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Matérias / Stalingrado

Mais mortífero combate da História: Há 80 anos, a URSS vencia a Batalha de Stalingrado

Stalingrado marcou também o ponto de virada na Segunda Guerra e o início do fim do terror nazista

Ricardo Lobato* Publicado em 20/08/2022, às 08h00 - Atualizado em 02/02/2023, às 17h42

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Montagem mostra Hitler e Stalin lado a lado - Aventuras na História
Montagem mostra Hitler e Stalin lado a lado - Aventuras na História

As crianças na escola e os adultos no trabalho. Apesar de já estarem em guerra há mais de um ano, 23 de agosto de 1942 era um dia normal às margens do Rio Volga. No entanto, aquela não era uma cidade qualquer, pois levava o nome do chefe: Stalingrado. E o inimigo sabia disso.

Naquele dia, não foram os panzers (tanques de guerra alemães), nem a barragem de artilharia que precedia o assalto da infantaria, tudo começou com os aviões. Eles vieram e, contra o ataque do céu, não houve nada que a cidade pudesse fazer. Quando a Luftwaffe (a Força Aérea alemã) terminou a primeira onda de bombardeios, a cena era de destruição e morte, com incêndios que não se apagaram por semanas e destroços para onde quer que se olhasse.

Era o início do conflito que mudaria o rumo da Segunda Guerra Mundial e também o curso da história humana: a Batalha de Stalingrado. Mas por que, entre tantos combates travados na Segunda Grande Guerra, este, em especial, se tornou tão famoso? Como se transformou na batalha com o maior número de mortos, com estimativas que ultrapassam 1,2 milhão de vítimas? E por que, nesta cidade, a Alemanha Nazista percebeu que a derrota final era apenas uma questão de tempo?

Com o objetivo de responder tais questionamentos e compreender a importância da derrota de Hitler em Stalingrado, no sul da Rússia, é preciso compreender o duelo de ideologias no front oriental da Segunda Guerra Mundial. Curiosamente, um choque entre totalitarismos que começa com uma tentativa de amizade, um casamento de aparências.

Conveniência e traição

Exatos três anos antes do início da Batalha de Stalingrado, em 23 de agosto de 1939, a Alemanha e a União Soviética assinaram um pacto que, de imediato, chocou o mundo. O espanto foi grande, pois era notório que nazistas e comunistas se odiavam.

Em uma das passagens do livro Mein Kampf (Minha Luta), escrito por Adolf Hitler e lido por Josef Stalin, o autor abertamente declarava seu ódio aos comunistas e falava dos planos que tinha para a “colonização das terras do leste”, referindo-se especialmente à Rússia.

A assinatura do Tratado de Não Agressão entre a Alemanha e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – popularmente conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop, devido ao nome dos ministros das Relações Exteriores da URSS e Alemanha Nazi, respectivamente – pode ter causado estranheza ao mundo, mas, para Hitler e Stalin, foi um perfeito casamento de conveniência.

Enquanto diplomatas e militares ocidentais tentavam entender aquela inusitada relação, no primeiro dia de setembro de 1939, Hitler desferiu o golpe mortal contra a Polônia. A invasão do país é considerada o início formal da Segunda Guerra, mergulhando a Europa (e o mundo) no caos. Dezesseis dias depois, foi a vez de a URSS atacar. Em 17 de setembro, após formalmente informar o embaixador polonês em Moscou do início da beligerância, Stalin ordenou que suas tropas cruzassem a fronteira – momento em que o cenário foi se tornando compreensível.

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Quando, semanas antes o pacto fora assinado, o mundo soube apenas das garantias mútuas que os países se deram de que não invadiriam um ao outro. Entretanto, o tratado contava com uma cláusula secreta, em que alemães e soviéticos dividiam parte da Europa Oriental entre suas esferas de influência e a Polônia inteira entre si. Vendo o progresso germânico, o Kremlin apressou-se em também mandar suas tropas, de modo a garantir sua parte do território.

Finda a campanha polonesa – apesar de ainda ter reclamado terras na Finlândia, no que ficou conhecido como Guerra de Inverno –, Stalin ordenou que suas tropas parassem, mas Hitler continuava avançando no oeste. Com a invasão da Polônia, o Reino Unido e a França haviam declarado guerra à Alemanha, porém nada era capaz de deter a sede expansionista do ditador nazista.

As democracias ocidentais, uma a uma, foram caindo: Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica e até a poderosa França. Com a parte continental da Europa ocidental a seus pés, Hitler atacou o Reino Unido. Todavia, depois do fracasso em subjugar a Inglaterra na luta pelo céu na Batalha Britânica, o Führer voltou-se novamente para o leste e ordenou que planos de invasão da União Soviética começassem a ser esboçados.

