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Matérias / Donner

Donner: a caravana que levou seus membros ao limite da sobrevivência

Em meados de 1840, as famílias Donner e Reed formaram um grupo com mais de 80 pessoas e rumaram para o oeste dos Estados Unidos em uma viagem sem volta

Pamela Malva Publicado em 27/04/2020, às 10h30 - Atualizado em 03/02/2024, às 15h12

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Representação da Caravana Donner - Divulgação
Representação da Caravana Donner - Divulgação

No começo da década de 1840, os Estados Unidos passavam por um processo de expansão nunca antes visto. Em busca de novas faixas de terra e melhores condições de vida, diversas famílias passaram a migrar para estados ao centro-oeste do país, no que viria a ser conhecido como a "marcha para o oeste".

Nos anos que se passaram, centenas de famílias rumaram em direção aos territórios de Oregon e Califórnia, em um trajeto de 4 mil quilômetros.

A rota preferida das caravanas era a Trilha do Oregon, que demorava de quatro a seis meses para ser percorrida. As famílias subiam em carroças aos montes e começavam sua odisseia, viajando cerca de 24 quilômetros por dia.

Em meio ao frio e à neve, foi essa a ideia das caravanas das famílias Reed e Donner. Juntos, em um comboio de nove carroças e 32 membros, os grupos partiram de Independence no dia 12 de maio. Mas a viagem não saiu como o esperado.

A família Reed / Crédito: Divulgação

O grupo

O grupo inicial, com os mais de 30 membros, era liderado por George e Jacob Donner e James F. Reed, um irlandês. Todos estavam acompanhados das esposas, dos filhos, enteados e alguns empregados e condutores.

Uniram-se a um grupo de 50 carroças e, assim, iniciaram sua trajetória de Independence e seguiram o caminho percorrido pela grande maioria das famílias pioneiras. Em 20 de julho, após dois meses caminhando, entraram em um impasse.

Metade do enorme grupo decidiu seguir pelo caminho conhecido, via Fort Hall. O outro grupo, no entanto, liderado pelos irmãos Donner e por Reed, decidiu seguir o atalho estabelecido por Lansford Hastings.

O pesadelo

Apesar de elegerem um novo líder, o experiente George Donner, as famílias ainda enfrentavam uma grande dúvida. Deveriam seguir pelo atalho de Hastings, mesmo com todos os avisos de perigo?

A rota, de fato, parecia perigosa. Todavia, segundo o pioneiro que a definiu, o trajeto lhes economizava algumas semanas e várias milhas em comparação ao caminho original. Não houve mais dúvidas. Seguiram pelo atalho perigoso, mas rápido.

Quem tentou alertar o grupo sobre o atalho proposto por Hastings foi James Clyman, amigo de James Reed e explorador. 

"[O explorador James Clyman, colega de James Reed, realizou] uma visita em Illinois... e sentou-se para tomar bebidas naquela noite ao redor de uma fogueira com membros da caravana. Ele se concentrou em James Reed e disse: 'Não pegue esse atalho! Lansford Hastings não sabe do que está falando. Ele, na verdade, nunca tomou esse limite. Aconselho você fortemente: não siga. Siga a trilha conhecida da Califórnia. Não siga esse caminho atalho que vai economizar seu tempo, porque não vai'. E infelizmente James Reed não deu ouvidos ao conselho de seu velho amigo", explicou Michael Wallis, autor de The Best Land Under Heaven: The Donner Party In The Age Of Manifest Destiny, em entrevista ao NPR.

Com a chegada de mais uma família, a caravana contava com 87 membros e cerca de 80 carroças. Em pouco tempo, no entanto, descobriram que o terreno não seria fácil para percorrer, ainda mais com o grande número de indivíduos presentes. 

Ilustração representando a Caravana Donner / Crédito: Wikimedia Commons

O atalho 

Durante o trajeto, homens e mulheres passavam fome ou sede. Grande parte dos suprimentos estava acabando e algumas famílias abastadas já não tinham mais o que comer.

