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Matérias / Danny Casolaro

Conspiração ou assassinato? O misterioso caso Danny Casolaro, retratado em série

'Conspiração Americana: Os Crimes da Octopus', da Netflix, investiga o caso Danny Casolaro, encontrado morto em 1991; teorias envolvem o governo americano

Éric Moreira Publicado em 29/02/2024, às 20h33 - Atualizado às 20h34

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Danny Casolaro, escritor e jornalista americano encontrado morto em 1991 - Divulgação/Netflix
Danny Casolaro, escritor e jornalista americano encontrado morto em 1991 - Divulgação/Netflix

Nesta quarta-feira, 28, chegou à Netflix a nova série documental 'Conspiração Americana: Os Crimes da Octopus'. Nela, o fotojornalista Christian Hansen dá continuidade ao trabalho de Danny Casolaro, repórter e escritor que morreu misteriosamente em 1991, enquanto investigava uma grande conspiração política e criminosa internacional.

Ao longo de quatro episódios, a produção mostra parte da história de Danny Casolaro, além de seu grande alvo de investigação, a 'Octopus' ('polvo', em inglês, em uma referência aos vários "tentáculos" pelos quais se desenrolam as investigações) e uma possível busca pela verdade sobre sua morte.

Oficialmente, é o caso é considerado suicídio, entretanto, existe a suspeita de assassinato envolvendo roubo de softwares, espionagem, crimes sem solução e até mesmo o presidente dos Estados Unidos.

Um dos entrevistados que participa no documentário é o irmão mais novo de Danny, Tony. Ele lembra como o irmão era querido pela família, e referido como um "menino de ouro" na infância. 

Danny era escritor, contando com poemas publicados, e jornalista, que trabalhava na Computer Age. Se tratava de um boletim com bastidores do que acontecia na computação, uma novidade na época. 

Em geral, o jornalista tinha uma vida tranquila e conectada à família, até que um caso em específico que noticiaria lhe chamou atenção. Quando decidiu investigar, começou a encontrar pistas de crimes cada vez mais profundos e envolvendo pessoas poderosas.

Porém, conforme algumas teorias sugerem, quando chegou perto demais de pessoas influentes até mesmo no governo dos Estados Unidos, ele teria sido assassinado.

Danny foi encontrado sem vida na banheira do quarto 517 do Sheraton Hotel, em Martinsburg, na Virgínia Ocidental; o que mais chamou atenção, além do sangue espalhado pelo banheiro: ele tinha de 10 a 12 cortes em seus pulsos. Entenda!

Inslaw e corrupção

Em 1981, foi fundada em Washington, capital dos Estados Unidos, a empresa Inslaw, Inc., por William Anthony "Bill" Hamilton. A empresa era uma desenvolvedora de softwares de gerenciamento para empresas e governos, responsável pela criação do PROMIS, um dos primeiros sistemas de software de gerenciamento do mundo — que, posteriormente, também se provaria como um dos mais poderosos.

Uma função aplicada ao PROMIS foi de servir como sistema de rastreamento de casos criminais. Era capaz de organizar os casos arquivados, até então, em papéis de um jeito muito mais fácil e rápido. A tecnologia é descrita como revolucionária. Na época, fora capaz de relacionar casos criminais diferentes com uma facilidade que não existia naquele período.

Dessa forma, pode-se dizer que era possível rastrear qualquer pessoa com o sistema PROMIS a nível nacional, considerando-se que os bancos de dados contariam apenas com informações dos Estados Unidos. Porém, para a surpresa de muitas pessoas interessadas pelo assunto, de repente, a Inslaw lidava com o risco de entrar em falência.

Bill Hamilton / Crédito: Divulgação/Netflix

Isso porque, no segundo ano do contrato de três anos, o Departamento de Justiça começou a reter os pagamentos da Inslaw, que passou a dever uma quantia de milhões de dólares. Em paralelo, uma empresa ligada ao departamento, chamada Hadron, afirmou querer comprar a Inslaw, o que levantaria suspeitas por si só.

Quando Bill [Hamilton] disse não ter interesse, o cara respondeu, como um mafioso diria a alguém, 'temos como te fazer vender'", diz Charles Work, ex-vice-administrador do Departamento de Justiça, no documentário.

Uma pessoa que ajudou Bill Hamilton em processo contra o próprio governo estadunidense foi Elliot Richardson, ex-secretário e figura central no Caso Watergate, o escândalo político de corrupção que culminou na renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

Nas palavras dele, caso o incidente com Hamilton se mostrasse mais um caso de corrupção, poderia ser "muito mais sujo que Watergate". No fim, Hamilton conseguiu vitória nos tribunais, e o Departamento de Justiça foi obrigado a pagar US$ 6,8 milhões à Inslaw por danos.

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Estranhamente, após três meses do julgamento que decretou vitória a Hamilton, o juiz responsável pelo decisão, George Bason, foi demitido e substituído por Martin Teal Jr., um advogado do Departamento de Justiça.