"Um passeio por terras russas"

A Operação Barbarossa, codinome do ataque contra a URSS, foi deflagrada em 22 de junho de 1941. Ao longo de uma frente de combate que se estendia por toda a porção de terra que separa o Mar Báltico do Mar Negro, a Wehrmacht (Forças Armadas do regime nazista) avançava. Com algumas semanas de atraso – que depois se mostrariam fatídicas, por conta da necessidade de socorrer Mussolini em sua fracassada tentativa de invasão na Grécia e de sua própria campanha nos Bálcãs –, os alemães obtiveram vitórias esmagadoras contra um surpreendido Exército Vermelho.

O Alto-Comando germânico esperava, como descrito no diário de um oficial, que a invasão da União Soviética fosse “um passeio por terras russas”. Acreditavam que o poderio da Blitzkrieg, a “Guerra Relâmpago” que derrotara a Europa ocidental, teria o mesmo efeito devastador nos povos do leste. E é aqui que começa todo o problema que levaria à carnificina que foi a Segunda Guerra na frente oriental.

Devido ao rápido progresso que faziam nas três frentes de combate – para a invasão na URSS, pela dimensão do território, a Wehrmacht foi dividida em três grandes Grupos de Exércitos –, com Stalin ainda abatido pela traição de Hitler, que violara os termos do pacto de não agressão, e com os soviéticos se rendendo aos milhares, tudo indicava que a campanha russa seria vencida dentro do prazo estipulado pelos generais alemães: entre seis e oito semanas.

Todavia, a feroz resistência encontrada pelo Grupo de Exércitos Sul e a estratégia do Grupo de Exércitos Norte de cercar Leningrado, em vez de realizar um ataque direto, atrasaram a captura de Moscou, um dos principais objetivos da campanha. Quando os alemães chegaram às cercanias da cidade, em fins de setembro de 1941, o inverno começava a mostrar seus sinais.

Primeiro veio a lama encharcando as estradas e, depois, o frio russo. Esta situação, aliada a problemas logísticos e à determinação brutal dos defensores da capital, além de um Stalin recuperado e disposto a vencer a todo o custo, fizeram com que o Exército Alemão recuasse de Moscou no início de janeiro de 1942.

O nome do chefe

Tendo fracassado em tomar Moscou, o Alto-Comando em Berlim reorganizou suas prioridades. Com o Grupo de Exércitos Norte ocupado com o cerco a Leningrado, e o Grupo de Exércitos Centro estagnado, a solução para derrotar os soviéticos parecia estar no sul. Não apenas por estarem mais bem posicionados dentro da URSS – apesar dos pesados combates onde hoje é a Ucrânia, os objetivos iniciais tinham sido todos alcançados –, mas também porque, no sul da Rússia, é onde se encontram algumas de suas maiores riquezas: os valiosos campos de petróleo do Cáucaso.

A Alemanha era – e em parte ainda é – dependente de energia importada. Ao lutar uma guerra que se estendia das areias do deserto até as florestas russas, era necessário uma grande quantidade de petróleo para manter viva sua máquina bélica. Os generais alemães trataram então de esboçar um audacioso plano que os levaria até o ouro negro soviético.

Uma manobra destinada a não apenas fornecer o petróleo que o Eixo precisava para continuar a luta, mas também a cortar o suprimento do Exército Vermelho e o acesso do resto da União Soviética ao parque industrial da região.

Foi então que, ao se debruçarem sobre os mapas do sul da Rússia, se depararam com uma cidade estratégica. Uma localidade repleta de indústrias, às margens do Rio Volga, um ponto para cortarem o suprimento soviético. Havia vários locais ao longo do rio, onde os alemães poderiam executar sua estratégia, entretanto, o que chamava a atenção para aquela cidade era seu nome, Stalingrado, cuja tradução literal é “a cidade de Stalin”. Foi ali que o líder soviético estabelecera seu quartel-general na Guerra Civil Russa, foi ali que ele lutara e vencera em sua juventude.

Como diziam os próprios locais, “a cidade leva o nome do chefe”. Hitler, buscando uma vingança por não ter conseguido tomar Moscou no ano anterior, ordenou que o Grupo de Exércitos Sul se dividisse. Uma parte seguiria rumo ao objetivo inicial: os campos de petróleo do Cáucaso. E a outra parte seguiria ao recém-adicionado objetivo pessoal do ditador nazista: a tomada de Stalingrado.

