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Matérias / Civilizações

Versões do fim: Como diversas ideologias explicam o Apocalipse

Dos maias aos vikings e hindus, confira nove narrativas que explicam como a vida que conhecemos pode acabar um dia

José Francisco Botelho Publicado em 06/09/2019, às 03h00 - Atualizado em 14/01/2022, às 08h00

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Imagem meramente ilustrativa do mundo pós-apocalíptico - Divulgação/ Pixabay/ TheDigitalArtist
Imagem meramente ilustrativa do mundo pós-apocalíptico - Divulgação/ Pixabay/ TheDigitalArtist

Por volta do ano 95, um homem chamado João rezava no interior de uma caverna na ilha rochosa de Patmos. Subitamente, o idoso eremita escuta uma voz às suas costas. As palavras retumbam como o toque de uma trombeta: "Vê e escreve". Era Jesus Cristo, com um rosto resplandecente e sete estrelas em sua mão direita.

O velho tomba no solo, num êxtase místico, e contempla, com pavorosos detalhes, o fim de todas as coisas. Quatro cavaleiros prenunciam as desgraças: o céu fica negro, a lua "vermelha como sangue", as estrelas caem sobre a terra "como os frutos de uma figueira soprada pela ventania", uma montanha de fogo despenca sobre os mares e legiões de monstros emergem do solo... "Pois é chegado o grande dia da ira divina", alguém grita no meio da hecatombe, "e quem poderá subsistir?"

As cenas descritas há pouco são uma minúscula amostra da destruição narrada no Livro das Revelações — em grego, Apokalypsis. O capítulo mais tenebroso da Bíblia é também uma das profecias mais detalhadas sobre o fim da História. Exerceu profunda influência sobre o pensamento ocidental, mas não foi a única nem a primeira especulação sobre o destino derradeiro da humanidade.

Desde a Antiguidade, diversas culturas partilharam um fascínio pela ideia do Fim (maiúsculo mesmo). Um dos motivos dessa obsessão está em uma sutil equação: o contraste entre a finitude da vida e a eternidade do tempo.

Para a nossa mente, é muito difícil conceber a ideia da infinitude de espaço ou de tempo", diz o historiador Fernando Ferrari, da UFRGS. "Sabemos que nossa vida terá fim. Mas, quando pensamos no que virá depois dela, somos perturbados pela ideia do tempo infinito."

Eis o pano de fundo para tantos mitos de criação e dissolução do Universo em diferentes religiões e culturas. Assim como há um fecho inevitável para a existência individual, os povos buscam um epílogo grandioso e de significado transcendente para o resto. É da natureza do cérebro humano buscar padrões, atribuir ordem ao caos... Das várias formas que se reconhecem nas nuvens em minutos mirando o céu aos heróis espelhados nas constelações.

A moral de uma história geralmente está no fim, como se sabe. Por isso, a maioria dos apocalipses traz a promessa de recompensa às agruras humanas. "A ideia do Fim é ambígua: pode aterrorizar, provocando o anseio de constante protelação, ou fascinar, a ponto de ser desejada", diz o teólogo Leomar Antonio Brustolin, da PUC-RS. Ou seja, o Fim do Mundo nem sempre é um fim do mundo.

1. Hinduísmo, séculos 18 a.C. a 10 d.C.

Imagem meramente ilustrativa de estátua do deus Ganesha / Crédito: Divulgação/ Pixabay/ Nile

Há mais de 3 mil anos, os hindus já tinham complicadas profecias em livros sagrados como os Vedas e os Puranas." As religiões ocidentais têm uma concepção linear do tempo. Já para a hindu, que influenciou o budismo, o tempo é cíclico, com o Universo alternando fases de atividade e de repouso", diz Swami Nirmalatmananda, ex-presidente da Ordem Ramakrishna no Brasil. S

egundo o hinduísmo clássico, o Cosmo foi criado pelo deus Brahma. Cada dia na vida dele equivale a 4 bilhões de anos humanos — período que representa um ciclo na história do Universo, ou kalpa.

Esse, por sua vez, se divide em mahayugas, períodos de 4 milhões de anos. Mas cabe ao deus Vishnu (não a Brahma) exercer a justiça cósmica. O fim de cada mahayuga é marcado pela decadência moral da humanidade.