Eventualmente, a vitória da Inslaw foi revertida — sob alegação de que a empresa havia processado no tribunal errado —, e o caso seria, então, arquivado em definitivo.

Na época, as pessoas aliadas à Inslaw alegaram que este seria um caso de acobertamento de membros do alto escalão do governo. Como consequência, Danny Casolaro começou a trabalhar na investigação.

Investigação

Quando Danny entrou em contato com Hamilton para tentar descobrir mais sobre o caso, os dois passaram a se comunicar diariamente. Um detalhe importante sobre o empresário é que ele já havia trabalhado na Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), uma agência secreta, o que fazia dele uma fonte extremamente valiosa, capaz de fornercer informações novas que poderiam ser úteis a Danny.

Conforme avançava com as investigações, Casolaro percebeu que se deparava com cada pessoas poderosas ligadas ao governo de Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1989. Assim, notou que o caso do software PROMIS poderia esconder algo muito maior do que parecia.

Computador com software da PROMIS retratado em série documental / Crédito: Divulgação/Netflix

Na visão do jornalista, a verdadeira razão para o software da Inslaw ser roubado foi beneficiar amigos do governo. E um desses amigos, que rapidamente chamou atenção do investigador, foi Earl Brian, então governador da Califórnia, empresário — dono de empresas que trabalham para agências do governo, como o Departamento de Defesa, o Departamento de Justiça e até mesmo a CIA —, e diretor da Hadron, que quis comprar a Inslaw.

Encontrando uma maneira de conectar Earl Brian à PROMIS, Danny notou que o caso jurídico da Inslaw — que poderia ser resolvido de maneira simples se o governo pagasse — poderia, de fato, encobertar algo.

O que ficou ainda mais intenso depois que Danny conseguiu registros que mostravam transferências de Londres, através do Banco Mundial, para contas no exterior em nome de Earl Brian, além de funcionários anônimos do Departamento de Justiça.

Ameaça 

No documentário, Tony relembra a última vez que viu Danny, antes de sua morte: "Era 20 de julho. Três semanas antes dele morrer. E foi para comemorar o terceiro aniversário do meu filho. Danny chegou — ele se atrasou um pouco, o que era padrão para ele —, e ficou até tarde."

"Eu lembro que, no fim da noite, eu e Danny ficamos na cozinha e conversamos muito sobre o que estava acontecendo. Ele não me deu muitos detalhes, exceto que era uma conspiração gigantesca e perturbadora. E, nesse mundo que ele estava analisando, algumas pessoas sempre apareciam.", acrescenta. Ele também conta que Danny disse que veria alguma fonte em Virgínia Ocidental, mas não sabia quem era e nem onde se veriam.

O Danny me disse que estava recebendo telefonemas estranhos e ameaças, e foi então que ele me disse: 'aliás, se houver algum acidente, não foi um acidente.'"
Tony Casolaro / Crédito: Divulgação/Netflix

Foi na viagem mencionada que Danny morreria. No dia 10 de agosto de 1991, seu corpo foi encontrado na banheira de seu quarto no Sheraton Hotel em Martinsburg. Havia marcas de sangue nas paredes do banheiro, e o corpo do homem espantou as autoridades, com 8 cortes em um de seus pulsos, e 4 em outro. Entretanto, o caso foi considerado um suicídio. Além disso, o repórter teria, inclusive, deixado uma mensagem.

Quando Tony — que é médico — foi contatado sobre a morte do irmão, indagou se havia sido feita uma autópsia no corpo e questionou se a causa da morte havia, realmente, sido suicídio. Então, disseram-lhe que o corpo já havia sido embalsamado — quem autorizou isso, sem antes a família ser contatada, não se sabe —, o que dificultaria uma autópsia completa.

Outro detalhe mencionado em 'Conspiração Americana: Os Crimes da Octopus' é que Danny tinha uma grande pasta marrom onde juntava tudo que sabia sobre a Inslaw. Porém, quando o quarto de hotel foi revistado, o ficheiro desapareceu;

Michael Riconosciuto

Outra figura relevante em toda a investigação sobre Danny Casolaro é o especialista em eletrônica e computadores, Michael Riconosciuto. Segundo uma fonte ouvida por Danny em meio às investigações, ele era um homem que sabia muito sobre o PROMIS, que disse ter descoberto o código-fonte da tecnologia.

De fato, ele já havia trabalhado para a inteligência norte-americana na área de softwares, então, não seria impossível tal façanha. Porém, o que a fonte mencionou depois também foi que seu informante lhe disse: "Não sei como ouviu esse nome, mas pode acabar morto só de saber esse nome."

Michael Riconosciuto / Crédito: Divulgação/Netflix

Danny, porém, não só conheceu o nome Riconosciuto, como até mesmo o contatou como uma fonte direta. O homem se revelaria envolvido em um mistério que Danny sequer imaginava que um processo por softwares de computadores poderiam levá-lo.

