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Matérias / Saddam Hussein

Queda do Ás de Espadas: Os 20 anos da captura de Saddam Hussein

Ditador iraquiano, Saddam Hussein estabeleceu uma política sanguinária de terror e envolveu seu país em guerras, mas acabou capturado há 20 anos

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 09/12/2023, às 00h00

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Saddam Hussein, foi considerado o homem mais procurado (ás de espadas) do Iraque - Getty Images e Domínio Público
Saddam Hussein, foi considerado o homem mais procurado (ás de espadas) do Iraque - Getty Images e Domínio Público

No dia 20 de março de 2003, os Estados Unidos, com apoio do Reino Unido e outras nações aliadas, lançou uma campanha de bombardeamento aéreo contra o Iraque, atingindo a capital Bagdá e as principais cidades do país. 

Apontando que a nação do Oriente Médio tinha perigosas armas de destruição em massa, o governo de George W. Bush colocava em prática seu plano de ações para deter o chamado Eixo do Mal — nome dado aos países considerados inimigos ou hostis aos EUA, o que incluía, além do Iraque, o Irã e a Coreia do Norte. 

Com o início da Guerra do Iraque, a Agência de Inteligência de Defesa dos EUA desenvolveu um conjunto de cartas de baralho para ajudar as tropas americanas a não só identificar os membros do alto escalão do exército iraquiano, como também para classificar sua prioridade. 

O ditador Saddam Hussein era considerado a carta mais importante delas: o ás de espadas. Seus filhos, Qusay e Uday, respectivamente, seriam os ases de paus e copas — já o ás de ouro era o vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças Hikmat Mizban Ibrahim. 

Cartas de baralho com os iraquianos mais procurados, Saddam Hussein é o Ás de Espadas/ Crédito: U.S. Army/Domínio Público

Saddam foi capturado em 13 de dezembro de 2003, data que completa 20 anos hoje; se tornando carta fora do baralho em 30 de dezembro de 2006 — quando foi enforcado aos 69 anos. Para se ter uma ideia, até 2021, 48 dos 52 nomes dos mais procurados haviam sido mortos ou capturados; sendo que 11 foram libertos após julgamento. 

+ Os momentos finais de Saddam Hussein antes da forca

Saddam: O dono do jogo

Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikriti viveu um drama familiar antes mesmo de seu nascimento, na pequena aldeia de al-Awja, em 28 de abril de 1937. Em entrevista ao The New York Post, em 2004, Jerrold M. Post, fundador do Centro para a Análise da Personalidade e do Comportamento Político da CIA, detalhou o passado do ditador iraniano. "De todos os líderes que tracei, seu histórico é certamente o mais traumático".

"Seus problemas podem realmente ser rastreados até o útero", aponta, explicando que tudo começou no quarto mês de gestação de sua mãe, Subha Tulfah Al-Mussallat, quando seu pai, Hussein Abd Al-Majid, morreu devido a um câncer. 

Semanas depois, seu irmão de 12 anos também pereceu da mesma enfermidade. As perdas foram tão irreparáveis que Subha entrou em depressão severa e chegou a cogitar abortá-lo ou até mesmo tirar a própria vida. Quando Hussein nasceu, sua mãe não quis ficar com o menino e a criança ficou sob os cuidados de um de seus tios, Khairallah Talfah

Aos três anos, Saddam voltou a morar com a matriarca, que se casou pela segunda vez, mas a estadia durou até pouco antes dele completar 10; devido aos abusos físicos e psicológicos cometidos por seu padrasto, diz Post. Com isso, Hussein voltou a encontrar abrigo na casa de seu tio — que se tornou uma figura paterna para o garoto. 

Foi com ele, inclusive, que Saddam Hussein teve contato com a educação e a política; visto que Khairallah, além de devoto muçulmano sunita, era veterano da Guerra Anglo-Iraquiana de 1941 — que defendia a independência do Iraque.

Sob a tutela do tio, o garoto se formou na escola secundária nacionalista de Bagdá e entrou no curso de Direito; o qual abandonou em 1957, aos 20 anos, para se juntar ao grupo revolucionário Ba’ath — que no ano seguinte teve importante papel para a queda da monarquia na Revolução de 14 de Julho.

