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Matérias / Nazismo

Incêndio no Reichstag: Há 90 anos, fogo no Parlamento alemão impulsionava consolidação nazista

Em 27 de fevereiro de 1933, incêndio no Reichstag foi episódio crucial para Adolf Hitler estabelecer sua ditadura

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 27/02/2023, às 00h00

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Incêndio no Reichstag - National Archive
Incêndio no Reichstag - National Archive

Era por volta das 21 horas daquele 27 de fevereiro de 1933 quando o corpo de bombeiros de Berlim recebeu uma notícia alarmante: o Reichstag, a sede do parlamento alemão, estava em chamas. 

Ao chegar ao local, o recém-nomeado chanceler Adolf Hitler parecia atônito. Acompanhado de Joseph Goebbels, líder do partido nazista, o NSDAP, os dois foram informados que um comunista havia sido responsável por atear fogo no marco da democracia alemã. Marinus van der Lubbe foi como o autor do ato pouco depois. 

Pessoas observando o incêndio no Reichstag/ Crédito: Coleção do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Conforme relatado pela Deutsche Welle, Goebbels dizia que a intenção dos comunistas era "por meio do incêndio e do terror, causar tumultos e, em meio ao pânico geral, tomar o poder". 

Apesar do desespero da população, Hitler viu uma oportunidade única, é o que explicam os docentes do Colégio Humboldt, Ronny Möller (professor alemão de História no Ensino Médio) e Mathias Rempel (professor brasileiro de História e Filosofia no Ensino Médio), em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História.

O fato é que Hitler, segundo testemunhas contemporâneas, esteve no local pouco depois do incêndio e deu instruções sobre como lidar com os comunistas e outros chamados ‘inimigos do Estado’.”
Folheto distribuído pelo Partido Nazista após o incêndio do Reichstag/ Crédito: Coleção do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

"Uma vez que o ataque visava a sede do parlamento, portanto, o ‘coração da democracia’, Hitler foi capaz de se apresentar como o suposto protetor da democracia e, assim, identificar também os inimigos da democracia: os comunistas", apontam. 

Agora ele tinha uma justificativa para a perseguição de opositores políticos." 

Perseguições liberadas

O temor causado nas elites conservadoras de burocratas, políticos e militares fez com que, ainda na mesma noite, o comandante da polícia prussiana, Hermann Göring, recebesse ordens para prender deputados comunistas e funcionários do partido

As ações cruéis da SA (Sturmabteilung), tropas nazistas de assalto, ocasionou diversas detenções. Essas pessoas, ainda segundo a DW, eram levadas para locais provisórios, sendo grandes partes deles porões, onde eram torturados e muitos acabavam morrendo. Estima-se que, até abril, cerca de 25 mil pessoas foram detidas. 

"Nessa mesma noite, numerosos opositores políticos foram presos (não só comunistas) e, com a ajuda do 'Decreto de Incêndio do Reichstag', continuaram a ser perseguidos sistematicamente durante as semanas seguintes", corroboram Möller e Rempel

Reichstag em 1947/ Crédito: Coleção do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

O tal 'Decreto de Incêndio do Reichstag' foi assinado no dia seguinte, 28, pelo presidente Von Hindenburg. A medida, chamada oficialmente de "Decreto do Presidente do Reich para a proteção do povo e do Estado", aboliu a liberdade de expressão, de opinião, de reunião e de imprensa. O sigilo dos correios também foi retirado. 

Desta forma, o governo de Berlim ganhou autoridade para intervir nos estados para garantir a manutenção da ordem e segurança. "As restrições aos direitos pessoais básicos tiveram, evidentemente, um impacto forte sobre a oposição política", explicam os docentes do Colégio Humboldt. 

Não só qualquer forma de crítica ao governo era agora considerada perigosa para o Estado e, portanto, criminosa, como as pessoas podiam agora ser arbitrariamente presas, torturadas ou assediadas de qualquer outra forma. Isto intimidou naturalmente a oposição e permitiu ao governo de Hitler consolidar a sua autocracia", apontam.

Após o 'Decreto do Incêndio do Reichstag', a "Lei de Concessão de Plenos Poderes", aprovada pelo parlamento em 23 de março de 1933, foi o segundo importante passo dado pelos nazistas estabelecerem sua ditadura, dizem os professores. 

