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Matérias / Guerra Fria

Brasil já interveio militarmente em outro país

Foi em 1965, numa campanha conduzida a pedido dos EUA, e o propósito era evitar outra Cuba

Moacir Assunção Publicado em 18/10/2019, às 14h00

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Tanques americanos em San Domingo - Getty Images
Tanques americanos em San Domingo - Getty Images

Com o acirramento da crise na Venezuela e a hostilidade ao regime Maduro pelo governo atual, começou-se a falar em intervenção militar brasileira na Venezuela — numa possível missão internacional conjunta. Talvez seja puro vapor. Mas a AH vai aproveitar a chance para falar de outras vezes em que isso aconteceu. 

Já foi comum. O Império era... imperialista. Interviu fartamente na política dos vizinhos. Foram quatro guerras nas quais o Brasil invadiu território estrangeiro para intervir na política local: a da Cisplatina (1825-1828), do Prata (1851-1852), do Uruguai (1864) e do Paraguai (1864-1870)

Com a República, isso mudou. Desde o mandato diplomático do Barão do Rio Branco (entre 1893 e 1902), o país tem se colocado como um campeão de soluções mediadas e não-intervenção. As mais evidentes exceções, as duas grandes guerras, nas quais o Brasil declarou guerra primeiro, foram justificadas como ações de autodefesa. 

Mas há uma outra grande exceção, durante um período de exceção. E esse é nosso tema principal.

As garras do sabiá

Era 23 de maio de 1965. A ditadura ainda estava na fase, como definiu Hélio Gaspari, envergonhada. No Brasil, muitos ainda acreditavam na promessa do Marechal Castelo Branco de restaurar a democracia — promessa quebrada em outubro, quando a eleição presidencial daquele ano foi cancelada e o AI-2, promulgado, tornando as eleições indiretas.

Os militares, que contaram com apoio diplomático e (se precisasse) militar do governo americano, viram a chance de devolver o favor.

Sob a presidência do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o Brasil enviou cerca de 1,3 mil militares para participar, ao lado de tropas dos EUA e de outros países, da invasão da República Dominicana, um pequeno país caribenho que divide a Ilha de San Domingo com o Haiti e que em sua história foi governado por um dos mais sórdidos ditadores latino-americanos, Rafael Trujillo.

Marines diante de uma casa dominicana, maio de 1965 / Crédito: Getty Images

A invasão foi uma grande inflexão na Política Externa Independente (PEI), que havia caracterizado a diplomacia brasileira nos governos civis de João Goulart e Jânio Quadros. Saía de cena o reforço ao diálogo Sul-Sul com os países mais pobres e a independência em relação às grandes potências, EUA e União Soviética, e entrava o alinhamento automático aos americanos, vistos como líderes na defesa da civilização ocidental contra o comunismo. A intervenção deixou o Brasil com a péssima fama de nação subserviente, subimperialista e gendarme dos EUA. 

O regime militar recém-instalado, ainda prometendo democracia, ainda sem o domínio da linha-dura, que viria a partir de 1968 com o AI-5, esperava ter dos Estados Unidos o reconhecimento do Brasil como líder inconteste na América do Sul, além de vantagens comerciais e investimentos em suas Forças Armadas.

Tropas brasileiras em San Domingo
/ Crédito: Getty Images

Isso não ocorreu. Os ex-generais brasileiros Hugo Panasco Alvim e Álvaro da Silva Braga foram escolhidos, em uma concessão especial dos EUA, como os comandantes nominais das tropas, que incluíam 21 mil marines. Mas o ex-general Bruce Palmer Jr., vice-comandante do destacamento, respondeu em uma entrevista à imprensa de seu país que no caso de receber uma ordem do superior brasileiro ou de Washington não hesitaria em seguir a determinação americana.

A declaração de Palmer gerou um grande mal-estar nas tropas da Força Interamericana de Paz (FIP), nome oficial do exército multinacional que atuou sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA). O então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon — personagem importante na preparação do golpe de 1964 —, apressou-se a negar a informação.

O chefe da sucursal da agência de notícias Associated Press no Rio de Janeiro, Frank Butto, confirmou a declaração do ex-oficial americano depois de se comunicar com a matriz, em Nova York, contrariando o embaixador, que então preferiu se calar.

O saldo da intervenção que durou 16 meses, depois de vários combates com grupos dominicanos de esquerda, liderados pelo coronel Francisco Caamaño, defensor da volta do presidente deposto Juan Bosch: quatro militares brasileiros mortos e seis feridos. Entre os americanos, 44 foram mortos e 200 ficaram feridos, tal como cinco paraguaios. Estima-se em 1,7 mil os civis dominicanos mortos.

Big stick

Os soldados latino-americanos eram comandados pelo ex-coronel Carlos Meira Matos, um dos principais ideólogos do regime militar. O episódio foi o batismo de fogo da Faibras — Força Interamericana do Brasil. Hoje, no entanto, trata-se de uma delegação da Organização das Nações Unidas (ONU), de caráter pacífico, ao contrário da dos anos 1960, que recebeu críticas de vários países.

