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Matérias / A Vida é Bela

Joseph Schleifstein: O sobrevivente do Holocausto que inspirou Giosué, de A Vida é Bela

Com apenas dois anos e meio quando foi levado ao campo de Buchenwald, Joseph Schleifstein só sobreviveu graças aos esforços de seu pai em mantê-lo escondido

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 03/09/2023, às 10h13 - Atualizado em 26/10/2023, às 14h07

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Montagem com as fotos de Joseph Schleifstein e o personagem Giosué de A Vida é Bela - Buchenwald Memorial e Divulgação/ Melampo Cinematografica
Montagem com as fotos de Joseph Schleifstein e o personagem Giosué de A Vida é Bela - Buchenwald Memorial e Divulgação/ Melampo Cinematografica

Após ler a crítica de A Vida é Bela em um jornal, Joseph Schleifstein se convenceu de que precisava assistir ao longa — que duas semanas antes havia recebido três estatuetas do Oscar em cerimônia realizada em março de 1999.

Ao assistir à sessão no Teatro Paris na 58th Street, logo se envolveu com a história do menino judeu que sobreviveu ao Holocausto após ser escondido por seu pai em um campo de concentração.

Com toda a honestidade, vi os paralelos imediatamente. Acredite em mim, eu me identifiquei com o filme. Ele trouxe de volta muitas lembranças", declarou à Jewish Telegraphic Agency em abril daquele ano.

Schleifstein não era apenas mais um das pessoas curiosas sobre produções da Segunda Guerra Mundial. Ele era um sobrevivente. Mais do que isso. A história de Joseph serviu de inspiração para a criação do pequeno Giosué.

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A Vida é Bela

Como já citado, A Vida é Bela ganhou três Oscars em 1999: derrotou Central do Brasil como Melhor Filme Estrangeiro, o de Melhor Trilha Sonora e deu à Roberto Benigni a estatueta de Melhor Ator. Uma coroação mais do que merecida para um dos filmes mais sensíveis e emocionantes sobre o período.

A narrativa se passa na Itália Fascista entre o ano de 1939 até o fim do conflito, em meados de 1945. A Vida é Bela acompanha o ítalo-judeu Guido Orefice (Roberto Benigni), dono de uma livraria judaica que acaba sendo enviado com sua família para um campo de concentração.

Para cuidar do filho, o pequeno Giosué (Giorgio Cantarini), de apenas cinco anos, Guido convence o menino de que todos estão em um jogo, onde os presos disputam para acumular pontos. Diante do cenário de barbárie e falta de humanidade, o personagem de Benigni usa de seu bom humor para lidar com os momentos de incertezas.

Para dar vida à Guido Orefice, o comediante italiano se inspirou, em partes, na história de vida de seu pai, Luigi Benigni, combatente que foi enviado ao campo de concentração de Bergen-Belsen. Já para Giosué, ele buscou representar a história de um menino que tinha apenas dois anos e meio quando chegou em Buchenwald. Tratava-se de Joseph Schleifstein.

Guido Orefice (Roberto Benigni) e Giosué (Giorgio Cantarini) em A Vida é Bela e Joseph e Israel Schleifstein na vida real/ Crédito: Buchenwald Memorial e Divulgação/ Melampo Cinematografica

Um menino no Holocausto

Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha nazista invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. Após a tomada rápida das fronteiras, o Terceiro Reich partiu impiedosamente rumo à capital Varsóvia.

Judeus foram perseguidos e desapropriados de seus bens. No final de 1942, parte deles passaram a ocupar o gueto de Sandomierz. Foi neste contexto que nasceu Joseph Schleifstein meses antes, em 7 de março de 1941.

Filho de Israel e Esther Schleifstein, Joseph viveu com sua família no gueto de Sandomierz até que este foi evacuado em junho de 1942. Após isso, eles ainda foram transferidos para o gueto de Częstochowa, onde foram colocados para trabalharem na fábrica HASAG, que fazia produtos de metal.

Joseph, Esther e Israel Schleifstein/ Crédito: Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Neste período, Joseph era escondido em porões, aponta o The Jewish Week, visto que os guardas nazistas pegavam as crianças jovens demais para trabalhar e, portanto, consideradas "inúteis", as mandavam para serem assassinadas nas câmaras de gás de Auschwitz.

Em meados de 1943, quando o pequeno tinha apenas dois anos e meio, ele e sua família foram deportados para o campo de concentração de Buchenwald. Na chegada, Israel e Esther foram colocados na fila da direita, junto daqueles que se tornaria trabalhadores forçados.

Joseph foi enviado para a esquerda, ao lado de outras crianças pequenas, idosos e pessoas consideradas inaptas aos serviços. O grupo seria exterminado imediatamente e o menino só foi salvo por acaso.

Após uma confusão geral na fila, segundo aponta documento do American Jewish Joint Distribution Committee (JDC) de 1947, "o pai de Joseph encontrou um saco grande e, com um aviso severo para manter-se absolutamente quieto, colocou seu filho de 2 anos e meio nele."

O saco, com ferramentas de couro de Israel e algumas roupas, permitiu que Joseph fosse contrabandeado para dentro do campo sem ser detectado pelos guardas. Esther, porém, foi separada da família e enviada para Bergen-Belsen.