Esta tarefa ficou a cargo do 6º Exército, comandado pelo general Friedrich Paulus. O militar era respeitado no Alto-Comando do Exército Alemão – o Oberkommando des Heeres, OKH – e uma figura clássica de comandante prussiano, mas alguns de seus colegas tinham dúvidas se era o comandante certo para aquela empreitada.

Isso porque Paulus era conhecido como “uma estrela dos bastidores” e não como um comandante de linha de frente. Independentemente de como era visto, o general recebeu a missão de tomar “a cidade de Stalin” e, com o bombardeio aéreo no dia 23 de agosto de 1942, deu início à batalha.

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"Não há terra além do volga"

Depois da Luftwaffe foi a vez dos panzers. Mas logo de cara os alemães se depararam com um grande obstáculo: as ruínas deixadas pelos bombardeios aéreos impediam o avanço dos blindados. O general Paulus foi forçado a mudar de estratégia e começou a empregar barragens constantes de artilharia de calibre menor antes de enviar sua infantaria.

O plano deu certo e os germânicos obtiveram avanços significativos. Em meados de setembro, parecia questão de semanas para que a cidade fosse toda subjugada. E, em Moscou, crescia a preocupação de Stalin. Afinal, cada metro conquistado pelos alemães era um metro a menos de solo para a Rússia.

Se, para Hitler, a tomada de Stalingrado tornou-se uma questão pessoal e uma forma de humilhar o líder soviético, para Stalin, era mais do que isso. Além de seu prestígio pessoal, “o homem de aço” sabia que, caso a cidade caísse, a derrota minaria de vez o moral soviético e seria o fim do país. O Rio Volga é a última barreira natural antes dos Montes Urais, a cordilheira que marca o fim da Europa e o início da Ásia em terras russas. Aquela seria a batalha decisiva. Era tudo ou nada.

Reforçando a “ordem número 227”, mais conhecida como “nenhum passo para trás”, que dera em fins de julho de 1942, o ditador proibiu a população civil de deixar Stalingrado e ordenou a seus generais uma vitória a todo custo. Foi emitida uma nova diretriz, na qual se lia: “não há terra além do Volga”. Todos os cidadãos soviéticos tinham de se dedicar em deter os alemães.

Apesar de parecer algo impossível de ser cumprido, a ordem surtiu efeito. O empenho da população foi maciço e um espírito de patriotismo russo, apagado desde o fim dos czares, foi reacendido.

Moedor de carne

O homem encarregado da defesa de Stalingrado era o general Vassili Chuikov, um experiente militar soviético. O comandante não podia ser mais diferente de seu homólogo alemão. Enquanto Paulus gostava da guerra à distância, de liberdade para poder empregar seus blindados e artilharia, Chuikov valorizava o ataque frontal e direto.

Diante da supremacia de recursos germânica, com praticamente toda a cidade tomada, e tendo seu Exército empurrado para a margem do Volga, o general soviético ordenou que seus homens negassem ao máximo o espaço de manobra aos alemães.

“Para impedir que os alemães explorassem sua superioridade de artilharia e aérea, Chuikov fazia com que seus homens ‘abraçassem’ o inimigo, os dois lados por vezes lutando dentro do mesmo edifício. Os snipers acumulavam pontuações impressionantes. Mesmo que os alemães tivessem alcançado o Rio Volga em novembro, eles não conseguiram desalojar a resistência do Exército Vermelho”, descreve o historiador militar Saul David, principal autor de War: From Ancient Egypt to Iraq (Guerra: Do Egito Antigo ao Iraque, em tradução livre).

A realidade dos combates era brutal. Ataques e contra-ataques eram a realidade. A situação estava tão precária que a expectativa de vida de um soldado soviético em Stalingrado era de apenas 24 horas.

Dizia-se que “num dia, você desembarcava correndo do barco que te trazia até a cidade e, no outro, era levado de volta, já sem vida, no mesmo barco”. Faltava munição, não havia armas para todos os defensores, e os alemães, apesar de todo o heroísmo soviético, pareciam de fato serem mais fortes.

Mas os atacantes também tinham seus impasses, um deles era a dificuldade em lidar com a tenacidade do inimigo. Além de terem de lutar contra os soldados, havia também os civis que, sem opção (a não ser defender sua cidade), pegaram em armas. Dentre os defensores estava um inimigo que os soldados alemães não esperavam enfrentar: as mulheres.

Os generais russos

No final de outubro de 1942 parecia que a questão de Stalingrado estava liquidada. Com 90% da cidade em mãos inimigas e com os remanescentes do Exército Vermelho presos em pequenos bolsões de resistência, Paulus ordenou um ataque final no distrito das fábricas. Foi então que o inimaginável aconteceu. Os generais russos conseguiram virar a situação e colocar a Wehrmacht na defensiva.