Saddam Hussein em 1956/ Crédito: Domínio Público

O líder do golpe, o general Abd al-Karim Qasim, porém, relutou em fazer parte do projeto de unificação da República Árabe Unida — quando Egito e Síria se tornaram um só Estado soberano regidos pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Em 7 de outubro de 1959, um plano frustrado do Ba’ath para assassiná-lo culminou com a fuga de diversos membros do país, entre eles Saddam, que passou três meses na Síria antes de viver no Egito. 

Qasim só caiu em fevereiro de 1963, durante a Revolução do Ramadã, quando Abdul Salam Arif se tornou presidente do Iraque, contando com o apoio do Ba’ath; o que permitiu a volta de Saddam ao país. Mas com o rompimento com o partido, Arif passou a perseguir e prender opositores. Hussein foi detido em outubro de 1964 e ficou encarcerado até 1966, quando escapou da prisão.

Nesta época, o Iraque era presidido pelo irmão de Salam Arif: Abdul Rahman Arif, que caiu graças a um golpe em 1968. Com o partido revolucionário no poder de forma definitiva, Saddam Hussein passou a ocupar, por pouco mais de uma década, um papel importante no governo de Ahmed Hassan al-Bakr

"Saddam Hussein foi um dos líderes mais importantes do mundo árabe nos anos 1980 e 1990. Era mais um caso de ascensão social em um país pobre por meio do exército, como já vimos em tantos países neste mesmo período", explica Tanguy Baghdadi, co-fundador e co-host do podcast Petit Journal, em entrevista ao site Aventuras na História.

Sendo o segundo homem mais importante do Iraque, ajudou na fortificação política do Ba’ath e na resolução dos maiores problemas infraestruturais e socioeconômicos do Iraque. Entretanto, tudo isso calcado na perseguição de minorias étnicas, religiosas e opositores.

Saddam Hussein e a célula estudantil do Partido Ba'ath/ Crédito: Domínio Público

General das forças armadas iraquianas, em 1976, Hussein se tornou o substituto natural de al-Bakr, cada vez mais doente e idoso. Em julho de 1979, após forçar sua renúncia, Saddam assumiu a presidência da nação. 

Saddam Hussein é a figura mais importante da história do Iraque moderno. Ele erigiu seu poder em um Iraque moldado de acordo com seu poder, pautado em um fortíssimo culto à sua personalidade. Sua ascensão ao poder se deu no ano em que eclodiu o segundo Choque do Petróleo, 1979, o que lhe garantiu recursos para modernizar o país e consolidar seu poder", continua Baghdadi

Dando as cartas

Uma das características marcantes do governo autoritário de Saddam Hussein foi a cultuamento de sua imagem pública, erguendo centenas de monumentos em sua homenagem: como estátuas e murais. Seu rosto, até mesmo, foi marcado na moeda iraquiana. 

O Iraque dos anos 1980 e 1990 girava em torno da sua imagem, que era vista em todos os lugares, sempre justificando as decisões tomadas por ele", contextualiza Tanguy.

Saddam também promoveu o uso do terror como máquina de controle público. Segundo o Human Rights Watch, seu regime de perseguição e tortura causou a morte de, ao menos, 250.000 iraquianos. Assim, o The Economist o descreveu como "um dos últimos grandes ditadores do século 20, mas não menos importante em termos de egoísmo, crueldade ou vontade mórbida de poder."

Além da política de crueldade e dos crimes contra a Humanidade, o Iraque de Saddam também se envolveu em dois importantes conflitos durante seu regime: a Guerra do Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1990-1991)

"Ambas as decisões trouxeram consequências gravíssimas para a população iraquiana, que não encontrava meios para protestar contra a violência do poder do presidente", diz o co-fundador e co-host do podcast Petit Journal.

O primeiro conflito foi um desdobramento da Revolução Islâmica no Irã, quando o regime de Reza Pahlevi, alinhando com uma ocidentalização do país, foi derrubado para o retorno do líder conservador xiita aiatolá Ruhollah Khomeini

"Sua linha política era vinculada ao pan-arabismo, que era defendido pelas forças armadas e pelo partido ao qual pertencia, o Ba’ath. Seu pan-arabismo justificou a guerra contra o Irã — país de maioria persa — que tinha também a intenção de unir os árabes iraquianos, para acima das cisões religiosas entre sunitas e xiitas", discorre Baghdadi

O ditador iraquiano Saddam Hussein/ Crédito: Getty Images

Tanguy também ressalta que a revolução no Irã, em 1979, era vista com preocupação por Saddam, que era sunita, por temer que os xiitas poderiam se levantar contra ele, como já havia acontecido na nação vizinha. 

