Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Herberts Cukurs

Herberts Cukurs: O ‘nazista dos pedalinhos’ que viveu no Brasil

Herói de guerra na Letônia, Herberts Cukurs implementou os pedalinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas e acabou sendo executado por agentes da Mossad

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 22/04/2023, às 11h00 - Atualizado em 14/09/2023, às 16h27

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Herberts Cukurs, o ‘nazista dos pedalinhos’ - Latvian Military via Wikimedia Commons
Herberts Cukurs, o ‘nazista dos pedalinhos’ - Latvian Military via Wikimedia Commons

Em 1918, a Letônia se tornou independente. Mas a liberdade do povo letão não durou muito. Já na Segunda Guerra Mundial, o país foi invadido por duas vezes: em junho de 1940 pela extinta União Soviética e em julho de 1941 pela Alemanha nazista. 

Quando os alemães tomaram o controle do país, diversos letões comemoraram. Afinal, por Hitler ser inimigo dos soviéticos, a população encontrou na tomada alemã uma chance de voltar a ser independente. 

Dentre esses nomes estava Herberts Cukurs. Combatente na guerra de independência da Letônia, virou um herói nacional devido ao seu papel como aviador militar. Assim, Cukurs englobou a SS estrangeira. 

No momento em que a União Soviética retomou o controle da nação, Herberts fugiu. Pós-Guerra o letão e sua família vieram ao Brasil. Por aqui virou empresário e ficou conhecido por colocar os pedalinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas. 

Herberts Cukurs/ Crédito: Arquivo Nacional

Anos depois, porém, acabou sendo acusado de ser um carrasco nazista. Herberts Cukurs foi perseguido por agentes da Mossad e foi morto no Uruguai, após cair em uma arapuca dos caçadores de nazistas. 

Pátria amada, Brasil 

Era 5 de fevereiro de 1946 quando Herberts Cukurs embarcou em Marselha, na França, com destino ao Brasil. O letão estava acompanhado de sua esposa, Milda (de 38 anos); seus três filhos: Gunnars (14), Antinea (12) e Herberts (4); de sua sogra, Made (64); e da judia Miriam Kaicners (23). 

O grupo desembarcou no Brasil a bordo do barco a vapor espanhol Cabo da Boa Esperança. Isso aconteceu em uma segunda-feira de carnaval, em 4 de março. A família de Cukurs seguiu para São Cristóvão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A judia foi ao encontro de seus parentes. 

"Cukurs não entrou no Brasil através das rotas de fuga usadas por criminosos nazistas depois da guerra. Entrou legalmente, beneficiado pela política imigratória racista que vigorava em nosso país: ele era branco, europeu e cristão", aponta Bruno Leal à BBC. 

Documento de admissão de Herberts Cukurs/ Crédito: Arquivo Nacional

Autor de 'O homem dos pedalinhos. Herbert Cukurs: A história de um alegado criminoso nazista no Brasil do pós-guerra', o professor de História Contemporânea pela Universidade de Brasília (UnB) aponta que mesmo que o governo brasileiro tivesse buscado o histórico do letão, não encontraria, naquele momento, acusações contra sua pessoa. Mas elas surgiram e são assustadoras (que serão relatadas mais adiante). 

Exímio aviador na Letônia, Herberts Cukurs foi responsável por implementar os pedalinhos de aluguel na Lagoa Rodrigo de Freitas. "Ele colocou os pedalinhos na Lagoa, coisa que ninguém conhecia. E espalhou as bicicletas aquáticas, como chamava, por outros lugares", explicou Leal ao O Globo. 

A adaptação da família ao dia-a-dia carioca foi tamanha que Herberts Cukurs entrou com o pedido de naturalização brasileira em julho de 1949. Sua empresa contava não só com 20 pedalinhos, mas ainda dispunha de cinco caiaques, duas lanchas, barco à vela e até mesmo um hidroavião. 

Pedalinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas/ Crédito: Halley Pacheco de Oliveira via Wikiemdia Commons

Mas sua vida sofreu uma reviravolta cerca de um ano depois. Em 30 de junho de 1950, chegou ao conhecimento da Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro o depoimento de cinco sobreviventes do Holocausto, que acusavam o imigrante letão dos mais bárbaros crimes de guerra. 

As barbaridades de Cukurs

Segundo os depoimentos, Herberts Cukurs teria sido o responsável por matar cerca de 30 mil judeus a sangue-frio na Letônia ocupada. Os crimes ainda incluíam desapropriação de imóveis, incêndio em sinagogas e profanação de cemitérios. 

A Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro disponibilizou cópias datilografadas do depoimento de quatro destes sobreviventes: David Fischkin, Max Tukacier, Abram Shapiro e Rafael Schub; que, sob juramento, relataram episódios que eles próprios sofreram ou foram testemunhas. 

Conforme recorda a BBC, David Fischkin apontou que, em 30 de novembro de 1941, Cukurs fuzilou 16 mil judeus — entre homens, mulheres e crianças — em uma caminhada na floresta de Bikernieku. Chamando-o de "um criminoso de guerra". 

Quando uma criança chorou, ele a tirou da mãe e a fuzilou ali mesmo", prosseguiu. 

Os depoentes também relatam uma prática que parecia ser a preferida de Herberts: sempre que suas vítimas tentavam fugir, ele prontamente tratava de baleá-las em seus calcanhares. Indefesas e caídas no chão, ele mirava em suas nucas e colocava um fim em seus sofrimentos. 