Com a ajuda de prisioneiros alemães antifascistas, Joseph permaneceu escondido por um bom tempo. Quando descoberto, os guardas da SS acabaram se afeiçoando pelo garoto e o transformando em um mascote do acampamento. O pequeno até mesmo ganhou um uniforme sob medida.

Joseph no campo/ Crédito: Buchenwald Memorial

Mas quando inspeções formais de oficiais nazistas de fora eram feitas, Schleifstein tinha de ser escondido. O menino quase chegou a ser executado, mas foi salvo graças à intervenção de seu pai, que era um respeitado trabalhador da fábrica de selas e arreios. Joseph ainda enfrentou a doença no campo e foi tratado em um hospital por lá.

A libertação

Em 11 de abril de 1945, as tropas norte-americanas encontraram cerca de 21 mil prisioneiros quando ocuparam o campo de Buchenwald. Dados do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos apontam que cerca de mil deles eram menores de idade — a maioria adolescentes —, Joseph estava entre eles.

Com apenas quatro anos, o menino foi fotografado diversas vezes quando o campo foi libertado. Um dos registros mais marcantes é dele sentado no estribo de um caminhão da Administração de Assistência e Reabilitação das Nações Unidas. Como Schleifstein e as outras crianças não tinham nada para vestir, eles ganharam vestimentas feitas com os uniformes dos soldados alemães. As memórias daquele dia foram registradas em documento pelo JDC em 1947:

Joseph sentado no estribo de um caminhão/ Crédito: Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

Joseph se lembra daquele dia com alegria por vários motivos. Primeiro, porque daquele dia em diante ele não precisou mais se esconder. Em segundo lugar, porque começou a ter 'muito mais para comer e beber'. E em terceiro lugar, Joseph lembra-se disto com grande alegria, porque houve 'muitas e muitas' viagens que os americanos lhe deram nos seus tanques e jipes."

Livre, ele e seu pai receberam tratamento médico na Suíça. Meses depois, voltaram à Alemanha para procurar por Esther, encontrada na cidade de Dachau. Juntos novamente, a família emigrou para os Estados Unidos em 1948.

O The Jewish Week aponta que, de acordo com o JDC, Joseph foi uma "testemunha estrela" em um julgamento de 1947 estabelecido por um tribunal americano na Alemanha. Ele testemunhou a favor da acusação no caso contra 31 funcionários e guardas em Buchenwald, "onde Joseph e o seu pai estiveram prisioneiros durante quase dois anos".

Schleifstein com outras crianças de Buchenwald, após a libertação/ Crédito: Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

O livro Buchenwald Concentration Camp, 1937-1945: A Guide to the Permanent Historical Exhibition aponta que dos 31 funcionários, 22 foram condenados à morte. Os restantes acabaram na prisão.

Reencontro com o passado

Por anos, Joseph Schleifstein não falou sobre seu passado, até mesmo com seus filhos. Sua verdadeira história só foi descoberta décadas depois, justamente após entrevista à Jewish Telegraphic Agency citada no começo desta matéria.

Na conversa, Joseph resolveu quebrar o silêncio sobre seu passado e traçou paralelos entre sua vida e a de Giosué em A Vida é Bela: "O comportamento da criança: ele não chorava, e eu era do mesmo jeito".

Sobre a produção, ele foi direto: "Gostei do filme". Entretanto, fez uma consideração: "É uma comédia, e o que aconteceu definitivamente não foi uma comédia". Ainda assim, demonstrou não ter sido apenas inspiração para Giosué, como também possui um quê de Guido ao levar a vida com senso de humor. Ao ser perguntado como queria ser descrito na entrevista, brincou: "Basta dizer que sou charmoso e espirituoso".

Sobre seu pai, que faleceu em 1956, ele relatou que o enxergava como "um verdadeiro herói". "Quando li o que ele fez, sabia que ele tinha que ser alguém muito especial". Já da vida no campo de concentração, recorda que os guardas, quando souberam de sua presença, o usaram para fazer a chamada pela manhã.

Lembro-me de saudá-los", disse ele. "Tornei-me o mascote dos alemães e dizia: 'Todos os prisioneiros foram contabilizados.' … Acho que eles não sentiram necessidade de me matar."

Por fim, Joseph Schleifstein ainda alegou ter pequenas lembranças de se esconder nos três guetos para os quais seus pais foram transferidos após seu nascimento: "O tempo não significa nada para uma criança".

Joseph Schleifstein sendo entrevistado por um jornalista em Dachau em 1946/ Crédito: Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos

"Lembro-me de ter sido colocado em porões e escondido no escuro. Até hoje não consigo ficar no escuro. Durante anos tive pesadelos terríveis e medo da morte... Lembro-me de ter muito medo. Em um pesadelo recorrente, uma grande bota estava caindo sobre mim, prestes a me esmagar. Eu acordava gritando à noite", disse.

A mãe de Joseph, Esther, faleceu em 1997, no mesmo ano que ele se aposentou após trabalhar por 25 anos na AT&T. Embora divorciado, Schleifstein também teve dois filhos. Atualmente ele tem 82 anos.