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Curiosidades / Sherlock Holmes

A revolta causada pela morte de Sherlock Holmes

“Matei Sherlock”, escreveu Arthur Conan Doyle em seu diário sem saber que a morte do detetive causaria uma grande mudança na literatura

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 10/09/2023, às 00h00 - Atualizado em 25/10/2023, às 13h00

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Holmes fumando seu cachimbo em 'O Homem com o Lábio Torcido' - Domínio Público
Holmes fumando seu cachimbo em 'O Homem com o Lábio Torcido' - Domínio Público

Mestre da dedução, um intelecto incomparável, detalhista e com grande capacidade de observação. Sherlock Holmes é um dos personagens literários mais conhecido de todos os tempos.

Criado por sir Arthur Conan Doyle, suas histórias foram acompanhadas por uma legião de fãs a partir do século 19. Sherlock mudou a história da literatura e embora seja uma figura cultuada até os dias atuais, ele também já foi responsável por uma grande revolta.

Adeus, Sherlock!

Em 1893, Arthur Conan Doyle escreveu para sua mãe: "Penso em matar Holmes… e acabar com ele para sempre. Ele tira a minha mente de coisas melhores". Em resposta, ela disse: "Você não vai! Você não pode! Você não deve!". Doyle o fez.

Em dezembro daquele ano, publicou o conto 'O Problema Final', onde o detetive decide encarar o maior bandido de toda a Europa: o Professor Moriarty. Durante uma luta, os dois caem de um penhasco nas Cataratas de Reichenbach, na Suíça.

É com o coração pesado que pego minha caneta para escrever estas últimas palavras nas quais registrarei os dons singulares pelos quais meu amigo Sr. Sherlock Holmes foi distinguido", diz o narrador John Watson.

Terminava ali a história do investigador, mas começava também uma grande revolta e dor de cabeça para o escritor. Até aquele momento, Arthur não tinha a dimensão do que havia feito. Talvez por isso, aponta a BBC registrou em seu diário um singelo: "Matei Holmes".

Holmes e Professor Moriarty lutam nas Cataratas de Reichenbach; desenho de Sidney Paget/ Crédito: Domínio Público

Em outra passagem, mais tarde, acrescentou: "Tive uma overdose tão grande dele que sinto por ele o mesmo que sinto por patê de fois gras, do qual uma vez comi demais, de modo que o nome dele me dá uma sensação doentia até hoje".

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A revolta popular

Mas, na verdade, Conan Doyle havia causado uma reação até então impensada: ele gerou uma enorme revolta popular. Nada como aquilo havia sido visto, até então, no ramo ficcional. O The New Yorker aponta que a primeira a sentir tal repercussão foi a revista The Strand, que publicava os contos.

Indignados com a morte prematura do personagem, mais de 20.000 leitores cancelaram sua assinatura, o que fez a publicação chegar perto da falência. A equipe passou a referir-se à morte de Sherlock como "o acontecimento terrível".

The Strand magazine com história de Sherlock Holmes/ Crédito: Domínio Público

Além disso, uma lenda famosa ganhou vida. É dito que os jovens de Londres usaram crepes preto nos chapéus ou nos braços durante um mês, uma forma de demonstrar luto pela perda do investigador. Importante ressaltar, porém, que esse ponto é um pouco debatido por estudiosos, que apontam que a revolta possa ter sido um pouco exagerada pelo filho de Doyle em entrevistas.

Mas é fato que os leitores indignados também escreveram cartas de protesto à revista: "Seu bruto", dizia uma missiva endereçada ao escrito. Também foram formados grupos chamados "Let’s Keep Holmes Alive" (ou 'vamos manter Holmes vivo', em tradução livre).

Mas Arthur Conan Doyle se demonstrou alheio aos protestos, chamando a morte do detetive de "homicídio justificável" — uma referência bem mais às suas próprias justificativas do que as de Moriarty.