É quando Vishnu tem de pôr ordem na casa. Dizem os Puranas que a sua próxima encarnação, chamada Kalki, virá armada com uma espada brilhante como um cometa e "irá destruir os ímpios e os ladrões e todas as mentes devotadas à iniquidade".

A Terra será incinerada e ressurgirá das cinzas. Após cada kalpa, seu dia divino, Brahma irá dormir e, ao fechar os olhos, o Universo desaparecerá nas trevas — para reaparecer bilhões de anos depois, quando ele acordar. Assim, o ciclo de destruição e ressurgimento jamais acaba.

A crença no tempo circular era a concepção mais comum entre os povos da Antiguidade. O estoicismo, linha filosófica surgida na Grécia no século 3 a.C., apregoava a ocorrência da ekpyrosis, a destruição de tudo em uma explosão de fogo purificador a cada 15 mil anos. Os celtas acreditavam que o céu caía periodicamente sobre a Terra — curiosamente, há um mito semelhante entre os brasileiríssimos jurunas.


2. Mazdaísmo, séculos 5 a.C. a 9 d.C.

Monumento do Mazdaísmo / Crédito: Arteen Arakel Lalabekyan/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Mas quem, então, esticou o tempo em uma linha reta? O criador dessa visão de Juízo Final foi o persa Zaratrusta (ou Zoroastro). Ele teria nascido entre os séculos 10 e 5 a.C. no atual Irã. Filho de um agricultor pobre, partiu aos 30 anos para viver sozinho no deserto. Saiu de lá com os princípios de uma nova religião, o mazdaísmo, que logo se espalhou por toda a Pérsia.

Ela cultuava um só deus e admitia a existência de sua antítese maligna. O demoníaco Arimã guerreava constantemente contra o benfazejo Ahura Mazda pelo controle do Universo. Essa batalha era um grande drama cósmico com um desfecho definitivo, narrado no Zend Avesta e no Bundashin (escritos entre os séculos 5 a.C. e 9 d.C.).

Num futuro indeterminado, Ahura enviará à Terra seu último profeta: Shaosyant, que ressuscitará os cadáveres de sua tumba. Depois, um Anjo de Fogo derreterá as montanhas.

O mundo será coberto por um oceano de lava e metal — os vivos e os mortos terão de atravessá-lo descalços. "Para os justos, o rio de fogo será suave como leite fresco, mas os ímpios e os pecadores arderão nas chamas, até serem purificados", diz o Bundashin. O mundo será reconstruído, Arimã será destruído e o mal deixará de existir.


3. Judaísmo, século 2 a.C.

As concepções introduzidas pelo mazdaísmo foram aos poucos transmitidas a outros povos do Oriente Médio, como os hebreus, que incorporaram o monoteísmo. Os judeus não tiveram um único profeta, mas vários, e foram dominados sucessivamente por diversas etnias. Nesses séculos de controle estrangeiro, sonhavam com uma futura e definitiva vitória sobre os seus inimigos — e assim surgiu a crença de que, um dia, Jeová colocaria um fim às agruras de seu povo escolhido.

No início, os judeus esperavam apenas que ele lhes desse uma vitória decisiva. Mas, com o tempo, passaram a acreditar que, além de recompensar os bons, puniria os maus. Essas esperanças apocalípticas estão narradas, principalmente, no Livro de Daniel, escrito no século 2 a.C.

Nessa época, os hebreus padeciam sob o domínio do macedônio Antíoco IV Epífanes e protagonizaram a chamada Revolta dos Macabeus. Nesse caldo político, o livro, de autor desconhecido, visava levantar o moral do povo e descreve a saga do profeta Daniel, que teria vivido no século 5 a.C. Ele previu a vinda do Messias, destinado a libertar os judeus, punir os maus e dar início a uma era de paz interminável.

Alguns historiadores acreditam que o Messias do texto seja uma referência a Judas Macabeu, líder da revolta contra os macedônios. Ele realmente saiu vitorioso e fundou uma dinastia. Mas seus descendentes só reinaram até 63 a.C., quando os judeus foram conquistados pelos romanos. Por isso, persistiu a crença de que o verdadeiro Messias ainda não chegou.

Os ortodoxos têm até uma data para sua vinda, o ano 6000 do calendário judaico — aproximadamente 2240 no cristão. "Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. A humanidade passará 6 mil anos de trabalhos e sofrimentos. Com o início do sétimo milênio, chegará a hora do repouso e da recompensa", diz o rabino Mendel Liberow. Após a composição do Livro de Daniel, a crença no fim da História chegou a uma seita dissidente, surgida na Terra Santa sob o domínio dos romanos: o cristianismo.