"Houve algumas mortes. Houve a morte de uma criança. (...) Eles perderam muitos de seus animais. Tiveram que deixar para trás algumas carroças pertencentes a diferentes famílias e grupos. Eles tiveram que consolidar. Eles tiveram que... aprender a trabalhar juntos, algo que se mostrou muito difícil", explicou Wallis.

A caravana demorou duas semanas para atravessar uma floresta e, quando já estavam começando a questionar a escolha feita, se depararam com o Deserto do Grande Lago Salgado. Composto por uma planície de sal branco, o ambiente era bastante inóspito.

No deserto, as famílias enfrentaram dias terrivelmente quentes e noites de ventos gelados. As carroças atolavam em uma mistura de sal e umidade e grande parte dos animais se perderam, foram abandonados ou fugiram de sede.

Em 26 de setembro, dois meses após terem rumado pelo atalho, os pioneiros reencontraram a trilha tradicional ao longo do Rio Humboldt. No final, estima-se que o atalho tenha atrasado os Donner e Reed em aproximadamente um mês.

O Atalho de Hastings / Crédito: Divulgação

Àquela altura do campeonato, as famílias já estavam brigando por coisas ínfimas e fugiam de uma nevasca iminente. Cansados, no entanto, optaram por enfrentar o inverno em um acampamento no Lago Truckee, explica a obra "Ordeal by Hunger: The Story of the Donner Party", publicada por George R. Stewart.

No assentamento, membros começaram a enfraquecer, homens morreram pelo frio e outros tiveram sintomas de hipotermia. Confusos e com fome, os sobreviventes não encontraram outra saída que não fosse o canibalismo, e fizeram o possível para que não tivessem de consumir a carne dos seus parentes. 

"Para sobreviver, os membros [da caravana] recorreram, de fato, ao canibalismo de sobrevivência. Algumas das provas mais substanciais vêm dos próprios sobreviventes. Em correspondência, em diários e, mais tarde, em entrevistas, eles admitiram abertamente que, quando todo o resto desapareceu, eles se voltaram para o canibalismo", explicou Michael Wallis, autor de "The Best Land Under Heaven: The Donner Party In The Age Of Manifest Destiny", durante entrevista à National Geographic em 2017.

"Eles estavam sofrendo de hipotermia e fome; estavam delirando. Mas eles sabiam que nos 'bancos de neve' havia um grande estoque de proteínas: pessoas que já haviam morrido. Eles os colocaram cuidadosamente nos bancos de neve e foi isso que aconteceu", continuou o autor.

Após meses de pura insanidade e condições que realmente os levaram aos seus limites, o grupo sobrevivente foi resgatado por forças norte-americanas. Dos 87 integrantes que iniciaram o trajeto, apenas 48 sobreviveram, explica o History Internacional.

George e Jacob Donner faleceram e somente as famílias Reed e Breen chegaram intactas ao destino. Nenhum adulto com mais de 49 anos sobreviveu, explica o estudo "Donner Party Deaths: A Demographic Assessment". Além disso, mais de 34 pessoas da caravana morreram entre dezembro de 1846 e abril de 1847.

Ethan Rarick, autor de "Desperate Passage: The Donner Party 's Perilous Journey West" chama atenção para o número impressionante de crianças na caravana.

"É incrível quantas crianças havia. Eram famílias grandes do século XIX, com muitos filhos. Quando [mais tarde] uma equipe de resgate sai, a idade daqueles que vão com eles é simplesmente extraordinária. Além dos adultos, havia duas crianças de 14 anos, duas crianças de 13 anos, três crianças de 12 anos, uma criança de 11 anos, uma criança de 10 anos, duas crianças de 8 anos, uma criança de 5 anos e três crianças de 3 anos. É um grupo incrivelmente juvenil. E o fato de tantas destas crianças terem sobrevivido é uma prova da sua própria coragem e resistência", disse o escritor ao US News.

O episódio foi considerado um processo de seleção natural por alguns estudiosos, enquanto outros apenas conseguiam enxergar a tragédia por trás da viagem. Em 1927, o Estado da Califórnia ergueu o Donner Memorial State Park, em homenagem aos mortos na marcha em busca por uma vida melhor.