Com uma ferocidade arrebatadora, o primeiro dos dois generais foi o mesmo defensor que derrotara Napoleão em 1812 e o responsável pelo fracasso germânico na tomada de Moscou no ano anterior: o frio russo – carinhosamente chamado de “General Inverno”.

Contando que sua vitória em Stalingrado seria rápida, os alemães foram novamente surpreendidos pelas baixas temperaturas. Sem roupas de frio adequadas e com armas e equipamentos congelando, ficaram impossibilitados de finalizar o que seria o assalto final.

Historiadores dizem que, meses antes, o general Paulus havia avisado ao OKH que suas tropas precisariam de roupas para enfrentar o inverno, mas que Hitler se recusou a fornecê-las, alegando que o 6º Exército teria tomado a cidade antes disso.

Como se não bastasse o frio, bombas começavam a cair do céu oriundas de aviões que não paravam de surgir, blindados avançavam com fogo e fúria e uma impressionante força com mais de 1 milhão de homens e mulheres atacavam “em pinça”, gritando “Ura”, o grito de guerra do Exército Vermelho.

Esta foi a cena com que os alemães, estupefatos, se depararam em 19 de novembro de 1942, o dia do contra-ataque soviético. Aliado ao “General Inverno”, havia outro general, este de carne e osso, Georgy Zhukov. O comandante era um gênio militar e provou ser “a pedra no sapato” dos alemães na frente oriental. Zhukov, o cérebro por trás da defesa de Leningrado e de Moscou, conseguiu reunir, com discrição, uma impressionante força para levar a cabo o contra-ataque em Stalingrado, explorando as fraquezas do inimigo.

Fazendo uso do movimento de pinças, o general soviético cercou as forças alemãs na cidade. Zhukov sabia que as tropas guardando os flancos do Exército inimigo não eram tão bem equipadas quanto as forças que se encontravam na linha de frente. A maior parte delas, protegendo o 6º Exército de Paulus, era de seus aliados do Eixo – romenos, italianos e húngaros –, que não possuíam o mesmo equipamento e expertise dos alemães.

Ao focar o ataque nesse “calcanhar de Aquiles”, os soviéticos conseguiram isolar o grosso da força invasora dentro da cidade. Aproximadamente 300 mil homens – incluindo o próprio Paulus e seu Estado Maior – se viram cercados pelo inimigo, em temperaturas de -30ºC.

Em Berlim, o alto-comando percebeu que a situação era delicada. A propaganda oficial de Josef Goebbels até tentou mascarar o problema – inclusive com inferências sendo feitas de que romenos, italianos e húngaros “não haviam lutado com bravura o suficiente” –, porém a questão permanecia: Paulus e seu Exército continuavam cercados pelos soviéticos.

O comandante em chefe do Grupo de Exércitos Sul, marechal Erich von Manstein, um dos pais da Blitzkrieg, até tentou lançar um ataque frontal para romper o Kessel e resgatar o 6º Exército, mas não obteve êxito. Em parte, devido ao grosso das tropas e veículos estarem justamente dentro do kessel, e não fora. Para piorar, a munição, os remédios e os alimentos estavam acabando e, agora, quem estava sendo empurrado para o Volga por todos os lados eram os alemães.

'Fiquem em Stalingrado'

“Temos 18 mil feridos sem qualquer ressuprimento, sem roupas adequadas e sem medicamentos. Qualquer tentativa de defesa é inútil. Colapso inevitável”, dizia o telegrama de Paulus enviado a Hitler em 24 de janeiro de 1943. As palavras do general, descritas no livro Smithsonian World War II Map by Map (Smithsonian Segunda Guerra Mapa por Mapa, em tradução livre), ilustram o quanto delicada a situação havia ficado e exortam uma tentativa desesperada de encontrar uma solução, cogitando, inclusive, a possibilidade de rendição.

Mesmo sabendo que não havia nada a fazer, o Führer recusava-se a aceitar a derrota – como ainda faria em muitas vezes ao longo da guerra. A resposta a este e outros apelos de Paulus geralmente era apenas: “fiquem em Stalingrado”.

Ainda em dezembro de 1942, a Luftwaffe já havia tentado uma ponte aérea para abastecer as tropas cercadas. Alimentando os delírios de Hitler, o comandante Hermann Göring garantia ao ditador que sua Força conseguiria manter a capacidade de combate do 6º Exército.

O problema logístico para abastecer um exército inteiro, em um teatro de operações extenso, é justamente o tamanho que chegam as linhas de suprimento. Mesmo antes do cerco, já havia dificuldade em mantê-las. Os homens em Stalingrado precisavam de 550 a 800 toneladas diárias apenas de alimentos para continuar a luta.