4. Cristianismo, século 1

Quando o Livro das Revelações foi escrito, os cristãos eram ferozmente perseguidos pelo Império Romano. Entre os séculos 1 e 3, milhares foram executados. A matança teria levado João a se exilar em Patmos.

Segundo as tradições da Igreja, ele foi um dos apóstolos e também o redator de um dos Evangelhos. Alguns historiadores, contudo, acreditam que se trata de pessoas diferentes. O que ninguém nega é a intenção política da obra, influenciada pelo Livro de Daniel. 

O Apocalipse de João, como também é conhecido, visava fortalecer a fé dos perseguidos, prometendo castigos horríveis aos opressores (e infiéis). Há terremotos, chuvas de meteoros, pragas, pestilências... e, claro, quatro infames cavaleiros que descem dos céus para atormentar a humanidade.

O último se chamava "Morte, e o Inferno o seguia" — uma procissão de figuras como gafanhotos gigantes integram a comitiva. É chegada a hora, então, do grande combate entre Deus e o Diabo. Ele enviará à Terra um Anticristo, à frente de um grande exército.

Jesus irá derrotá-lo, mas depois de um milênio acorrentado, Satã retorna para a batalha final, prevista para ocorrer em um lugar chamado Armagedom — que alguns identificam como Megiddo, na Palestina. Jesus, mais uma vez, destruirá a legião do mal. E segue-se o Juízo Final: os pecadores serão lançados ao inferno e os justos viverão para sempre no paraíso. Até hoje, há quem interprete ao pé da letra o Livro das Revelações.

É o caso dos dispensionalistas, uma seita evangélica americana. A obra, contudo, foi majoritariamente entendida como uma promessa de paz. "Os cristãos antigos e medievais não viam as imagens apocalípticas como algo negativo", diz Fernando Ferrari. "Terremotos, pragas e até demônios seriam instrumentos de Deus e cumpriam uma função positiva. Foi com a Reforma Protestante que a ênfase passou da esperança para a angústia. O medo do fim do mundo, nesse sentido, é uma invenção moderna".

5. Islã, século 7

O conceito do Fim do Mundo como algo essencialmente positivo também influenciou o Islã, com a pregação do profeta Maomé — que absorveu muitas crenças de seus antecessores monoteístas.

O Juízo Final descrito no Alcorão e nos Hadith (uma coleção de ditos do Profeta) tem muitas semelhanças com o Livro das Revelações. Na tradição muçulmana, o Anticristo é Masih-Al-Dajjal, "o falso profeta", que tentará dominar o mundo. Ele será derrotado pelo Mahdi, espécie de Messias islâmico, que será ajudado em sua tarefa por ninguém menos que "Issa, filho de Miriam", ou Jesus.

Após a batalha final, o anjo Israfil tocará sua trombeta e começará o grande Julgamento, que durará entre 50 mil anos. Até as plantas e os animais serão ressuscitados e virão depor contra a humanidade. Por fim, os humanos terão de atravessar uma ponte fina como um fio de cabelo e afiada como uma espada — os bons chegarão ao paraíso para a vida eterna e os maus cairão no inferno.

O momento decisivo da humanidade é chamado "A Hora" para os muçulmanos. Como o cristianismo, o islã não tem data marcada para o fim dos tempos: só Alá sabe. Daí um dos ditos mais famosos de Maomé: "Vive como se tua vida fosse infinita, mas faz o bem como se fosses morrer amanhã".


6. Vikings, século 8

Representação do Ragnarok / Crédito: AU Library, Campus Emdrup/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Os vikings — ou, melhor dizendo, os nórdicos, porque viking era profissão — foram um dos últimos povos europeus a se converterem ao cristianismo. E previram um apocalipse pagão e amoral.

É a lenda do Ragnarok, ou a morte dos deuses, contada nos Eddas, escritos por volta do século 13. Os vikings já eram cristãos e conheciam o Armagedom da Bíblia, mas as histórias falam de seus deuses antigos, que habitavam o mítico país de Asgard, sob o governo de Odin.