No entanto, engana-se quem acredita que os EUA sempre viram nele um inimigo. Pelo contrário: os EUA apoiaram o Iraque na guerra contra o Irã, que era considerado um mal maior. Saddam apenas se torna um grande inimigo dos EUA quando ele invade o Kuwait, no que se tornou a Guerra do Golfo, em 1990", explica. 

Com o fim do conflito com o Irã, Saddam passou a criar inimizades com outro país vizinho: o Kuwait — principalmente por desavenças financeiras devido aos empréstimos feitos para financiar a guerra, cerca de 30 bilhões de dólares

Os entreveros também dizem respeito à exploração do petróleo na região e sua venda ao mercado externo. A invasão, em 2 de agosto, tornou o Iraque uma ameaça às pretensões da Arábia Saudita e dos Estados Unidos no Oriente Médio — o que levou os EUA a intervir e expulsar as tropas iraquianas do Kuwait em fevereiro de 1991. 

A cartada final

A Guerra do Golfo estremeceu as relações políticas entre iraquianos e norte-americanos, causando uma série de sanções e ataques contra a nação do Oriente Médio ao longo da década de 1990. 

"Em 2002, os EUA começam a construir uma estratégia para retirá-lo do poder e instituir um governo mais afável aos interesses americanos. O governo de George W. Bush inclui o Iraque no chamado 'Eixo do Mal' e passa a acusar Saddam Hussein de manter armas de destruição em massa. O detalhe importante é que os EUA não tinham provas da existência de tais armas", diz Tanguy, que aponta que a aposta até que fazia sentido, visto que os próprios EUA tinham cedido armas químicas para o Iraque durante a guerra contra o Irã. 

As armas, no entanto, nunca foram encontradas, o que indica que o país já havia se desarmado", ressalta. 

A situação contra Saddam Hussein já havia se tornado pior devido a um fatídico acontecimento no ano anterior: os Ataques Terroristas de 11 de Setembro de 2001, quando os Estados Unidos passou a agir mais efetivamente para a derrubada de tradicionais ditaduras no Oriente Médio. 

Além das acusações infundadas das armas de destruição, a alta cúpula dos EUA passou a apontar uma suposta ligação entre Saddam Hussein e a Al-Qaeda. "Nós ficamos sabendo cada vez mais de que há uma relação entre o Iraque e a Al-Qaeda que vem desde a década de 90", afirmou o então vice-presidente Dick Cheney

"Saddam Hussein não tinha ligações com a Al-Qaeda", salienta Tanguy Baghdadi. "Pelo contrário, ele mantinha um governo laico e queria que grupos religiosos, como a Al-Qaeda, mantivessem distância do Iraque. Mas os anos pós-11 de Setembro, tornaram-se o momento propício para que os EUA combatessem seus velhos inimigos, em um grande acerto de contas. Os EUA já tinham invadido o Iraque em 1990, na Guerra do Golfo, mas não derrubaram Hussein".

Para combater um aliado do chamado Eixo do Mal, as tropas de Bush desmantelaram as forças iraquianas em cerca de três semanas. Após a queda de Bagdá, se iniciou uma busca frenética pelo paradeiro de Saddam Husseincapturado em 13 de dezembro de 2003, há exatos 20 anos, durante a Operação Red Dawn. O ditador iraquiano estava escondido em um buraco no chão perto de uma fazenda ao norte do país. 

Saddam Hussein após ser capturado/ Crédito: Getty Images

Apesar da barba cheia, os cabelos longos e as vestes maltrapilhas, o ditador foi considerado em bom estado de saúde. Julgado por crimes contra a Humanidade, Saddam Hussein foi condenado à morte por enforcamento, algo sacramentado em 30 de dezembro de 2006, quando ele tinha 69 anos. 

Saddam Hussein, assim como Osama Bin Laden anos depois, foi um símbolo a ser entregue como justificativa para as ações norte-americanas nos anos anteriores. Depois de tantas promessas de que o país caçaria os inimigos dos EUA, sua captura, julgamento e execução foram um gesto de satisfação diante do mundo e, em especial, para os próprios americanos", finaliza.