Isto sem contar a munição, os medicamentos, as roupas de frio e outros itens básicos. A quantidade necessária é considerada alta para uma força aérea moderna, sendo algo inimaginável para a época.

Operando com a máxima capacidade, conseguiam, quando muito, de 100 a 150 toneladas. Como se não bastasse a dificuldade logística em si, parte do sucesso do contra-ataque soviético se deu em razão da revigorada aviação à disposição de Zhukov.

Se a batalha havia começado com um ataque aéreo alemão contra o qual pouco os russos puderam fazer, agora a supremacia do céu estava nas mãos dos aviões russos, dificultando ainda mais a vida dos germânicos.

Uma última honraria 

Diante de um Paulus que seguia obedecendo a Hitler, recusando a rendição oferecida pelos soviéticos – mesmo que esta não fosse sua vontade pessoal e a de muitos de seus comandantes –, os russos começaram a minar o moral alemão e redobraram seus ataques.

Em vez dos combates de proximidade, que haviam feito no ano anterior, reforçaram sua barragem de artilharia, tal como os próprios alemães haviam feito anteriormente contra eles. Ao intensificar os ataques à distância, fizeram com que as tropas dentro do bolsão se dividissem em duas, facilitando o trabalho de um ataque final.

Sendo a derrota em Stalingrado dada como certa, na noite de 30 de janeiro de 1942, Paulus recebeu um telegrama de Hitler comunicando sua promoção a marechal de campo, a mais alta patente dentro da hierarquia militar alemã. O que parecia ser uma honraria era, na verdade, uma armadilha.

Nunca antes na história militar prussiana um marechal se rendera ao inimigo. Era algo inimaginável. Era de se esperar que este, ou morresse em combate, ou cometesse suicídio. Paulus, por fim, se deu por vencido, mas não da forma como Hitler desejava.

Vendo que a situação estava acabada, o agora marechal ofereceu sua rendição aos soviéticos em 31 de janeiro – curiosamente, era aniversário do general Chuikov. Como os kessels não estavam em comunicação, o bolsão do norte se rendeu apenas em 2 de fevereiro, marcando o fim da Batalha de Stalingrado.

Ao final, aproximadamente 91 mil alemães foram feitos prisioneiros, cuja maioria estava em estado de desnutrição, já que o Exército cercado já não tinha mais comida. Relatos contam que, na fase final do combate, mais alemães morreram de frio e fome do que em batalha contra o Exército Vermelho.

O (início do) fim 

Com a queda da União Soviética em 1991, Stalingrado passou a se chamar Volgogrado, “a cidade do Volga”, tornando-se um popular destino turístico no sul da Rússia. O orgulho dos atuais habitantes pela cidade (que hoje abriga um museu dedicado à batalha) é compreensível quando olhamos para seu passado e o sacrifício pelo qual a população civil e os militares passaram há 80 anos.

Os números não são definitivos, mas considera-se que mais de 1,250 milhão de pessoas morreram no conflito, sendo 500 mil alemães e 750 mil russos. Um recorde de mortes em combate.

Além disso, o que parecia impossível aconteceu: a vitória soviética marcou o início do fim do totalitarismo nazista. Os alemães ainda teriam algumas conquistas no leste, mas, depois da derrota do 6º Exército, nunca mais seriam os mesmos – sendo finalmente derrotados em 9 de maio de 1945, quando o marechal Zhukov e demais comandantes Aliados aceitaram a rendição incondicional da Alemanha.

Para os derrotados, longos dez anos de cativeiro na Sibéria os aguardavam, voltando para casa apenas em 1955. A brutalidade nos combates, o duelo de ideologias entre nazismo e comunismo, a incompreensão e o ódio aos povos do leste (seres considerados “inferiores”) e a disputa pessoal entre duas figuras despóticas, culminando na Batalha de Stalingrado, levaram as cifras do horror aos milhões.

Já a disposição em defender sua terra, a vitória em solo soviético e o combate final em Berlim fizeram com que o conflito ganhasse um significado maior para os russos e demais povos das ex-URSS, que, hoje, chamam o episódio de “A Grande Guerra Patriótica”.

Em um momento em que a ordem internacional passa por um novo rearranjo de forças e a guerra é novamente uma realidade, passadas oito décadas, Stalingrado se mantém atual, soando como um poderoso lembrete ao mundo.


*Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em economia, oficial da reserva do Exército brasileiro e analista-chefe de política e estratégia da Equilibrium @equilibrium_cap