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Heráldica: arte dos brasões

Inicialmente pinturas em escudos feitas para identificar os amigos dos inimigos no campo de batalha, a heráldica se tornou marca de nobreza que ultrapassava gerações

Fabiano Onça Publicado em 01/11/2005, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
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Diferenciar os amigos dos inimigos sempre foi fundamental em batalha, claro. Mas, se no calor do combate muitas vezes era difícil distinguir aliados de oponentes, na Idade Média, com o desenvolvimento de armaduras e elmos – que muitas vezes cobriam um soldado dos pés à cabeça –, identificar um guerreiro virou uma tarefa quase impossível. No início, os sinais eram muito simples e ficavam na parte mais visível do combatente: seu escudo. Podia ser uma cor. Ou, então, um símbolo geométrico simples, como um triângulo, ou uma cruz. O que importava era ser reconhecido rapidamente.

Entre 1135 e 1155, a utilização desses símbolos por senhores feudais se espalhou pelo continente europeu. Leões rompantes, águias e flores-de-lis começaram a povoar os escudos. Nesses primeiros tempos, muitas das cotas de armas eram criadas pelos próprios cavaleiros que as utilizavam – não eram concedidas por nenhuma autoridade. Com o tempo, os desenhos foram se tornando cada vez mais complexos, e logo os escudos começaram a apresentar subdivisões – em apenas um deles, por causa dos casamentos, podiam ser representados os brasões de duas famílias. Por volta do século 14, todo um sistema de codificação e organização dos emblemas, conhecido como heráldica, havia sido desenvolvido na Europa.

O brasão era algo hereditário, passado de pai para filho, do mesmo modo como um cavaleiro herdava o direito de liderar ou tinha o dever de seguir seu superior numa batalha. Os brasões deixavam de ser apenas sinais de identificação. Por um emblema, distinguiam-se feitos heróicos ou serviços prestados ao rei, símbolos de riqueza ou atividades dos antepassados ou, ainda, a flora e a fauna de uma região. Segundo os historiadores Thomas Woodcock e John Martin Robinson, autores do Oxford Guide to Heraldry (sem tradução), a descrição das armas chegou ao ponto em que a vaidade individual era mais forte do que o uso militar. Por volta do século 14, possuir uma cota de armas era um pré-requisito para participar de qualquer torneio entre cavaleiros. E apresentar um brasão era a indicação de que seu possuidor pertencia à nobreza. "Ao longo do campo onde se realizava o torneio, ficavam as tendas dos competidores, todas com seus brasões expostos. Quando se encaminhavam para a arena de combates, seus arautos, carregando seus brasões em escudos, anunciavam em voz alta sua família e seus títulos”, escreve o historiador Stephen Slater, autor de The Complete Book of Heraldry (sem tradução).

De lá para cá, a arte heráldica continuou a povoar o brasão das famílias nobres. “Hoje ela pode ser vista em bandeiras de países, símbolos de universidades, hospitais, clubes e seleções nacionais. Seu uso permanece o mesmo. Oferecer uma identificação rápida para que os iguais se reconheçam”, afirma Michael Allen, professor da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

Anatomia de um escudo

Um escudo dificilmente tinha apenas um símbolo. Com o casamento entre famílias nobres, era normal a partição do escudo dos descendentes entre as duas casas nobres. Veja como montavam um brasão:

Paquife

Adornando, repete as cores do brasão.

Timbre

Usado para distinguir os cavaleiros em torneios.

Virol

É uma faixa colorida com os padrões do escudo

Elmo

Possui várias significações: nobreza utilizava elmos de prata, ouro pertence ao brasão do rei. O elmo virado de frente é exclusivo do rei.

Compartimento

O chão onde estão os suportes pode ser uma planície, um terreno rochoso ou algo que remeta à terra natal da família

Escudo

Diversos formatos de escudo foram utilizados ao longo do tempo. Como regra geral, os escudos de mulheres são em formato de losango.

Lema

Pessoas de qualquer patente de nobreza pode adotar um e colocá-lo no brasão

Suportes

São elementos da natureza, figuras mitológicas ou personagens representando profissões da família.

