Com a promessa de retorno financeiro irreal, plataforma arrecadou milhões de dólares, mas virou escândalo que será contada em nova produção da Netflix
Leonardo Cositorto já era uma figura popular na mídia, por sua história da pobreza à riqueza, quando fundou a Geração Zoe (Generación Zoe), descrita como "comunidade educacional e criadora de recursos para o desenvolvimento pessoal, profissional, financeiro e espiritual".
A Geração Zoe compreendia uma plataforma financeira ambiciosa, que prometia aos investidores um retorno mensal de 7,5% do valor investido. Bastava que as pessoas colocassem o dinheiro sob sua "confiança".
No entanto, o caso se tornou um dos maiores escândalos recentes da América Latina. O episódio é esmiuçado no documentário 'O Vendedor de Ilusões: O Caso Geração Zoe', original da Netflix.
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"Num mundo em que a pandemia causou estragos, onde tudo é frustração e incerteza, um homem chega para revolucionar o bolso e a consciência das pessoas com um projeto que envolve a formação educacional, o universo financeiro e o desenvolvimento espiritual", começa a sinopse da produção.
'O Vendedor de Ilusões: O Caso Geração Zoe' retrata a gênese, o crescimento e a queda da plataforma financeira mais bizarra e ambiciosa da América Latina que é, em grande parte, um reflexo fiel de seu excêntrico criador: Leonardo Cositorto, responsável pela rede de coaching espiritual que esconde o golpe mais inusitado da história da Argentina", completa.
Conheça a história real de Leonardo Cositorto e do grande golpe por trás da Geração Zoe!
Profissional de saúde de 45 anos, a moradora de Buenos Aires Miriam parecia ter encontrado a 'sorte grande' quando ouviu falar da Geração Zoe pela primeira vez. Após receber a indenização de seu antigo emprego, ela decidiu, após a sugestão de uma amiga, investir na plataforma revolucionária. Era uma aposta certa!
Por medo de sofrer represálias por suas declarações, a mulher pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome em seus relatos concedidos ao portal Rest of World. Segundo aponta, ela sentia que o destino havia colocado a Geração Zoe em sua vida naquele momento.
Em agosto de 2021, ela visitou uma das filiais físicas da plataforma, no bairro rico de Núñez, na parte norte da cidade, e investiu mais de mil dólares. Nas semanas e meses seguintes, ela viu seu investimento crescer no painel on-line da Zoe.
Após dois meses, ela investiu mais dinheiro ainda, convencida pelo mais recente produto da Geração Zoe: robôs que poderiam 'prever' as flutuações do mercado e dobrar o investimento inicial em apenas 90 dias.
Até então, para Miriam, a Geração Zoe não era apenas uma vantagem financeira, afinal, o programa se autodenominava uma oportunidade de desenvolvimento pessoal — incluindo uma 'universidade' que oferecia cursos de coaching ontológico, um tipo de prática filosófica popular em alguns meios empresariais argentinos.
Miriam ainda participava de reuniões diárias virtuais e até mesmo tinha consultorias com o próprio Cositorto. A profissional de saúde também passou com louvor nos testes da plataforma e compareceu a reuniões presenciais para mulheres da comunidade Zoe. "Eles nos convidaram para tudo", disse ela ao Rest of World . "Eles nunca pediram o 'dízimo'."
A mulher estava encantada com a mistura de espiritismo e educação financeira que a Geração Zoe oferecia, ainda mais pelo ênfase que a plataforma dava para o empoderamento das mulheres. Assim, ela convidou sua mãe para ser uma das investidoras e também aumentou sua adesão inicial de mil para cinco mil dólares.
Entre 2020 e 2021, mais de dez mil pessoas investiram milhares de dólares na Geração Zoe, que cresceu rapidamente promovendo suas inovações tecnológicas que iam além dos robôs. Agora também havia a cripto moeda Zoe Cash.
A marca Zoe havia se expandido, aparecia em lanchonetes, concessionárias de automóveis, locadoras de avião, pet shop e até mesmo patrocinando times de futebol na Argentina. O rosto de Cositorto aparecia por toda a parte. Ele era entrevistado pelos principais veículos de rádio e jornais da Argentina e apresentado como especialista em criptomoeda e liderança.
A Geração Zoe logo se espalhou para além da Argentina, entrando em outros países da América Latina e chegando ao México, Estados Unidos e Espanha. Mas tudo começou a mudar a partir de 2021.
Os veículos de comunicação que 'divulgaram' as atividades da Geração Zoe, passaram a investigar as atividades de Cositorto, chamando a plataforma de um grande "esquema de pirâmides".
O Rest of World descreve que os usuários da plataforma não conseguiam sacar os valores que investiram em fundos fiduciários ou nos robôs. No início de 2022, o valor da Zoe Cash despencou.
Revoltados, os investidores passaram a 'visitar' as filiais da Geração Zoe. No mesmo período, as investigações contra a plataforma e Cositorto se acumulavam na América Latina, na Espanha e nos EUA.
Em março de 2022, diversos nomes importantes envolvidos com Zoe na Argentina foram presos ou passaram a ser procurados pelas autoridades. Leonardo Cositorto foi detido em abril, após ser localizado pela Interpol em um Airbnb de luxo na República Dominicana. Extraditado, ele passou a ser acusado de associação ilícita e fraude.
Os investigadores estimam que os investidores depositaram pelo menos 120 milhões de dólares na plataforma, apenas na Argentina, durante seus últimos seis meses antes do escândalo.
O crescimento da Geração Zoe aconteceu em meio a um frenesi global de investimento em ações e criptomoedas. Entre 2020 e 2022, as moedas virtuais aumentaram drasticamente de valor e se tornaram extremamente populares.
O que se explica diante de um período de insegurança econômica de muitos países, que além da pandemia, viviam lutando contra uma inflação recorde e uma desvalorização cambial drástica — casos que a Argentina enfrenta desde 2018.
Diante de todas essas nuances, os promotores acusam Cositorto de executar um golpe antigo: por trás da fachada inovadora da Geração Zoe, ele teria formado além de um esquema Ponzi.
Em primeiro momento, Miriam e diversos investidores defenderam o coach, mesmo após sua prisão. Mas, eventualmente, eles perderam a fé na Geração Zoe. "Era tudo uma nuvem fictícia", disse a mulher.
Leonardo Cositorto foi visitado pelo Rest of World na prisão de Bouwer, em Córdoba, em outubro de 2022 — onde ele ainda aguarda julgamento. Negando todas as acusações, ele definiu de maneira simples sua queda: a inveja.
"Parece que as pessoas estão com muita inveja porque um livreiro comprou a maior mansão da América Latina", resumiu.