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Matérias / Charles Darwin

O que disse Darwin sobre a escravidão no Brasil?

O criador da Teoria da Evolução ficou horrorizado com a maneira como os escravizados eram tratados

Redação Publicado em 21/05/2023, às 09h00

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Retrato de Charles Darwin - Wikimedia Commons
Retrato de Charles Darwin - Wikimedia Commons

Em julho de 1832, o biólogo e naturalistaCharles Darwinfez uma parada de quatro meses no Brasil durante sua viagem ao mundo de cinco anos. Ele conheceu a ilha de Fernando de Noronha, o arquipélago de Abrolhos, a cidade de Salvador e a então capital do país, o Rio de Janeiro.

As impressões do cientista que desenvolveu a Teoria da Evolução a respeito de nossa nação, infelizmente, não teriam sido muito positivas: isso, pois, ele era um abolicionista, e o Brasil era então um dos principais compradores de pessoas traficadas da África. 

A Inglaterra, vale mencionar, terra natal de Darwin, criou uma lei para interromper seu envolvimento com o tráfico negreiro ainda em 1807, decisão que teria sido motivo de grande orgulho para sua população. 

Brasil vs. Inglaterra

Segundo explicado por Maria Elice de Brzezinski Prestes, pesquisadora de genética e biologia evolutiva da USP que deu uma entrevista à BBC em 2022, os britânicos tendiam a encarar esse desdobramento como "uma evidência de como a civilização inglesa era mais avançada que as demais". 

A emancipação dos escravizados, por sua vez, apenas teria sido determinada pelo governo da Inglaterra em 1833. Ainda assim, era relativamente cedo em relação a outras nações. 

Tudo isso foi propagandeado como sendo a marca da superioridade da civilização inglesa e como algo dentro da ordem natural do progresso. Assim como a civilização inglesa já teve escravos e não tem mais, muitas nações ainda tinham. Isso virou um grande orgulho inglês (...) Você consegue ver isso nas obras de autores do século 19, como eles são absolutamente orgulhosos desse antiescravismo", apontou Prestes ainda. 

Em comparação, o Brasil só aboliu sua escravatura em 1888, sendo um dos últimos países do mundo a executar a medida.

Assim, a quantidade de indivíduos escravizados no território durante a época da viagem de Darwin e a maneira como eles eram tratados por seus donos deixou o cientista horrorizado a ponto de ter decidido, após deixar o solo brasileiro, que nunca mais visitaria um local onde o sistema escravocrata ainda estava em vigor. 

Nunca hei de voltar a um país com escravidão", anotou o naturalista em escritos que seriam publicados em 1839 como parte de seu livro "A Viagem de Beagle".
Pintura representando escravizado sendo torturado nas ruas do Rio de Janeiro / Crédito: Domínio Público

Previsão curiosa 

Em seu curto período em terras brasileiras, Charles Darwin também fez uma previsão a respeito do futuro de nossa nação tropical: ele conjecturou que, no futuro, os então escravizados negros tomariam o poder, se tornando os líderes políticos do Brasil. 

Eu não posso deixar de pensar que eles serão, no fim das contas, os governantes. Presumo isso por serem numerosos, por seu excelente porte atlético (especialmente em contraste com os brasileiros), observando que estão em um clima agradável e por ver claramente que sua capacidade intelectual foi muito subestimada. Eles são a mão de obra eficiente em todo o comércio necessário. Se os negros libertos crescerem em número (como deve acontecer), o tempo de libertação total não estaria muito distante", observou o biólogo. 

Muitas das passagens de Darwin anotadas no diário, entretanto, acabaram de fora dos livros. É o caso do trecho acima, escrito em 3 de julho de 1832 e hoje analisado por pesquisadores.

O naturalista e biólogo britânico Charles Darwin / Crédito: Domínio Público

O escritor de "A Origem das Espécies" escreveu também que havia uma "variedade de tribos" de escravizados nas ruas brasileiras, que se distinguiam entre si devido a "ornamentos diferentes", mas que não seriam verdadeiramente unidos por serem proibidos de se comunicar em outra língua que não o português. 

Darwin acrescentou, em suas anotações sobre a visita ao Brasil, algumas reflexões pouco elogiosas sobre a população brasileira

"Os brasileiros, até onde consigo avaliar, possuem uma fatia pequena das qualidades que dão dignidade à humanidade. Ignorantes, covardes, indolentes ao extremo; hospitaleiros e amáveis à medida que isso não lhes dê trabalho; temperamentais e vingativos, mas não brigões. Satisfeitos consigo mesmos e com seus costumes, respondem a todas as observações com a pergunta: 'Por que não podemos fazer como nossos avós antes de nós fizeram?'", escreveu o pesquisador.

A seguir na mesma passagem, o cientista britânico ainda exibe traços de uma preconceituosa crença da época que defendia uma suposta conexão entre a aparência física de um indivíduo e as características de sua personalidade: 

A própria aparência reflete a baixa elevação de caráter. Tipos baixos que logo ficam corpulentos; a face possui pouca expressão, aparenta estar afundada entre os ombros", anotou Darwin

Os preconceitos de Darwin 

Assim como já é sugerido pelas citações acima do cientista naturalista, apesar de seus posicionamentos progressistas em relação à abolição da escravatura, Darwin não era livre de preconceitos.

Um produto de sua época, o pesquisador era adepto de crenças que seriam posteriormente refutadas pela antropologia. Ele acreditava, por exemplo, que cada população estava em um estágio diferente de civilização, com umas sendo mais civilizadas e outras menos. 

Também em entrevista à BBC, a historiadora Lorelai Kury apontou a relação entre as anotações de Darwin sobre os brasileiros com os seus pensamentos racistas e xenofóbicos: 

Darwin acredita que a escravidão deteriora as relações e a moralidade, que contamina a sociedade de alto a baixo — e que é algo que eventualmente começaria a se refletir fisicamente nas populações. Naquela época, era um lugar comum, principalmente da parte dos europeus não ibéricos, considerar espanhóis e portugueses particularmente cruéis e, por conta disso, inferiores aos demais europeus", afirmou a especialista. 

Com este contexto em mente, é possível entender melhor o foco dado pelo autor de A Origem das Espécies para a fisionomia "corpulenta" e face de "pouca expressão" observada por ele no povo brasileiro — essas seriam, para ele, evidências de uma "sociedade deteriorada". 

Infelizmente, ideias como essas viriam a inspirar, décadas mais tarde, o perigoso movimento eugênico, que desejava "limpar" as sociedades de indivíduos considerados "geneticamente inferiores", a fim de criar uma "civilização aprimorada". A eugenia foi presente, por exemplo, na Alemanha nazista, sendo usada para justificar a crença da superioridade da chamada "raça ariana" em relação a outros povos.