Como se forma um escudo

As cores

Estão divididas entre metais, esmaltes e peles. A regra fundamental é nunca misturar metal com metal, nem cor com cor, em um mesmo escudo – as peles podem substituí-los. Os nomes das cores vêm do francês antigo. Or significa ouro, enquanto argent designa prata. Azure (azul) deriva da palavra árabe para lápis-lazúli, enquanto sable (preto) faz referência ao escuro pêlo da marta. Gules (vermelho) vem da palavra francesa gueules, numa referência à garganta dos animais. As peles fazem analogia à padronagem de animais peludos, como os pequenos arminhos. Escudos que rompem essa regra são chamados armes fausses (armas falsas).

As faixas

Outra maneira de incrementar e diferenciar um escudo é por meio das partições e peças que cortam a área dele ou lhe adicionam faixas em diferentes direções. Abaixo, seguem diversos padrões pelos quais eles podem ser divididos. De modo geral, para que se mantenha uma descrição uniforme de um escudo, mencionam-se seus elementos da seguinte maneira. Primeiro, a cor do campo (o fundo) e, então, as tinturas das diferentes partes e objetos do escudo. Como regra geral, descreve-se do alto para baixo e da direita para a esquerda – sempre em referência a quem segura o escudo, e não a quem vê.

Os símbolos

O uso de símbolos e animais é o toque final na composição de um escudo. Animais, por definição, sempre olham para a direita. O leão é o predileto porque representa força, coragem, nobreza. Mas também são comuns águias, ursos, lobos, cavalos, javalis e até coelhos. Chaves cruzadas, simbolizando as chaves de são Pedro, estão presentes nas insígnias papais. Outros objetos, representando dinastias (flor-de-lis, símbolo da realeza francesa) ou guerra (peças de armaduras), eram comuns. Animais quiméricos, como o dragão (associado a são Jorge, o padroeiro da Inglaterra), o grifo, o centauro e o unicórnio também eram utilizados. O maior símbolo cristão, a cruz, também esteve sempre presente.prata).

A evolução dos símbolos depois de sucessivos casamentos

Um escudo dificilmente permanecia pleno, isto é, com apenas um símbolo. Com o casamento entre famílias nobres, ocorria a partição do escudo dos descendentes entre as duas casas nobres. As regras de partição são relativamente simples, como demonstra o exemplo abaixo.

Se um nobre (sir Bastin II) possui um filho homem, ele (sir Bastin III) leva o escudo da família consigo. Já a filha desse senhor feudal (miss Bastin) não terá direito de colocar o brasão de sua família quando se casar com alguém - porque ela não é a herdeira da casa. Ou seja, quando sir Bastin III tiver seu filho, esse herdará o brasão da família. Porém, quando miss Bastin tiver seus filhos (sir Francis II e miss Francis), eles não herdarão o brasão dela, mas o brasão do pai (sir Francis).

Repare, no entanto, que se um senhor feudal não tiver herdeiros homens (sir Edgard), sua filha (miss Edgard) passa a ter o direito de estampar o brasão de sua família naqueles que são seus descendentes. É por isso que sir Bastin IV, filho de miss Edgard, possui o brasão fendido em duas partes, cada uma representando o brasão de seus pais.

A auriflama francesa

Além do óbvio uso nos escudos, os símbolos heráldicos quase imediatamente apareceram também nas bandeiras empunhadas pelos exércitos. Ser o porta-bandeira era uma tarefa de alto prestígio, embora se esperasse desse indivíduo que, caso as coisas fossem mal, morresse defendendo o estandarte. Uma das mais tradicionais, senão a mais tradicional bandeira de guerra, era a Auriflama Francesa, utilizada em diversas batalhas na Guerra dos Cem Anos. Acredita-se que era uma faixa comprida de seda vermelha e adereços dourados (veja desenho abaixo), consagrada a são Denis, o padroeiro da França. Durante o período de paz, a bandeira era guardada na Catedral de Saint Denis, onde estavam sepultados quase todos os reis franceses. Na guerra, era utilizada nos momentos mais dramáticos, quando se precisava de uma vitória a qualquer preço. A bandeira era então levada para a frente de batalha, enquanto os soldados urravam seu grito de guerra: “Montjoie Saint Denis!”

Saiba mais

LIVROS

The Complete Book of Heraldry, Stephen Slater, ed. Hermes House, 256 pgs. (2002)

The Oxford Guide to Heraldry, Thomas Woodcock, John Martin Robinson, ed. Oxford University Press, 256 pgs. (1990)