Cukurs na Gambia em 1933/ Crédito: Domínio Público

Max Tukacier, por sua vez, se recordou de quando foi levado ao 'quartel da Gestapo', nome dado pelos judeus a um edifício em Riga, capital do país, onde ficava o principal centro de interrogatórios, prisões e torturas. 

Tukacier recorda que sofreu com espancamentos e maus-tratos. "Recebi golpes horríveis, que fez saltar quase todos os meus dentes. Uso agora uma dentadura". Há também quem sofresse com os trabalhos forçados ou era sumariamente fuzilado caso chorasse ou desmaiasse durante as sessões de tortura. 

Em uma das mais cruéis, foi relatado que Herberts Cukurs havia juntado dois judeus, um idoso de 60 anos e uma jovem de 20, e os obrigados a ficarem nus e manterem relações sexuais. Como o idoso recusou, ele acabou sendo espancado. 

Abram Shapiro revelou que, durante a calada da noite, judeus eram retirados de suas celas e levados a um destino incerto. Questionando um sentinela sobre para onde eles eram levados, ouviu um sarcástico: "Foram caçar coelhos". 

Abram também relatou que foi obrigado a tocar piano durante uma noite toda. Na mesma ocasião, Cukurs e outros oficiais, todos bêbados, pegaram uma jovem judia para ser feita como prisioneira por várias semanas. "Sentado ao piano, fui testemunha ocular de como a moça foi violentada pelos letões, um após outro". 

Por fim, Rafael Schub chocou a todos quando relatou os ocorridos da madrugada de 4 de julho de 1941. Na ocasião, cerca de 300 judeus lituanos que haviam fugido foram encurralados por Cukurs e outros agentes na sinagoga de Gogolstrasse, em Riga.

Os judeus foram obrigados a jogarem pergaminhos sagrados no chão da sinagoga, mas recusaram a cometer tamanho sacrilégio. Assim, Herberts jogou gasolina no chão do local e ateou fogo com uma granada de mão. 

Os judeus correram para as portas e janelas, mas os sentinelas do lado de fora atiraram neles. Todos os 300 foram queimados; dentre eles, muitas crianças", relatou. 

Imagem manchada e a execução 

Com as acusações da Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro, Herberts Cukurs apontou que colaborou com a ocupação nazista, mas negou ter participado dos brutais episódios. 

Mas as denúncias ganharam os noticiários brasileiros. "Famoso matador de gente" e "Indesejáveis" eram algumas das manchetes sobre Cukurs e seu familiares. 

Com tamanha repercussão negativa, a Justiça não só negou o pedido de naturalização de Cukurs, como o letão viu seu alvará de licença para os pedalinhos não ser renovado pela prefeitura do Rio e seu brevê de piloto ser cassado pelo Ministério da Aeronáutica.

Olhe para mim! Tenho cara de carrasco?", desabafou quando questionado por um repórter do O Globo, segundo registro da edição de 25 de julho de 1950.

Nos anos seguintes, Herberts e seus familiares se mudaram para Niterói (RJ), Santos (SP) e também para a capital paulista. Em São Paulo, aponta a BBC, o letão montou uma empresa de táxi-aéreo na represa de Guarapiranga, em meados de 1956. 

Quatro anos depois, Adolf Eichmann foi procurado e capturado na Argentina por agentes da Mossad, o serviço secreto israelense. Eichmann foi levado a Israel, onde foi julgado, condenado e acabou enforcado em 1º de junho de 1962. 

+ 'Ideias Que Chocaram o Mundo': O julgamento de Adolf Eichmann pelos olhos de Hannah Arendt

Herberts Cukurs também seria alvo do grupo. Em 12 de setembro de 1964, o empresário austríaco Anton Kuenzle chegou ao Brasil. Na verdade, aquele era o nome dado ao disfarce de Yaakov Meidad, agente da Mossad que capturou Eichmann na Argentina.

Adolf Eichmann durante seu julgamento, em 1961/ Crédito: Domínio público / National Photo Collection of Israel

Kuenzle contactou Cukurs para uma reunião de negócios. Os dois ficaram amigos e o agente logo convenceu o letão a expandir seus serviços para o Uruguai. Em 23 de fevereiro de 1965, a dupla embarcou para Montevidéu. 

A desculpa era mostrar para Cukurs a suposta casa onde ficaria a sede da empresa no país — um escritório somente a 18 quilômetros da capital, no balneário de Shangrilá. Era tudo uma armadilha. 

Chegando ao espaço, Herberts Cukurs foi agarrado por quatro agentes da Mossad, que tentaram imobilizá-lo. Embora tivesse 64 anos, o letão demonstrou resistência e só parou após ser atingido na cabeça por um golpe violento de martelo. Caído, foi finalizado com dois tiros na cabeça. Era 23 de fevereiro de 1965. 

Seu corpo só foi encontrado em março por Alejandro Otero, comissário de polícia de Montevidéu, que havia recebido uma denúncia anônima. O cadáver, em avançado estado de decomposição, havia sido deixado dentro de um baú de madeira. 

O baú onde o corpo de Cukurs foi deixado/ Crédito: Reprodução

Sobre seu corpo ainda havia um bilhete: "Considerando a gravidade dos crimes de que é acusado Herberts Cukurs, especialmente a sua responsabilidade no assassinato de 30 mil homens, mulheres e crianças, nós o condenamos à morte". 

Aqueles que não esquecerão", se autodeclarou o grupo que colocou fim à vida de Herberts Cukurs.