Imediatamente após a determinação da OEA de que se formasse a força multinacional, o governo uruguaio foi o primeiro a denunciar o que chamou de uma forma de intervenção armada em um país soberano. Para seu chanceler, Luiz Zaglio, a ação lembrava o período do big stick (grande porrete).

A expressão foi criada pelo ex-presidente americano Theodore Roosevelt, para falar dos vizinhos latino-americanos, nos anos 20: "Fale macio, carregue um grande porrete e você irá longe".

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Tanques americanos em San Domingo
/ Crédito: Getty Images

Chile, Peru, México, Venezuela e Argentina (para ficar apenas nos países latino-americanos) se mostraram contrários à intervenção na política interna dominicana. Até mesmo a própria OEA, em seu estatuto, condenava a prática de invadir países para impor políticas de terceiros, de acordo com o artigo 15 da Carta da entidade: "Nenhum Estado ou grupo de Estados têm o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro".

Em 15 de junho de 1965, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que, no dia anterior, os soldados brasileiros haviam trocado tiros com forças de Francisco Caamaño, os constitucionalistas, como eram conhecidos.

O incidente, sem feridos de parte a parte, não teve repercussões, segundo a OEA, e foi qualificado como violação da cessação de fogo na linha que as tropas mantinham na Avenida Pasteur, que dividia o setor constitucionalista da zona internacional de segurança, mantida por tropas brasileiras.

"Os soldados comuns, os recrutas, eram menosprezados pela população dominicana, e morriam de medo de uma situação de risco real, ao contrário dos fuzileiros navais, esses sim profissionais", afirma o jornalista Mayrink.

Tropas brasileiras com a bandeira da Organização dos Estados Americanos / Crédito: Getty Images

O repórter acabou encarregado, depois de voltar da República Dominicana, de avisar à família do cabo brasileiro José Elias Bastos, que vivia no Rio de Janeiro, da morte do rapaz. "Acabei dando a notícia antes do Exército, que enviou um telegrama", afirma Mayrink. "Quando cheguei à casa dele e comecei a perguntar, a família logo desconfiou que havia ocorrido algo grave com o parente."

Em sua reportagem sobre a intervenção, o jornalista contou um episódio no qual um soldado brasileiro foi ferido a tiros por jovens de motocicleta, mas sobreviveu. Entrevistado por ele, um motorista de táxi resumiu a relação da população com os brasileiros.

"Os dominicanos gostam dos brasileiros porque eles se definem. Eles sorriem para nós quando sorrimos para eles e dão tiros quando damos tiros. Os americanos são mais frios e não reagem, mas depois vem com tudo em cima da gente", afirmou o motorista.

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Mais marines em San Domingo
/ Crédito: Getty Images

Francia Martinez, que foi vice-cônsul da República Dominicana no Brasil, afirma que todos os soldados estrangeiros, tidos como invasores, eram odiados. "Não tínhamos como diferenciar brasileiros de americanos. Eles usavam fardas iguais", diz ela, que era estudante na Universidade Autônoma de San Domingo, um dos focos de revolta. "Perdi muitos amigos. Era um tempo muito difícil, mas todos os jovens levantaram-se contra a ocupação, assim como haviam feito contra a ditadura de Trujillo".

Rafael Trujillo, que governou o país com mão de ferro entre 1930 e 1961, foi morto, e em seu lugar assumiu Juan Bosch, um professor com ideais de esquerda, que ficou sete meses no cargo, até ser derrubado por militares, no episódio que levou à intervenção.

Longa disputa

Ao assumir, em fevereiro de 1963, Bosch iniciou um programa de distribuição de terras e nacionalização de empresas estrangeiras.

Sete meses depois, foi derrubado por um golpe de estado liderado pelo general Elias Wessin, líder de um grupo de extrema-direita. Em 24 de abril de 1965, um grupo de militares de esquerda sob a liderança do ex-coronel Francisco Caamaño, que adotou o nome de constitucionalistas e defendia a volta de Bosch ao poder, se insurgiu contra o governo, que foi derrubado. Instado por líderes políticos e militares, entre os quais Wessin, Washington preparou uma intervenção na crise dominicana.

No dia 28 de abril, começou a Operação Power Pack: fuzileiros navais desembarcaram em San Domingo. Em 23 de maio, o Brasil se juntou ao grupo, ao lado de outros países latino-americanos. Os combates entre os partidários de Caamaño e os membros da Força Interamericana de Paz (FIP), além dos integrantes da direita local, se estenderam até 31 de agosto.

Em junho, em eleição da qual participaram Joaquín Balanguer, apoiado pelos EUA, e Bosch, Balanguer venceu o pleito e dirigiu o país por 12 anos, sob violenta repressão. A FIP se encerrou em 21 de setembro de 1966.


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