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Matérias / Aniversário

Quando a Torre Eiffel foi "vendida" por golpista nos anos 20

Se passando por um funcionário da prefeitura, Victor Lustig conseguiu negociar as 8 mil toneladas de ferro da torre

Redação Publicado em 04/09/2019, às 07h00

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Domínio Público
Domínio Público

Um dia de abril de 1925, seis homens se instalaram numa sala do Hôtel de Crillon, na Place de la Concorde, em Paris. O lugar, forrado de feltro e camurça, era propício a encontros discretos de negócios. Ali discutiriam uma operação delicada.

Eram grandes empresários do setor de sucata e seu interlocutor, um funcionário do alto escalão do governo francês. Um homem na casa dos 30 anos, elegante, vestido com um costume cinza e colete de seda, com uma cicatriz no lado esquerdo do rosto. Ele expõe o motivo da reunião: a Torre Eiffel. A flecha de metal que se eleva desde 1889 no céu de Paris tem um custo muito alto de manutenção. O Estado decidiu se livrar dela e entregaria a torre à maior oferta.

Os cinco foram selecionados por sua seriedade e probidade. Caberia ao feliz eleito desmembrar e vender as 7 300 toneladas de aço. Mas tinham que manter segredo: somente alguns ministros e o presidente da República, Gaston Doumergue, sabiam do segredo. O acordo deveria se manter completamente confidencial, para evitar a repercussão negativa do público.

Para deixar os empresários com água na boca, o oficial do governo lhes conduziu pessoalmente à "Dama de Ferro", situada a 2 quilômetros de onde eles estavam, na outra margem do Sena. Erguido 36 anos antes, o imponente edifício era então o símbolo máximo de Paris. Todos os dias, turistas pacientemente esperavam para subir nos seus andares. O grupo não precisou pegar fila: o funcionário sacudiu seu documento oficial e todos foram liberados em direção ao terceiro piso, a 300 metros de altura.

Lá do alto, Paris se estendia sob seus pés. Profissionais experientes, constataram que a torre era linda, mas estava em mau estado. Em breve, iria ao chão. Um entre eles resgataria suas 15 mil vigas e seus 2,5 milhões de rebites. O oficial afirmou que receberia as ofertas para a torre em três dias. E rogou que fossem discretos: o público não poderia ser informado até que a transação fosse concluída.

O cavalheiro Lustig

O elegante funcionário público não tinha nada a ver com o governo, nem mesmo com a cidade de Paris. Sua identidade verdadeira era Victor Lustig, e seu trabalho, estelionatário. O melhor do mundo. Nascido em 1890 numa família abastada e respeitada da região da Boêmia, então parte do Império Austro-Húngaro, Lustig falava cinco idiomas fluentemente e tinha um raro traquejo social. Com tais talentos, ele poderia ter uma brilhante carreira como advogado. Optou por ser o rei da farsa.

Saído da Áustria-Hungria em 1909, começou por baixo, no submundo de Paris, lidando com prostitutas e cafetões. Daí sua cicatriz no rosto, de uma briga com faca. Mas ele não permaneceria na lama muito tempo. Com seu charme, logo se graduaria a depenar ricaços em jogos de pôquer durante viagens transatlânticas.

Seu último golpe antes da Torre havia sido arrancar 30 mil dólares de um banqueiro de Montreal. Lustig pagou a um batedor de carteiras para roubar Linus Merton. No dia seguinte, apareceu para devolver a carteira, virando um herói para o inocente homem. Contou sua história a ele: vinha da Rússia e havia perdido todo o seu dinheiro na Revolução Bolchevique.

Para sobreviver, havia criado um esquema com corridas de cavalos. Seu primo Emil trabalhava no jóquei clube e havia posto um grampo no telégrafo que transmitia os resultados às bancas de apostas. Assim, era possível apostar conhecendo os resultados, minutos antes de serem divulgados.