Embora essa revolta possa parecer normal para os dias atuais, era algo totalmente inédito para a época. Os fãs nunca haviam feito algo semelhante antes. Inclusive, diz a BBC, o conceito de fãs nem sequer era usado direito — a abreviação da palavra 'fanático' havia sido inserido há pouco aos entusiastas de beisebol.

Até então, os leitores aceitavam o que acontecia nas páginas dos livros e contos, mas com Arthur as coisas foram diferentes: eles passaram a levar a cultura popular para sua vida pessoal e demonstraram frustrações caso a escrita não atendesse a certas expectativas — eles pareciam esperam uma reciprocidade por uma história que amavam tanto. Em outras palavras, os leitores de Sherlock Holmes criaram o primeiro 'fandom' da História.

Indo além, os leitores mais ávidos passaram a criar suas próprias histórias envolvendo as aventuras de Sherlock Holmes e Sr. Watson — o que hoje já estamos acostumados a consumir como "fanfics" (a 'ficção de fãs'.)

Tão conhecido quanto a Rainha

Sherlock Holmes apareceu pela primeira vez em 1887, na revista Beeton's Christmas Annual na história 'Um Estudo em Vermelho'. O personagem se tornou extremamente popular desde o primeiro conto.

Mas isso também fez Arthur Conan Doyle se arrepender de tê-lo criado. Segundo a BBC, o autor entendia que suas histórias ofuscaram seu trabalho considerado mais 'sério': como seu romance histórico Micah Clarke.

Os leitores não se importam com isso. Eles faziam filas nas bancas todos os dias que uma nova história de Holmes era publicada. Por conta disso, aponta o The New Yorker, um historiador disse que Arthur Conan Doyle era "tão conhecido quanto a Rainha Vitória".

Importante ressaltar que os leitores de Sherlock eram pertencentes à classe média emergente, do qual os tipos de gostos eram menosprezados pelos críticos esnobes e burgueses, que viam os contos como populistas.

Arthur Conan Doyle/ Crédito: Domínio Público

O historiador David Payne os descrevem como "em grande parte, de classe média baixa ou média das cidades, uma escola não intelectual e não pública, mas trabalhadora, em ascensão…". Para eles, o The Strand direcionava o que hoje conhecemos como ficção high-concept (alto-conceito) — que pode ser facilmente apresentado com uma premissa sucinta, como obras de H.G. Wells e Júlio Verne.

A procura pelas histórias do investigador eram intermináveis e a revista pagaria o que fosse necessário para Doyle continuar com elas. Mas o autor não pretendia passar o resto da vida escrevendo crimes fictícios, ele só queria ganhar dinheiro para apoiar sua verdadeira arte: romances com nuances políticas.

A volta de Holmes

Em 1893, Arthur Conan Doyle já estava farto. Aos 34 anos, queria ser como sir Walter Scott, então decidiu fazer com que o Professor Moriarty empurrasse Holmes cachoeira abaixo. Por oito anos a história se manteve.

Em 1901, a pressão pública foi tamanha que ele escreveu uma nova história: 'O Cão dos Baskervilles', apresentando Holmes e uma jornada antes de sua queda. Dois anos depois, 'A Casa Vazia' deu um passo adiante ao ressuscitar Sherlock, apontando que ele não havia morrido, mas forjado seu fim. Os fãs voltaram a sorrir.

O tempo entre sua 'morte' e seu retorno é conhecido como "O Grande Hiato". Após a volta, Arthur Conan Doyle continuou escrevendo novas histórias sobre Sherlock Holmes até 1927, com 'A inquilina de rosto coberto: Um caso de Sherlock Holmes' sendo a última delas.

Holmes (à direita) e Watson em uma ilustração de Sidney Paget/ Crédito: Domínio Público

No total, são quatro romances e 56 contos sobre as aventuras do detetive e de seu amigo e biógrafo Dr. Watson. As escritas serviram de inspiração para diversas obras literárias, séries de TV e filmes por mais de cem anos. Sherlock Holmes não só mudou a vida de Arthur Conan Doyle como também a literatura!