Discurso de Hitler no Reichstag promovendo a Lei de Concessão de Plenos Poderes/ Crédito: Bundesarchiv

A chamada 'Lei Básica' dos Nazistas, deu ao governo todos os poderes para aprovar leis sem o consentimento do parlamento e do Presidente do Reich, o que de fato significou o fim da separação de poderes, portanto, da República. 

“A aprovação da mencionada 'Lei de Concessão de Plenos Poderes' no parlamento somente foi possível porque todos os políticos dos partidos comunistas e também muitos sociais-democratas já não estavam presentes na votação devido às perseguições e detenções após o incêndio do edifício do parlamento”, contextualizam.

"Desde a proclamação da república em 1918 havia na maioria da população um medo permanente de uma derrocada comunista, como aconteceu na Rússia que se tornou depois a União Soviética. Inclusive na classe trabalhadora havia na década de 1930 muitos apoiadores de Hitler. Os anos de crise após a crise econômica de 1929 e as batalhas de rua entre grupos radicais de direita e de esquerda criaram um clima violento e muitos depositaram as suas esperanças no 'homem forte' que poderia finalmente resolver os problemas", explicam sobre o cenário da época. 

Ação dos comunistas?

As investigações da época apontaram que o holandês Marinus van der Lubbe, que tinha ligações com os comunistas, era o responsável pelo incêndio, mas que aquilo se tratou de um fato isolado e não de uma tentativa de tomada de poder.

Posteriormente, historiadores passaram a discutir se os próprios nazistas não teriam incendiado o Reichstag — visto que o episódio é tido como fundamental para a tomada de poder nazista

Em julho de 2019, a imprensa alemã repercutiu uma declaração juramenta em 1955, que havia sido recém-descoberta nos arquivos de um tribunal em Hanover, em que o ex-membro da SA, Hans-Martin Lennings, dizia que as forças paramilitares teriam levado van der Lubbe até o Reichstag na noite do incêndio e que quando chegaram ao local, as chamas já tomavam conta do Parlamento. 

Bombeiros chegando ao Reichstag/ Crédito: Coleção do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Estávamos convencidos de que van der Lubbe não poderia ter sido o incendiário, porque, de acordo com a nossa observação, o Reichstag já estava pegando fogo quando o deixamos lá", afirmou Lennings em seu depoimento. 

Möller e Rempel dão seu parecer sobre a possibilidade. "Em primeiro lugar, é preciso ater-se aos fatos e eles não dão uma resposta clara à questão se van der Lubbe foi um perpetrador solitário, se houve uma conspiração ou mesmo se os próprios nazistas atearam fogo". 

"Não seria de todo incorreto acreditar na hipótese do incêndio pelos nazistas, tendo em conta as muitas medidas de engano e manipulação que temos notícia hoje em dia. Claro que o incêndio foi uma desculpa bem-vinda para eliminar a oposição e fazer com que parecesse legal. Mas estou certo de que Hitler teria atingido o seu objetivo mesmo sem este evento. A propaganda foi muito bem sucedida e com certeza o regime teria encontrado algum pretexto para perseguir a oposição", dissertam.

Bombeiros contendo o incêndio no Reichstag/ Crédito: Coleção do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Tomado esse contexto, os docentes propõem uma reflexão sobre o assunto: por que razão este evento, que aconteceu há 90 anos, deveria ser lembrado?

O primeiro motivo entre eles, apontam, é que o início deste ano de 2023 está repleto de datas redondas de acontecimentos referentes à ditadura nazista, como a nomeação de Hitler como Chanceler do Reich, em 30 de janeiro de 1933; ou então 80º aniversário do fim da Batalha de Stalingrado.

Devemos, por um lado, observar simplesmente os fatos históricos. Mas, por outro lado, o incêndio do Reichstag é um ataque direto à democracia", ressaltam.

"O Parlamento é o 'coração da democracia'. É aqui que os membros do parlamento eleitos pelo povo se encontram para propor, discutir e votar leis. Um ataque violento, não importa de que lado político, seja ele individual ou coletivo, é sempre condenável e hoje vemos a democracia em perigo outra vez quando as pessoas, seja nos EUA, no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, tentam prejudicar esta importante instituição. Não podemos permitir isto, porque vimos pelo exemplo do incêndio do Reichstag o que pode resultar disto", finalizam.