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Curiosidades / Coober Pedy

Por dentro da vida no subterrâneo do deserto australiano

Na cidade de Coober Pedy, no norte da Austrália, grande parte dos 3 mil habitantes locais vivem em casas construídas embaixo da terra

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 10/09/2023, às 00h00

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Por dentro de uma casa em Coober Pedy - Getty Images
Por dentro de uma casa em Coober Pedy - Getty Images

Há mais de 100 milhões de anos, o grande mar da Eromanga, que cobria o centro da Austrália, começou a secar. No processo, fluídos ácidos se dissolveram na areia de sílica, rica em quartzo. Com isso, se transformaram em preciosas opalas, cujas gemas podem valer milhares de dólares.

A pedra preciosa também era muito adorada por reis da antiguidade por conta de uma lenda: dizia-se que as pessoas que enrolasse uma opala em uma folha de louro fresca poderia ficar invisível.

Uma gema de opala/ Crédito: Getty Images

A cidade de Coober Pedy, no norte australiano, a cerca de 850 quilômetros de Adelaide, é conhecida como a capital mundial da opala, mas não é por conta da pedra preciosa que o local chama a atenção

Coober Pedy

Estima-se que cerca de 3 mil pessoas vivam atualmente em Coober Pedy. A cidade, por si só, já é bastante singular. Seu cenário é totalmente desolado, com uma infinidade de pirâmides de areia. Perto destes montes, é comum encontrar tubos brancos saindo do solo, como se fossem chaminés brotando do chão.

Chaminés em Coober Pedy/ Crédito: District Council of Coober Pedy

E a explicação para isso é simples: a região atinge 52ºC em alguns períodos do ano, o que torna a vida no solo praticamente impossível. Por conta disso, Coober Pedy se tornou uma cidade subterrânea. Segundo a BBC, cerca de 60% da população vive em casas construídas nas rochas de arenito e siltito.

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Mas não só as casas são embaixo do solo na cidade australiana. Lojas, igrejas, bares, hotéis, galerias de arte. Mas isso não significa que as coisas não sejam luxuosas de seu jeito.

Uma igreja em Coober Pedy/Crédito: Getty Images

As chaminés, anteriormente citadas, são poços de ventilação das casas, chamadas dugouts — que servem para tornar possível a vida diante de tal calor sufocante. São elas que fazem o interior das casas um lugar fresco e agradável.

Para se ter uma ideia, além do calor escaldante, Coober Pedy também sofre com o inverno rigoroso. Assim, sua temperatura anual varia entre vários graus abaixo de zero até mais de 50 graus. Mas embaixo da terra, elas sem mantém estáveis em 23°C durante todo o ano.

Entrada para um casa em Coober Pedy/ Crédito: Getty Images

Se a vida no subterrâneo é agitada, a superfície é quase inóspita. Existindo apenas algumas casas, muitas delas vazias, que são bastante espaçadas entre si. Daí explica-se o nome: Coober Pedy, que significa "homem branco em um buraco".

Descoberta inusitada

Mas se atualmente a cidade já é pouco habitada, como era em seus primórdios? Como surgiu Coober Pedy? Como já dito, a cidade australiana é rica em opala e hoje as pessoas que vivem por lá sonham em enriquecer encontrando alguma gema que possa valer rios de dinheiro.

E tudo começou justamente por conta das opalas, mas por acaso. A BBC recorda que a região foi descoberta em 1915 por um menino de apenas 14 anos. William Hutchison viajava pelo sul do país junto de seu pai e dois sócios dele em busca de ouro.

A jornada, porém, não havia rendido frutos até aquele 1º fevereiro. Na ocasião, a comitiva estava instalada em um acampamento na região. William teria sido ordenado para cuidar das coisas enquanto os três adultos saíram. Mas o garoto desobedeceu às ordens e foi à procura de água.

Gemas de opala/ Crédito: Getty Images

Hutchison acabou se perdendo por umas horas. Quando seu pai voltou, a escuridão já pairava no céu. O pequeno ainda estava desaparecido, o que gerou uma enorme preocupação. Pouco depois, porém, William surgiu com um sorriso estampado no rosto: ele trazia consigo diversas pedras brilhantes. O garoto não só encontrou água doce como também uma grande reserva de opalas.

