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Matérias / Brasil Colônia

Suplício judiciário: Portugal torturava prisioneiros brasileiros

Uma forma radical de punição no Brasil Colônia incluía tortura com ferro em brasa, trituração dos ossos, decapitação e esquartejamento

Laurentino Gomes Publicado em 05/08/2019, às 07h00 - Atualizado às 09h00

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Crédito: David Gilmour Blythe
Crédito: David Gilmour Blythe

Os estudantes de História costumam ficar chocados com a forma implacável como Portugal punia os culpados de crimes políticos no Brasil Colônia. Depois de enforcado, Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira (1789), teve seu corpo esquartejado. Troncos e membros foram espalhados ao longo da estrada que ligava Minais Gerais ao Rio de Janeiro; e sua cabeça, espetada no alto de um posto em Vila Rica, atual Ouro Preto, foi misteriosamente roubada. Até hoje não se sabe seu paradeiro.

Na Revolta dos Alfaiates, ocorrida em Salvador em 1798, 47 suspeitos foram presos, e três deles acabaram decapitados e esquartejados. Pedaços de seus corpos foram colocados na ponta de estacas pelas ruas da capital, onde ficaram até se decompor totalmente.

Na Revolução Pernambucana de 1817, a sentença contra os revoltosos determinava que, “depois de mortos, terão cortadas as mãos e decepadas as cabeças, e se pregarão em postes (...) e os restos de seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério”.

O suplício judiciário, como era conhecido esse tipo de punição, tinha o objetivo de servir como exemplo. Forma radical de expiação de crimes ou faltas graves, incluía tortura com ferro em brasa, trituração dos ossos com o réu ainda vivo, esquartejamento e exposição dos corpos em praça pública e, em casos mais extremos, a queima dos cadáveres, cujas cinzas eram jogadas nos rios ou no mar. Usada em Portugal desde a Idade Média, popularizou-se na Inquisição e foi aplicada sem dó sempre que houve um bom motivo, do ponto de vista da coroa.

Um caso exemplar está num belo livro, O Último Távora, de autoria do historiador português José Norton. A obra conta a história de dom Pedro de Almeida Portugal, terceiro marquês de Alorna. É um personagem notável. Sua saga começa com a tentativa de assassinato do rei dom José I (1714-1777), em 1758, e a vingança que se abateu sobre uma das casas mais nobres de Portugal. Continua com a fuga da corte portuguesa para o Brasil, em 1807, e termina em 1812, na retirada das tropas do imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821) da Rússia.

Dom Pedro era filho de dom João de Alorna e de dona Leonor, herdeira dos marqueses de Távora, família cujas origens perdiam-se nas brumas do tempo anterior à fundação do reino de Portugal, no século 12. Tinha oito anos quando seus pais, tios e avós foram acusados de tramar o assassinato de dom José I. O episódio foi usado como pretexto por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal (1699-1782), para quebrar a espinha da antiga nobreza, cujos prestígio e poder rivalizavam com os do rei.

Marquês de Pombal / Crédito: Wikimedia Commons

Pombal tinha objetivo de reforçar a autoridade do estado monárquico. O poder da antiga nobreza era um obstáculo, e ele aproveitou-se do processo contra os Távora para dar uma lição a todos os demais nobres e fidalgos. Julgados e condenados de forma sumária, os Távora foram torturados até a morte na manhã de 13 de janeiro de 1759, num patíbulo erguido nas margens do rio Tejo, em Belém, Lisboa.

Ainda vivos, os marqueses, seus parentes e aliados tiveram os ossos triturados na roda, instrumento medieval de tortura. Em seguida, foram decapitados. Os corpos besuntados de alcatrão foram queimados e as cinzas, jogadas no Tejo. O nome Távora foi proibido em Portugal, seus brasões foram destruídos e os bens, leiloados.

O solo em que o sangue Távora correu durante a execução foi salgado para que nada lá pudesse crescer. Permanecendo estéril por três séculos, só algumas décadas atrás foi recuperado e transformado num jardim, nas imediações do Mosteiro dos Jerônimos.

O pai e a mãe de Pedro de Almeida Portugal sobreviveram às execuções, passando anos na prisão em Lisboa e sendo libertados em fevereiro de 1777, após a morte de dom José I. Curiosamente, o pequeno Pedro foi adotado por Pombal, que via na criança uma oportunidade de reeducar a nobreza. Como protegido do ministro, Pedro estudou no Real Colégio dos Nobres de Lisboa e na reformada Universidade de Coimbra.

No fim do século 18, já com o título de marquês de Alorna, tornou-se conselheiro do príncipe regente dom João (1767-1826), que assumira o trono no lugar da mãe, a rainha dona Maria I (1734-1816).

Em 1801, um documento escrito pelo marquês de Alorna recomendava a transferência da corte para o Brasil como única solução para a monarquia portuguesa. É o que, de fato, dom João faria seis anos mais tarde, quando Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão. O marquês, porém, não cruzaria o Atlântico. Acusado de participar de uma conspiração, cai em desgraça e não acompanha a fuga.

Ao perceber que seria inútil resistir às tropas de Napoleão, Alorna escolheu o caminho trilhado por muitos nobres portugueses na época: aderiu ao imperador inimigo. Nomeado comandante da nova Legião Portuguesa, caberia a ele a humilhante tarefa de invadir o próprio país duas vezes, ao lado das tropas francesas. Ambas as tentativas fracassaram. As forças de Napoleão seriam definitivamente expulsas de Portugal pelos ingleses em 1811.

Escorraçado e tratado como traidor por seus compatriotas, o marquês seria nomeado general-de-divisão do Exército imperial de Napoleão e participaria da invasão da Rússia em 1812. Mas, em lugar de marchar até Moscou com o exército que seria dizimado pelo inverno russo, permaneceu na Lituânia, como governador civil. Doente e desiludido, morreu na Alemanha no dia de Ano Novo de 1813.


Saiba mais

O Último Távora: a Incrível História do Homem que Sobreviveu à Trama para Matar o Rei de Portugal, Orientou D. João a fugir para o Brasil e Terminou a Vida como General de Napoleão Bonaparte, José Norton, Planeta do Brasil, 2008

A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis: do Terremoto de Lisboa à Independência do Brasil, Lília Moritz Schwarcz, Companhia das Letras, 2002