Segundo Michael Riconosciuto, foi solicitado que ele que desenvolvesse uma trapdoor — uma função que pode ser utilizada por terceiros para invadir um sistema — do software PROMIS, para que o governo pudesse ter acesso a todas as informações que quisesse. "Eles queriam vender o PROMIS para outros governos e espionar o que estavam rastreando", acrescenta.

Dessa forma, conforme disse em entrevistas na época Ari Ben-Menashe, um ex-agente da inteligência de Israel, "os americanos venderiam para os nossos vizinhos [o PROMIS], e nós poderíamos entrar nos computadores deles, sem que soubessem", o que garantiria uma base de informações ainda maior a Israel e, talvez, até mesmo aos americanos.

Mas nossos amigos americanos deram um passo adiante. Venderam para os aliados deles também", acrescenta Ben-Menashe.

Tráfico do PROMIS

Segundo Riconosciuto, o primeiro pacote do PROMIS vendido a aliados dos norte-americanos foi enviado ao Canadá. Logo, as investigações de Danny precisavam apenas de alguma prova de que os canadenses possuíssem a tecnologia para confirmar o relato de Riconosciuto.

Então, quando autoridades canadenses inesperadamente escrevera para a Inslaw, solicitando uma tradução para o francês do software, Danny percebeu que poderia, finalmente, provar que a tecnologia havia saído do Departamento de Justiça de forma inapropriada.

Assim, tudo começa a fazer sentido. O PROMIS faz parte de um projeto de vigilância global, basicamente o nascimento da vigilância digital que conhecemos. Por isso é tudo debaixo dos panos", diz Christian Hansen no documentário.
Zachary Treitz e Christian Hansen, diretores e produtores de 'Conspiração Americana: Os Crimes da Octopus' / Crédito: Divulgação/Netflix

Porém, Riconosciuto disse ainda que a modificação que fez no código do software PROMIS era apenas um tentáculo de uma operação de inteligência muito maior.

Tentáculos

Com o desenvolvimento das pesquisas, Danny eventualmente se viu envolvido em investigações de uma série de homicídios, figuras criminosas que não cumpriam penas completas e ajudadas pelo FBI e atuando como informantes da CIA, tráfico internacional de drogas e venda ilegal de armas para países como, por exemplo, a Nicarágua.

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E mais suspeito ainda, todos os crimes tinham relação com membros do governo norte-americano, o que levantava uma suspeita cada vez mais real de que nomes do alto escalão dos Estados Unidos tivessem envolvidos na conspiração.

Danny teria apontado oito membros especificamente, que compunham um grupo que ele chamaria de "the Octopus" ('o polvo'), em referência aos vários tentáculos que o animal possui e o fato de essas pessoas se embrenharem por uma série de casos criminosos, que iam além do governo, em escala internacional.

Essa aliança de oito pessoas, consideradas peças-chave para se compreender tudo que Danny investigava, era formada por vários membros relacionados à inteligência: Ray Clina, Richard Gelms, Howard Hunt, George Pender, John Nichols, Ted Shackley e Tom Clines são alguns deles. Porém, definitivamente, quem mais chama atenção é o oitavo: George Bush, ex-presidente norte-americano.

"Esses oito homens se juntara nos anos 1950. Um grupo vindo das redes de espionagem da Segunda Guerra Mundial. Não são mais oficiais do governo, mas seus tentáculos atingem qualquer parte do governo em quase qualquer país. Não são criminosos conhecidos, mas penetram com sucesso todas as facções do crime organizado", escreveu Danny em alguns de seus registros.

Danny Casolaro / Crédito: Danny Casolaro

O caso do software PROMIS seria apenas um dos tentáculos da Octopus, que moveria dinheiro e poder pelo mundo para atingir seus objetivos.

Laudos 

No fim, as autoridades que encontraram o corpo de Danny no hotel concluíram que, no dia em que ele teria cometido suicídio, o homem bebeu, tomou remédios, enfiou a cabeça em um saco plástico e cortou os pulsos na banheira.

Apesar de suspeitas de familiares, que acreditam em assassinato, as investigações da polícia constataram que nenhuma inconsistência com a teoria original de suicídio foi encontrada. Além disso, afirmaram que o suicídio pode ter sido motivado por teorias conspiracionistas criadas por Riconosciuto.

De fato, ainda existem muitos que acreditam que a morte de Danny foi premeditada, ainda mais pelo fato de que muitas das investigações que ele realizou se comprovaram, levando pessoas de alto escalão e com relações próximas à inteligência dos Estados Unidos a serem presas. Além de outras pessoas que delatarem casos relacionados também terem sido encontradas mortas pouco depois.

O caso de Danny Casolaro é considerado encerrado, entretanto, a causa de sua misteriosa morte segue inexplicada, e muitos ainda consideram o caso inconcluído.