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Matérias / Dilema

Indígenas reivindicam de museus a devolução de seus artefatos, que possuem um ciclo de vida próprio

Para alguns grupos indígenas, os objetos nascem, se desenvolvem e morrem. E armazená-los em museus seria como aprisionar seus espíritos

Joseane Pereira Publicado em 11/04/2019, às 09h41

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Vestimentas tradicionais em exposição no MAE/USP - Cecília Bastos/USP
Vestimentas tradicionais em exposição no MAE/USP - Cecília Bastos/USP

Um movimento de importância histórica tem acontecido em vários lugares do mundo: a devolução de objetos ancestrais, tomados de povos indígenas por exploradores e pesquisadores de cultura material. Exemplos como esse são o repatriamento feito pelo governo norueguês de objetos da etnia Rapa Nui, da Ilha de Páscoa, e a tentativa do governo brasileiro de retornar 607 artefatos indígenas retidos irregularmente no Museu de História Natural de Lille, na França.

Objetos indígenas no Museu de Lille, França / Reprodução

Mas e quando o pedido de devolutiva provém dos próprios indígenas, quais os atritos que isso causa com instituições museológicas?

Os museus, que surgiram em meados do século 19 no território Europeu servindo apenas para armazenar artefatos de outras culturas e objetos naturais, hoje também cumprem o papel de produtores de conhecimento. Museus universitários, além de conter espaços para acondicionamento e preservação, também abrigam laboratórios, reservas técnicas e salas de aula, responsáveis por movimentar os objetos através da produção de conhecimento. Nesse sentido, manter os objetos preservados é premissa básica para a continuidade das pesquisas.

Por sua vez, povos indígenas como os Terena, Guarani e Ticuna concebem seus objetos como tendo um ciclo de vida. Potes de cerâmica, cestos de palha, chocalhos e roupas rituais teriam um ciclo que envolve nascimento (produção permeada por cantos rituais), desenvolvimento (quando o objeto participa ativamente dos processos culturais do grupo) e morte (processo pelo qual o espírito que dava vida ao objeto se esvai, e os materiais dos quais ele é feito se desintegram naturalmente). Nesse sentido, manter os objetos em contínuo estado de conservação seria o mesmo que "aprisionar seus espíritos", desrespeitando seu próprio ciclo.

Desta forma se instaura a contradição: a cultura ocidental, protagonizada aqui pela visão que museus têm sobre objetos, entra em choque com a cultura de povos tradicionais, que frequentemente se relacionam com objetos como se fossem sujeitos. Um exemplo disso são as máscaras utilizadas por muitos indígenas brasileiros: durante o ritual, a máscara se torna o próprio sujeito, um espírito que vem participar das festividades e reafirma as relações entre dois mundos, reestabelecendo assim as bases da cultura.

Máscara ritual dos povos Ticuna, AM / Reprodução

Mas um movimento que vem ocorrendo em museus no Rio de Janeiro e São Paulo pode amenizar ese conflito: o desenvolvimento de exposições colaborativas, onde os objetos são manipulados e escolhidos pelos próprios indígenas para serem mostrados ao público. Dessa forma, os materiais estariam sendo geridos da maneira correta e com a possibilidade de auxiliar esses povos a contar sua própria história à sociedade. Parcerias como essas têm ocorrido no Museu de Arte do Rio de Janeiro, no Itaú Cultural e, mais recentemente, no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

Outra opção seria a elaboração de réplicas dos objetos, para que a devolutiva não fosse tão prejudicial à construção e divulgação de conhecimento.