Merton "apostou" algumas vezes e ganhou. O "russo" avisou que seu primo teria que deixar o emprego porque a esposa estava doente. E o banqueiro decidiu fazer uma última aposta, de 30 mil dólares (410 mil dólares hoje em dia). E nunca mais viu o misterioso cavalheiro. Não havia primo nem aposta: Lustig usava seus próprios fundos para bancar a farsa.

Com os bolsos abarrotados, o falsário se escafedeu para Paris. A cidade vivia os "loucos anos 20", a festa de jazz, álcool e cocaína em meio a uma exposição mundial.

Mancha na paisagem

A Torre Eiffel surgiu na Exposição Mundial de 1889. Era a construção mais alta do mundo, mas era provisória e seria desmontada após o fim da exposição, o que daria grande alegria a muitos parisienses, que não viam nela nada além de uma odiosa intrusão na paisagem.

O pai da torre, o engenheiro Gustave Eiffel, havia feito de tudo para tornar sua criação indispensável e evitar sua destruição. Ele acolheu experimentos de meteorologia e de aerodinâmica. Durante a Primeira Guerra Mundial, a construção teve um papel estratégico como antena de rádio, usada pelos militares.

Mas em 1925 a guerra tinha acabado, Eiffel estava morto e a torre não chegava a ter 500 mil visitantes por ano, contra os 2 milhões que pagavam para vê-la nos primeiros anos. Precisava urgentemente de reformas, e não havia dinheiro para isso. Um jornalista francês então se arriscou: "Devemos vender a Torre Eiffel?" E foi aí que uma lâmpada acendeu na cabeça do picareta mais suave do mundo.

Lustig, vindo de uma carreira de dezenas de pseudônimos, não teve nenhum problema em conseguir documentos falsos timbrados da cidade de Paris, incluindo o passaporte oficial de acesso à torre. Depois de levantar o nome dos maiores empresários de sucata da França, fez chegar a eles o convite para a reunião no Crillon.

Após apresentar os planos do governo, Lustig agora media os empresários, tentando achar o mais ingênuo entre eles. O escolhido foi André Poisson. Vinha da região de Provence, e parecia sofrer de complexo de inferioridade. Poisson faz uma oferta, dias depois. Um novo encontro foi marcado para o mesmo Hôtel de Crillon.

Mas Poisson não era tão bobo quanto Lustig havia imaginado. E apresentou suas suspeitas: por que encontros num hotel, e não no escritório oficial da administração? E Lustig disparou sua arma secreta: para garantir o fechamento do negócio, com ele, e ninguém mais, ele precisava de uma ajuda de custo.

O empresário não teve dúvida: pedir suborno é a prova de que aquele homem é um verdadeiro funcionário público. Isso explicaria os encontros em lugares discretos. Assim, numa deliciosa ironia, André Poisson decidiu não só pagar a Lustig o valor da Torre Eiffel como molhar sua mão para garantir o negócio.

E recebeu seu título de proprietário do monumento. Que, obviamente, não valia o papel em que estava escrito. O picareta correu para descontar o cheque, dinheiro que enchia uma maleta. E foi de trem para Viena, para saborear a vitória. Poisson não demorou a perceber que fora enganado. Mas ele não se queixaria jamais a ninguém, para evitar a humilhação.

Lustig tentou repetir a armação, mas foi pego e fugiu para os Estados Unidos. Lá ainda cometeria um ato legendário: tapeou Al Capone. Pegou do gângster 50 mil dólares para investir em ações e deixou o dinheiro num cofre. Meses depois, voltou para informar que, infelizmente, o negócio havia falhado, devolvendo nota por nota. Al Capone se impressionou tanto com sua honestidade que deixou com ele 5 mil dólares como recompensa. Era tudo o que ele queria.

Mas a história do trapaceiro elegante não tem um final feliz. Em 1935, foi preso por um golpe sem a menor imaginação: falsificação de dinheiro. Foi mandado para Alcatraz, na Califórnia, e condenado a 20 anos. Morreria de pneumonia na prisão, em 1947, aos 57 anos.