma mulher média. O Zuzu tem um rosto que tende mais para o masculino, mas também conta com elementos delicados", comentou Cícero Moraes

O resultado 

O artigo científico resultante dos esforços do designer e de Moacir Elias Santos, que foi publicado neste início de 2023, traz dois modelos 3D: um deles é mais objetivo, procurando retratar o rosto do paleoíndio de forma fiel aos dados científicos aos quais os especialistas tinham acesso. Nesta versão do rosto de Zuzu, por exemplo, o efeito dos dentes que faltam na boca do crânio é levado em consideração para a criação de sua aparência final. 

A aproximação facial mais objetiva / Crédito: Divulgação/ Cícero Moraes e Moacir Elias Santos 

o segundo modelo é mais especulativo, isso é, toma a liberdade de acrescentar características como a cor da pele, dos olhos e do cabelo do habitante brasileiro primitivo, além de projetar seu rosto como se a mandíbula ainda trouxesse todos os dentes. É importante reforçar que os aspectos escolhidos são baseados em estatísticas, de forma que são prováveis — apenas não são uma certeza. 

[A criação de dois modelos] foi uma forma que achamos de deixar bem evidente as limitações da aproximação facial forense, mas também fornecermos um rosto com todos os elementos possíveis, que efetivamente o humanizam. O primeiro rosto é voltado para o público técnico e o segundo para a população em geral", concluiu Cícero.