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Matérias / Brasil

Hanseníase: como era a vida de quem tinha lepra no Brasil?

Uma doença negligenciada, marcada pelo preconceito e por afetar as populações mais pobres chegou ao Brasil junto com os colonizadores portugueses

Fabio Previdelli Publicado em 20/11/2019, às 10h00

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Os primeiros casos de lepra foram relatados em 1600, na cidade do Rio de Janeiro / Crédito: - Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima
Os primeiros casos de lepra foram relatados em 1600, na cidade do Rio de Janeiro / Crédito: - Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima

Uma doença negligenciada, marcada pelo preconceito e por afetar as populações mais pobres, a hanseníase, ou a lepra — como foi chamada durante muitos anos — chegou ao Brasil junto com os colonizadores portugueses e foi disseminada em vários pontos litorâneos com a ajuda dos escravos africanos.

Os primeiros casos da enfermidade foram relatados em 1600, na cidade do Rio de Janeiro, onde, anos depois, foi criado o primeiro lazareto — local destinado a abrigar os doentes de Lázaro, lazarentos ou leprosos.

Muito do estigma preconceituoso da doença era associado ao pensamento de que a patologia estava ligada ao pecado da impureza. A falta de conhecimento foi um dos principais fatores que levaram a essa correlação equivocada, já que a lepra era confundida com outras doenças, principalmente às de pele e as venéreas.

Como consequência, muitos supunham que o portador foi contaminado  por manter um contato corporal, muitas vezes de natureza sexual, o que era considerado pecaminoso.

Esse pensamento só acabou em 1873, quando o norueguês Armauer Hansen identificou a bactéria causadora da doença e afastou a crença de que a enfermidade era hereditária e fruto do pecado sexual.

Entretanto, portadores da hanseníase continuaram sendo alvos de preconceito, e muitos viam que o confinamento de doentes era o caminho ideal para a extinção “desse mal”.

Como era a vida de quem tinha lepra no Brasil?  

O documentário “Hanseníase Hoje e Sempre”, produzido pela Editora Caras com o apoio do Facebook Journalism Project e do ICFJ – Internacional Center for Journalists,  mostra histórias de vida de pessoas que de alguma forma estão ligadas com a doença — sejam portadores da doença, familiares e os próprios médicos.

Nele, entre outros tópicos, foi retratada a dura vida de quem tinha a doença no início do século passado. Como na época ainda não havia cura e muito menos se sabia como era transmitida, a população tinha enorme pânico e repulsa dos contagiados. Assim, quando uma pessoa era apontada como alguém que possuía lepra, esse indivíduo acabava sendo sumariamente expulso de casa, assim como sua família.

O preconceito era tamanho – assim como o medo de pegar a doença- que os vizinhos chegavam a tacar fogo na residência e nos pertences dos que foram expulsos. Longe de casa, os doentes passaram a viver a margem da sociedade, conforme explica a Profa. Dra. Yara Monteiro, coordenadora no Instituto Saúde em São Paulo (SP) e especialista no tema: “Como essa pessoa não tinha mais emprego, ia viver a margem da sociedade, pois não tinha como subsistir”.

O problema é que isso fez com que começassem a existir uma série de pessoas assim nos arredores das cidades. Para sobreviver, esses indivíduos dormiam em barracas armadas em estradas com circulação de pessoas, justamente para ver se conseguiam doações.

Muitos das pessoas que tinham lepra eram obrigados a viver em barracas armadas em beiras de estradas / Crédito: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima

“Por isso, vemos em toda a nossa história aqueles grupos nômades pelas estradas pedindo. E as pessoas aterrorizadas, jogando dinheiro, com medo que eles se aproximassem”, explica Yara.

Internação compulsória

Para tentar contornar isso, algumas sociedades beneficentes, além do próprio governo, começaram a pensar na criação de locais para colocar essas pessoas e apoiá-las, mas também tirá-las de circulação. Assim, no período de 1924 a 1962, o Brasil utilizou a internação compulsória de pacientes com hanseníase como forma de controle da doença na comunidade. E o Estado de São Paulo era o que tinha uma política mais dura.

Por puro preconceito e medo, os leprosários eram construídos bem longe das cidades, em locais com bastante circulação de vento. Esse modelo foi inspirado de uma ideia que começou na Europa, onde os doentes eram isolados para que não contaminassem a sociedade sadia.

“Existe toda uma discussão de como essa ideia foi errônea e contribui para reforçar a estigmatização, mas numa época onde não havia uma terapêutica eficaz, a sociedade apostava que era a única forma de controle da doença”, explica a professora.

Yara Monteiro ressalta ainda que a determinação era igual para todas as pessoas, não havendo distinções de classe social: “Não interessa se a pessoa tivesse um nível socioeconômico que permitisse se isolar na própria casa, ou se fosse uma criança. Não importava sexo, faixa etária, faixa socioeconômica. Diagnosticou? Era isolado”.

Muitos dos internos não tinham tempo de avisar a família e nem de pegar suas coisas. Lá, apesar de ser um lugar relativamente agradável, não podiam receber a visita de parentes e até mesmo eram separados dos filhos que, por ventura, tivessem na época da internação.

No período de 1924 a 1962, o Brasil utilizou a internação compulsória de pacientes com hanseníase como forma de controle da doença / Crédito: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima

Um dos locais para onde esses pacientes eram encaminhados era o Asilo-Colônia Aimorés, atual Instituto Lauro de Souza Lima, em Bauru. Jaime Prado, um ex-funcionário do local, lembra como uma tia foi “pega a laço” e levada para o leprosário de Bauru. “De 1936 a 1948, ninguém da minha família (meus avós, meus tios, meus pais) sabiam onde ela estava, porque nunca chegava uma carta de lá.”

E quando os familiares decidiram escrever, essa correspondência caiu justamente na mão de uma amiga dela que estava internada no mesmo quarto: “Ai a resposta chegou de volta: Ah, ela faleceu e faz tempo. E ninguém da minha família soube como, não teve contato com o corpo. Se eu for lá procurar, eu não vou achar a sepultura da minha tia”, relata Jaime. “É uma coisa que eu carrego. Um rancor muito grande do desrespeito dos governantes, da direção, de quem quer que seja. É uma coisa que me revolta muito”, ressalta.

Hanseníase hoje no Brasil

Atualmente o Ministério da Saúde oficializou o mês de janeiro e consolidou a cor roxa para campanhas educativas sobre a doença. O órgão também passou a monitorar mais pacientes com a enfermidade e periodicamente faz levantamentos de dados sobre o assunto no Brasil.

Atualmente o Ministério da Saúde oficializou o mês de janeiro e consolidou a cor roxa para campanhas educativas sobre a doença / Crédito: Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima

Em 2016, 25.214 pessoas foram diagnosticadas com hanseníase, já em 2018 esse número teve um crescimento de 14%, com 28.657 registros. Apesar de mais de uma década em queda, esses números não são vistos como alarmantes, muito pelo contrário, eles são resultados de um maior controle e diagnóstico da bactéria, que quanto mais cedo for identificada e tratada, maiores são as chances de evitar qualquer tipo de sequela.


+ Confira o trailer do documentário 'Hanseníase Ontem e Hoje'. O lançamento oficial será dia 22 de novembro