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Matérias / Guerras

Encontre-me, se for capaz: como surgiu a camuflagem?

Ao contrário do que muitos imaginam, a tática é anterior às guerras

Carlos Chernij Publicado em 28/03/2021, às 10h00

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Imagem meramente ilustrativa - Image by Amber Clay from Pixabay
Imagem meramente ilustrativa - Image by Amber Clay from Pixabay

Ser invisível deve ser um dos maiores sonhos de qualquer soldado. Passar despercebido para surpreender o inimigo e não virar um alvo fácil quando as coisas esquentam é uma vantagem tão importante quanto óbvia num campo de batalha.

Por enquanto, a invisibilidade continua no âmbito dos sonhos, mas as guerras de verdade forçaram o aprimoramento de uma das técnicas de dissimulação mais antigas que existem: a camuflagem.

A ideia em si não é nova. Desde os tempos das cavernas, homens pré-históricos já usavam mantas feitas de pele de animais para tentar facilitar a caça, conforme revelam alguns desenhos encontrados em sítios arqueológicos. Mas foi apenas no final do século 19 que a camuflagem virou assunto sério nos exércitos.

Até então, os soldados costumavam usar uniformes em cores chamativas, como azul e vermelho. "Ter um uniforme vistoso era uma forma de tentar abalar o moral do inimigo, convencer os jovens a se recrutar e até mesmo a facilitar a identificação dos aliados no meio da fumaça de um campo de batalha", diz o historiador britânico Guy Hartcup, autor do livro Camouflage: a History of Concealment and Deception in War ("Camuflagem: uma História de Dissimulação e Farsas em Guerra", no Brasil). "Mas, com o avanço dos armamentos, dissimular as tropas e os equipamentos passou a ser uma necessidade básica".

Com a evolução das armas de fogo, já não era mais preciso chegar tão perto do inimigo para atingi-lo. Ser facilmente visto se tornou uma grande desvantagem no campo de batalha. A primeira providência foi trocar as cores dos uniformes.

Azul, vermelho e outras cores berrantes começaram a dar lugar aos mais discretos tons de verde e marrom, como o cáqui adotado como padrão pelos britânicos na Primeira Guerra Mundial. Daí em diante, a ordem foi disfarçar tudo o que fosse possível. "Postos de observação que simulavam a aparência de árvores começaram a ser usados com bastante sucesso contra os alemães", diz Hartcup.

Essas providências deram resultados, e não foi por acaso. "A camuflagem baseia-se num princípio chamado de fatores de formação de unidade", diz o pesquisador e professor de arte Roy Behrens. "Coisas parecidas, como uma série de pontos próximos que tenham a mesma cor, tendem a ser percebidas pelo nosso cérebro como uma uma única coisa, enquanto padrões diferentes tendem a ser vistos como coisas separadas", diz Behrens, que há anos estuda os padrões de camuflagem. Ou seja, quanto mais parecido com o ambiente for o uniforme de um soldado, mais trabalho nosso cérebro vai ter para diferenciá-lo do fundo.

Lições da natureza

Muito antes de esses princípios serem aplicados no campo militar, eles já estavam sendo testados em um dos maiores cenários de guerra que existem: a natureza. Animais e plantas vêm se utilizando dessas ferramentas há milhões de anos em suas mais diversas formas.

A dificuldade em se identificar um coelho branco no meio de um campo coberto de neve e diversas outras situações desse tipo inspiraram o trabalho de pesquisa do pintor americano Abbott Handerson Thayer, considerado um dos pais da camuflagem militar.

No final do século 19, Thayer pesquisou a função das listras em diversos animais. Daí surgiram dois dos princípios que mais tiveram importância em seu trabalho posterior. O primeiro é a noção de contra-sombra: os animais possuem partes do corpo mais claras ou mais escuras de acordo com a necessidade.

Um exemplo são os tubarões, que costumam ter a parte de cima do corpo mais escura do que a parte debaixo. Dessa forma, ao ser visto de cima, ele se confunde com o fundo do mar, menos iluminado e mais escuro. Ao ser visto por baixo, sua barriga mais clara se confunde com a superfície iluminada da água.

O segundo princípio de Thayer é o da "camuflagem ofuscante". É o caso das zebras, nas quais as listras pretas iludem o cérebro do observador, dificultando a tarefa de identificar um padrão. O conceito de camuflagem ofuscante foi aplicado nos navios durante a Primeira Guerra Mundial.

"Antes, os navios eram pintados geralmente de preto e, às vezes, de branco", conta Hartcup. Mas isso contrastava muito com o oceano, o que resultava em dois grandes problemas. Era relativamente fácil identificar um navio se aproximando da costa. E, com a evolução dos sistemas de artilharia, era possível atingir alvos a cerca de cinco quilômetros de distância.

A maior ameaça, no entanto, vinha de dentro do próprio oceano. "Com o surgimento dos torpedos, era praticamente um presente para o capitão de um submarino ver pelo periscópio um grande navio preto, contrastando com a água", diz Hartcup.

A camuflagem deu bons resultados na Primeira Guerra, mas teve de se reinventar rapidamente para dar conta dos desafios que vieram na Segunda Guerra. O principal deles foi a evolução dos aviões, que agora eram mais numerosos e voavam mais alto e mais longe.

A camuflagem ofuscante nos navios praticamente perdeu sua função. "Além de poderem ser atingidos de cima, houve também o surgimento dos torpedos acústicos, que usavam as vibrações produzidas pelo navio na água para orientar sua rota", diz Hartcup.

Falsos alvos

Os bombardeios tornaram-se uma séria ameaça, já que a destruição agora podia ser levada para além das frentes de batalha, alcançando as cidades e parques industriais. Tornou-se necessário proteger essas regiões, e então a camuflagem mostrou sua nova face: a de enganar o inimigo, fazendo com que ele despejasse suas bombas em alvos falsos.

Esses objetos eram de todos os tipos: artilharias, tanques, estradas de ferro e até fábricas falsas, feitas como maquetes de madeira e papelão. "Como a artilharia antiaérea e o contra-ataque de outros aviões eram constantes, os bombardeiros alemães desperdiçaram toneladas e toneladas de bombas nesses alvos, que não eram fáceis de serem identificados como falsos", afirma Hartcup.

Enquanto isso, no solo, os uniformes camuflados com cores e padrões geométricos, parecidos com os atuais, começaram a se popularizar. "Antes, os tecidos camuflados precisavam ser pintados à mão, e eram destinados principalmente aos atiradores de elite. Com a evolução das máquinas têxteis, eles puderam ser produzidos em larga escala", diz Hartcup. "Os veículos também passaram a ser camuflados. Mas a eficiência era menor, já que um tanque, por exemplo, tem um formato bastante difícil de ser dissimulado."

Com o final da Segunda Guerra Mundial, a camuflagem entrou em um novo ciclo de transformações que continua até hoje. "As novas tecnologias, como o radar, o sonar, a visão infravermelha e imagens de satélites, diminuíram em muito a dependência da visão direta", diz Hartcup. Novas armas, como os mísseis intercontinentais, também modificaram profundamente o conceito de campo de batalha. Mas a camuflagem está com os dias contados? "Enquanto houver conflitos, a camuflagem sempre estará presente, da forma mais simples até a mais sofisticada", diz o historiador. "Novas tecnologias de detecção levam a novas formas de camuflagem, e vice-versa."