A vida atualmente

A busca pela pedra preciosa gerou uma enorme febre em Coober Pedy, mas o calor exorbitante afastou diversos exploradores. Os que ficaram tiveram que se adaptar com a vida subterrânea.

As casas foram criadas a pelo menos quatro metros de profundidade, para evitar desabamentos. Além do conforto em relação à temperatura, viver de forma subterrânea também é extremamente econômica. Principalmente por meio da tecnologia solar e eólica, Coober Pedy consegue gerar toda a eletricidade que consome. Mas quem vive acima do solo precisa arcar com os altos custos do essencial ar-condicionado.

Para viver acima do solo, você paga uma verdadeira fortuna pelo aquecimento e refrigeração, já que, muitas vezes, faz mais de 50°C no verão", explica o morador James Wright à BBC.
O interior de uma casa em Coober Pedy/ Crédito: Getty Images

Mas as casas subterrâneas não só não precisam disso como também são mais baratas. Para se ter ideia, o preço médio de um imóvel por lá, com três quartos, é de cerca de 40 mil dólares canadenses (por volta de 126 mil reais); enquanto os preços em Adelaide de um espaço parecido são de exorbitantes 700 mil dólares locais (pouco mais de R$2,25 milhões).

Outro benefício é que insetos não habitam as residências. "Quando você chega à porta, as moscas saem das suas costas, elas não querem entrar no escuro e no frio", diz Wrigth, que também conta não sofrer com poluição sonora e luminosa. A vida embaixo do solo também oferece proteção contra terremotos.

Interior de uma casa/ Crédito: Getty Images

Durante os anos 1960 e 1970, a ampliação das casas era feita da mesma forma que os mineradores buscavam opalas: com pás e picaretas ou através de explosivos. Hoje, porém, o trabalho é feito com equipamento industrial, que pode retirar cerca de seis metros cúbicos de rocha por hora. Ou seja, uma casa espaçosa pode ser construída em menos de um mês.

Mas caso a ampliação de espaço não seja algo tão grandioso, as rochas são muito moles e facilmente raspáveis com um canivete ou até mesmo com a unha. Certa vez, contam os locais, um homem precisou fazer um buraco para instalar um chuveiro e acabou encontrando uma gema de opala saindo da parede. A pedra foi avaliada em 1,5 milhão de dólares australianos (quase R$5 milhões).

A facilidade faz com que os imóveis embaixo da terra sejam extremamente luxuosos, com piscinas subterrâneas, salões de jogos, banheiros enormes e outros espaços sofisticados e de alto padrão.

Salão de jogos em uma casa/ Crédito: Getty Images

É bem verdade que Coober Pedy possui suas vantagens, mas também existem suas limitações: afinal, após décadas de exploração, as opalas se tornaram mais escassas.

"Cheguei tarde a esse negócio da opala. Os melhores lugares para explorar já estavam tomados e só sobraram esses mais afastados, na periferia", aponta um sujeito identificado apenas como Teles, um chefe aposentado que dedica seu tempo atual à procura da pedra.

Realmente, não há nenhuma chance de encontrar algo que te dê muito dinheiro, a não ser que você tenha muita sorte", diz.

A mina em que ele atua, além disso, já foi escavada diversas vezes ao longo dos anos, o que aumenta as chances de desabamento — o que ele próprio já viveu ao ser soterrado em uma mina e escapar com a ajuda de sua pá mecânica.

Quarto em uma casa em Coober Pedy/ Crédito: Getty Images

Tirando os casos em que moradores acabaram acidentalmente derrubando uma parede e adentrando a casa de seus vizinhos, a vida em Coober Pedy é relativamente tranquila e talvez sirva como exemplo para o mundo que cada vez mais vem sofrendo com o aumento de temperaturas. Coober Pedy pode parecer rústica e remeter aos tempos da caverna, mas também pode ser um presságio do que estar por vir.