O papel de vilão cabia a Loki, expulso de Asgard por causa de suas tramoias contra os parentes divinos. Os vikings acreditavam também na existência de elfos, anões, gigantes e monstros. E quase todas essas espécies sairão na pancada durante o apocalipse mais heavy metal da História.

Tudo começará com o Fimbulvert, um inverno sobrenatural que durará três anos. Loki, então, comandará um exército contra Asgard. Suas tropas incluirão gigantes e monstros, como Fenrir, o lobo demoníaco, e Jormungad, uma serpente saída dos confins do oceano. Heimdall, o arauto dos deuses, soprará sua trombeta — e aí, sim, o tempo vai fechar. Até o manda-chuva Odin morrerá, devorado pelo lobo. Asgard virará um cemitério. E os humanos serão exterminados por tabela.

"A mitologia nórdica pode ser vista como uma mistura das concepções linear e circular do tempo", diz o historiador Johnni Langer, da UFMA. "Por um lado, o céu e a terra renascerão, como nos mitos hindus. Mas não há previsão de outras destruições." Não haverá paraíso nem inferno, até porque os vikings não tinham os conceitos de pecado e julgamento cristãos nas lendas originais que inspiraram os Eddas. "Haverá um novo Universo semelhante ao anterior", afirma Langer.


7. Nostradamus, século 16

Iustração de Nostradamus / Crédito: Getty Images

Michel de Nostradamus foi considerado por muitos um dos maiores videntes da Europa. Ele deixou dez volumes de enigmáticas profecias, As Centúrias.

Em uma carta ao filho, disse que suas profecias cobrem a história humana até 3797 — mas não explica se o mundo acabará nesse ano. Contudo, ele deixou versos que sugerem uma conflagração universal no futuro: "Quando os do Norte tiverem se unido, haverá grande receio no Leste. A Nova Terra terá atingido o auge do seu poder... Dos céus virá o grande rei do terror".

Alguns interpretam isso como um conflito entre os EUA (a Nova Terra) e algum país do Oriente Médio. Nostradamus também anunciou a vinda de três Anticristos. Os dois primeiros seriam Napoleão e Hitler. O terceiro ainda estaria por vir.


8. Apocalipse sem religião, século 20

Até mesmo a mitologia viking pagã contém a promessa de um mundo novo. O deus Balder (filho de Odin), cuja morte maquinada por Loki é um dos fatores que desencadeiam o Ragnarok, retorna à vida.Lif e Lifthrasir, únicos sobreviventes do armagedon nórdico, são incumbidos, então, de repovoar a Terra.

No século 20, porém, destaca-se uma visão materialista e a coisa muda de figura. A ideia do apocalipse se torna, ao mesmo tempo, mais limitada e radical: a ciência demonstra a insignificância da Humanidade perante o Universo (o fim dela, ou da vida na Terra, não implica necessariamente na extinção de tudo o que existe) e apresenta, em vez de fenômenos sobrenaturais, um cardápio de desfechos assustadoramente plausíveis.

Após a Segunda Guerra e a proliferação das armas nucleares (especialmente no auge da Guerra Fria), o potencial de autodestruição se sobrepõe. É esse, talvez, o grande marco dessa nova perspectiva do apocalipse.

Nesse contexto, por exemplo, somado às transformações da sociedade nos anos 1960, diz Jonathan Kirsch em 'A History of the End of the World' ("Uma História do Fim do Mundo"), o Livro das Revelações "deixou o gueto cristão e entrou no coração da política americana e da cultura popular". 

Ao temor da bomba atômica, junta-se o do aquecimento global, da exaustão e do colapso dos recursos naturais básicos, das epidemias de superbactérias e o do choque de meteoros gigantes contra o planeta, como o que aniquilou os dinossauros — só para citar alguns, além da inescapável extinção do sistema solar (já demonstrada pelos cientistas) por volta de 1 bilhão d.C.

E talvez até por isso tanta gente insista, com estranha e mórbida esperança, em vasculhar previsões antigas. Teimoso como ele só, o cérebro humano continua buscando um sentido que encadeie o destino humano à história do Universo. Porque sem um significado transcendente que nos justifique, somos assombrados pelo medo de não encontrar moral alguma no fim da História.

É o temor do absurdo — muito bem expresso por T. S. Eliott, em 1925, no poema 'Os Homens Ocos': "Assim acaba o mundo: Não com uma explosão, mas com um gemido de cansaço" (ou "com um suspiro", em algumas traduções).


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